Histórias da Casa Branca: estado de negação - TVI

Histórias da Casa Branca: estado de negação

  • Germano Almeida
  • 21 fev 2017, 22:20
Donald Trump

Donald Trump prefere a realidade alternativa porque sabe que nunca vencerá a batalha da realidade factual. Os tempos são cada vez mais sombrios em Washington DC

"Mas vocês não podem dizer-nos o que nós devemos fazer, Reince. Não podem fazer isso e tentam fazê-lo mais do que Barack Obama fazia. Barack Obama queixava-se muito da FOX News, mas tenho que dizer isto, ele nunca disse que nós somos um inimigo do povo como vocês dizem", Chris Wallace, na FOX News, para Reince Priebus, 'chief of staff' da Casa Branca de Donald Trump.

"Forças dentro do FBI podem ter-se mexido para que Trump fosse eleito. Não tenho a certeza se tinham a verdadeira noção do que isso iria significar, mas pelo menos tentaram prejudicar as hipóteses de Hillary”, John Podesta, diretor de campanha de Hillary Clinton.

São cada vez mais perturbadores os sinais que chegam da nova Casa Branca.

O primeiro mês foi suficiente para se perceber que estamos perante uma presidência falhada.

Donald Trump é o homem errado no lugar errado.

Não tem dimensão nem capacidade para assumir de forma satisfatória e efetiva o cargo político mais influente do mundo – e isso já está a ter consequências.

Não é só o claro, rápido e manifesto desprestígio que os EUA estão a ter com um líder de comportamento errático e irresponsável.

Do presidente dos EUA esperamos liderança, referência e proteção.

Mas de Donald Trump temos tido, até agora, mentiras mais ou menos descaradas, agressividade gratuita e, sobretudo, confusão generalizada.

Há um ditado popular português, bem conhecido, que nos diz que “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.

E é isso que tem acontecido a esta presidência: nasceu mal (com fraca legitimidade popular e dúvidas sobre o papel do FBI e da interferência russa) e continuou pior (transição turbulenta e primeiras semanas em clima de permanente guerrilha institucional com os poderes judicial, mediático e até político).

David Brooks, articulista de referência do New York Times, aponta: “Continuo a ter dificuldades em ver como uma Administração Trump sobreviverá a um mandato inteiro. A julgar pela conferência de imprensa de quinta-feira passada, o estado mental do presidente faz lembrar um comboio desgovernado, fora dos carris”.

Ao voltar ao "modo campanha", Donald Trump completou o primeiro mês de presidência revelando uma enorme fragilidade política.

O populismo extremo, no seu 'mantra' ultra demagógico de que "os media desonestos têm uma agenda de mentiras contra mim e por isso vou dirigir-me diretamente a vocês, o povo, sem a intermediação e o escrutínio deles", é a saída de emergência (fácil no imediato, mas curta e pobre para enfrentar a globalidade de um mandato de quatro anos) do mais impopular presidente americano ao fim de um mês na Casa Branca desde que há medições diárias de aprovação nos EUA.

Nem tudo é mau, mesmo assim: o acesso de Steve Bannon ao Conselho de Segurança Nacional e a permanência no posto de Conselheira Nacional Adjunta de Katthy McFarland, antiga comentadora da FOX News, mesmo depois da queda do general Flynn, terão sido decisivos para que o almirante Bob Harward recusasse o convite do presidente.

Foi a prova de que isto vai ser bem mais complicado do que Donald Trump imaginou – e que uma investigação séria sobre o que se passou verdadeiramente entre elementos da esfera do poder Trump e oficiais russos pode mesmo ir avante.

A guerra cega de Trump aos media pode ser outra linha vermelha.

Está enquadrada na estratégia perversa de Steve Bannon (“os media são o partido da oposição”), mas o próprio James Mattis, Secretário da Defesa, demarcou-se da avaliação de Trump, dizendo que “os media são um player fundamental na intermediação do poder, mesmo quando não gostamos deles”.

O nepotismo é outro problema de fundo a longo prazo para Donald: aquela imagem de Ivanka sentada na cadeira do Presidente diz tudo. É difícil acreditar que políticos republicanos mais tradicionais pactuem com situações destas por muito mais tempo.

Nos próximos dias, é fundamental perceber o que acontecerá à “travel ban” (vai a Administração Trump abdicar do recurso para o Supremo, aparentemente condenado a nova derrota?) e se o Presidente avança mesmo com nova ordem executiva sobre controlo de fronteiras, desta vez sem gaffes primárias como foi a de incluir o Iraque (aliado fundamental dos EUA na luta contra o Daesh) na lista dos países totalmente barrados.

Enquanto isso, Trump vai reforçando a imagem de durão, ao anunciar que dez mil guardas nacionais estarão destacados para “brigadas de deportação”, de modo a apanhar imigrantes ilegais.

Perfil de duro de um Presidente fraco.

Donald Trump continua em estado de negação. Prefere a realidade alternativa, porque sabe que nunca vencerá a batalha da realidade factual.

Até quando?

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