Nos trilhos das chitas: uma corrida secreta - TVI

Nos trilhos das chitas: uma corrida secreta

Jornalista da TVI, José Gabriel Quaresma, acompanhou uma "corrida secreta" que terminou no Zoo de Lisboa. O objetivo passou por alertar os participantes para a população decrescente das chitas na natureza, uma espécie ameaçada

As chitas estão a desaparecer do planeta. Já não chegam a dez mil, longe disso, são umas sete mil, espalhadas pela natureza e pelos zoológicos.

A chita é o animal mais veloz da Terra, chega a atingir velocidades na ordem dos 110 quilómetros/hora. Mas, a chita está a desaparecer. Não é segredo, a causa; A perda do habitat natural é uma das ameaças, a caça é outra. Há mais, no entanto.

As crias são dizimadas pelos outros predadores (a comunidade de chitas é muito reduzida), mas é a caça, sobretudo, a principal causa desta pré-extinção em massa. A pele da chita aquece os pescoços de senhoras com American Express! Por estes e por outros motivos, a chita está em perigo de desaparecer do planeta, o animal mais veloz de todos.

A chita corre, veloz, como nunca conseguiremos correr.

Apesar de haver alguns movimentos internacionais que tentam garantir o futuro da espécie, ela é já há muito tempo considerada espécie vulnerável.

Estamos na “semana internacional para a conservação da chita”, e porque já há tão poucas chitas no planeta, há também quem esteja numa corrida para as salvar da extinção, protegendo-as e ao seu habitat, gritando ALERTA PLANETA.

Agir agora, para que as futuras gerações ainda consigam ver as chitas correr.

Porque correr é ser livre.

Chegamos então a esta animalesca corrida secreta. Como qualquer corrida, um evento destes é sempre mais que uma corrida. O local escolhido não podia ser mais icónico.

A revelação do percurso só foi feita na hora marcada para o encontro do restrito grupo de participantes. Nada de elitismo. É que as inscrições só eram possíveis através da resolução de um enigma lançado no Facebook da corrida.

Juntando a este facto, o facto (a repetição foi deliberada) de no local existirem zonas onde não se deve correr, esta #secretrun tinha obrigatoriamente de ter um número restrito de participantes, para melhor controlo da crew. Éramos uns trinta, talvez um pouco mais.

Todos juntos, num final de tarde de domingo, unidos por um propósito, correr pelas chitas.

Correr, praticar desporto deve ser atitude, estilo de vida, podendo estar presente sempre que a vontade o ditar”, é o que diz Paula Dias, responsável pela Reebok Portugal, um dos mentores do projecto “Be More Human”, que ajudou a construir esta corrida única e exclusiva.

“Procuramos quotidianamente associarmo-nos a eventos e embaixadores que refletem esta assinatura -Be More Human. A Secret Run destaca-se pela prática da corrida e de várias modalidades de fitness, como o conceito -Gym is Everywere-, que também marcou presença no final desta Secret Run”, acrescentou Paula Dias.

Foi esta experiência que os cerca de 30 participantes na última Secret Run do ano viveram. Uma experiência única, na hora em que os animais se recolhem, e a noite cai.

As portas da Quinta da Alfarrobeira abriram à hora marcada: 15.36h. A partida estava marcada para as 15.50h. Fomos recebidos e encaminhados para o interior da quinta por uns guardiões runners secretos. Usavam máscaras, longas vestes negras, mas as sapatilhas de corrida denunciavam-os.

Ali, juntos, em pleno coração da cidade de Lisboa, na freguesia de São Domingos de Benfica, o tempo é dividido por um portão. Do lado do Estádio da Luz, a estrada, os centros comerciais, a segunda circular, a cidade. Daquele lado, de dentro, escutam-se os pássaros, rodeados de verde e árvores centenárias, seculares, algumas, talvez.

Um quartel. Abandonado, nas nossas costas. Quem diria?

O presidente da junta discursou, de improviso, e rápido, pois percebeu que estávamos ávidos de começar. O grupo estava assim como que controladamente excitado, por não saber rigorosamente nada do que se ia passar.

E, começámos.

Ninguém sabia ao que ia, tirando duas informações: Não valia a pena correr para tempos, porque só o Bruno Claro, o organizador das Secret Run, sabia o caminho, nem a Sandra Ramos Claro (outra mentora do projecto), mulher de Bruno, sabia o que ia acontecer, tal o secretismo.

A segunda informação, todos podiam correr ao ritmo que quisessem, até porque de tempos a tempos o grupo parava, para nos juntarmos e seguir corrida, pelas ruas de Lisboa.

Saímos da Quinta da Alfarrobeira pelas traseiras, subimos o viaduto, atravessámos avenida, pelo ar, descemos à pista de Monsanto, junto ao colégio dos Pupilos do Exército. Antes de entrarmos na pista, cruzámo-nos com crianças que brincavam no parque, casais de namorados que nos olhavam, famílias que lanchavam, sentadas na relva, em redor de uma toalha e umas sandes. A sério.

Daí a umas centenas de metros começamos a correr na pista que serpenteia o parque do Monsanto, do lado de quem vem da segunda circular rumo a Sete-Rios, e que eu só conhecia de passar por lá de carro.

Fizemos a primeira paragem junto aquela babilónia de cruzamentos, rotundas, acessos, em direção a todo o lado, mais à frente, no final da pista, como quem vai para o bairro da Serafina. Juntámos o grupo, de novo, e descemos em direção Sete-Rios.

Passámos por baixo do viaduto, atravessámos dezenas de faixas de rodagem, passamos dezenas de passadeiras, sorrimos milhares de vezes, nós e os automobilistas que rumavam a casa para ver o Benfica-Sporting. Estávamos, num piscar de olhos, a atravessar os grandes portões verdes, dentro do Jardim Zoológico de Lisboa, quase cinco quilómetros depois.

Parámos junto ao coreto. God damn, que sensação!

Um abastecimento, água e maçãs, tempo para fotos, mais conversas, mais sorrisos, recuperar, que o melhor estava para chegar.A corrida recomeçou dentro do Zoo. Um cardume, um bando colorido, espalhando-se, esticando-se, perante o olhar pasmado dos animais selvagens.

Corremos em todos os continentes, cruzámo-nos com os mais belos dos animais, admirámos as chitas, registámos o momento, os momentos todos.

Atravessámos pontes, subimos rampas e escadas, vimos hipopótamos, girafas, elefantes, focas, vimos os linces e os macacos, alguns parecia terem saído do cabeleireiro, nunca vi risco ao meio tão bem feito, eram preto e branco, as zebras e os rinocerontes, os flamingos, umas vezes corremos, outras caminhámos, outras parámos, para escutar as explicações da diligente Laura Dourado, a responsável pelo Zoo, que nos acompanhou durante todo o tempo.

Foi uma das partes estranhas da corrida, quando nos apercebemos que havia alguém na crew que estava com calças, botas, camisola de gola alta e pingos de suor na testa.

Correr por amor, não há qualquer dúvida. Cabia-lhe acompanhar a crew, e explicar porque estávamos ali, e o que é que ali estava.A vida animal, a natureza, a alma selvagem, amostras do nosso planeta.

Nós corríamos, Laura corria também, na cabeça do pelotão, telemóvel na mão, bem preparada, física e intelectualmente.Falou-nos sobre os linces, sobre as chitas, sobre tudo aquilo que nos rodeava naquele momento. Foi ela que brifou o grupo sobre a tragédia que as chitas enfrentam, e nós também, sobre os porquês da sua extinção quase certa (se nada fizermos).

O briefing não podia ter tido melhor local para ser dado, junto ao sítio onde habitam as chitas do zoológico de Lisboa. A corrida estava a chegar ao fim.

Acredito que todos, um a um, que participaram nesta Secret Run, foram para casa sensibilizados com o motivo que ali nos levou; fazer “buzz” (façamos buzz então) e para a obrigação de todos contribuirmos para ajudar a salvar as menos de 7 mil chitas que existem em todo o planeta, para ajudar a criar as condições para que a espécie, a mais veloz do planeta, não desapareça.

A corrida chegou mesmo ao fim.

Os animais tinham recolhido, com o cair da noite. Os mais de 30 participantes ainda tiveram coragem para uma aula de Body Combat, junto ao coreto, porque o desporto era outro dos motivos daquele evento com forte ativação social e consciência colectiva.

Running For Chitas, o nome foi revelado no final da corrida.

Um final de tarde de domingo, onde corremos num sítio onde jamais alguém correu e, dificilmente, voltará a correr, a não ser que alguma chita decida fugir.

Mas, aí, não há pernas que nos valham.

E, eu, lá voltei ao ponto de partida, a Quinta da Alfarrobeira, para ir buscar o carro, a correr, claro.

Não tão veloz como uma chita, mas quase!

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