A queda de Milo Yiannopoulos, o provocador da era Trump - TVI

A queda de Milo Yiannopoulos, o provocador da era Trump

“Enfant terrible” da "direita alternativa" americana, misógino, islamofóbico e homofóbico (apesar de ser gay), o jornalista e orador, ex-editor do site “Breitbart News”, tem estado nas bocas do mundo e nas páginas dos jornais. Define-se como um ultraconservador e é definido pelos críticos como um pregador de ódio

A força da controvérsia tornou famoso o jornalista e orador britânico Milo Yiannopoulos. Apoiante do presidente dos Estados Unidos da América, a quem chama “papá”, o britânico de 32 anos, editor-estrela do site Breitbart News, é um nome cada vez mais conhecido pelas polémicas declarações. Homossexual assumido, judeu filho de pai grego e mãe britânica, e a viver nos EUA, Yiannopoulos assume-se como ultraconservador e divide opiniões pelo discurso preconceituoso, racista, sexista, misógino, homofóbico (apesar de ser gay), anti-Islão e de ódio. 

Conhecido pelas atitudes e opiniões provocadoras, Yiannopoulos autointitula-se "o melhor supervilão da internet", mas analistas, meios de comunicação e instituições definem-no agora de maneira bem diferente: como um "defensor da violação" e da pedofilia. O homem que se tornou uma das mais vocais forças da direita ultraconservadora ("alternative right" ou “alt right)” americana, associada à supremacia branca, vive mergulhado na polémica. A mais recente é a que envolve a divulgação de um vídeo antigo, no qual aparentemente aprova a pedofilia.

Milo Yiannopoulos era, até terça-feira, editor do Breitbart News, site noticioso de extrema-direita, conhecido pelo estilo por vezes irónico e frequentemente controverso, e que antes era dirigido por Steve Bannon, atual estrategista-chefe da Casa Branca, visto hoje como um dos membros mais influentes da administração de Donald Trump.

Yiannopoulos demitiu-se devido a comentários que fez num podcast onde pôs em causa a validade das leis que determinam uma idade mínima para menores de idade terem relações sexuais com adultos, algo que, para além do fim do “namoro” com a “alt right”, já lhe custou, entre outras coisas, um contrato milionário para escrever um livro.

As declarações controversas foram divulgadas em janeiro de 2016, no podcast “Drunken Peasants”.

Relações pedófilas “de amadurecimento”

Na gravação, feita há um ano e que voltou a ser divulgada agora, Milo Yiannopoulos, referindo-se ao mundo homossexual, disse que “algumas das relações entre rapazes mais novos e homens mais velhos, o tipo de relações de entrada na vida adulta, [são] relações em que os homens mais velhos ajudam os rapazes a descobrir quem são e dão-lhes segurança, amor e um tipo de estabilidade que eles não têm com os pais.”

Antes, Milo Yiannopoulos tinha começado por dizer: “Isto é um ponto de vista controverso, eu aceito [isso]”. Depois, a seguir a um dos outros participantes ter dito que “há pessoas que [aos 13 anos] são capazes de consentir de forma informada ter sexo com um adulto”, Yiannopoulos pegou nessa ideia e aprofundou-a.

“A lei [da idade de consentimento] provavelmente é correta, provavelmente essa é a idade certa”, começou por dizer. “Mas há pessoas que são capazes de consentir em idades mais jovens e eu certamente considero-me uma delas, pessoas que se tornam sexualmente ativas mais cedo”, acrescentou.

De seguida, explicou que isso “acontece particularmente no mundo gay”. “Esta ideia arbitrária e opressiva do consentimento (…) destrói totalmente a interpretação que muitos de nós temos. As complexidades e subtilezas e a natureza complicada de muitas relações”, afirmou.

No mesmo vídeo esclareceu que não defende a pedofilia.

"Pedofilia não é atração sexual por alguém de 13 anos que é sexualmente maduro, é atração por crianças que não atingiram a puberdade”, explicou.

No mesmo podcast, o jornalista também se manifestou de forma positiva sobre a própria relação, quando tinha 17 anos, com um sacerdote católico de 29. Milo Yiannopoulos falou de um “padre Michael” e gracejou dizendo que “não seria tão bom a fazer sexo oral se não fosse por ele”.

Editora cancela livro, conservadores retiram convite

Por causa do vídeo, a organização do Conservative Political Action Conference (CPAC), o congresso mais importante de personalidades e políticos conservadores nos EUA, decidiu na segunda-feira cancelar o discurso de Milo Yiannopoulos. A coqueluche da “direita alternativa” ia ser um dos principais oradores do congresso, em Maryland, ao lado presidente Donald Trump.

“Devido à revelação de um vídeo ofensivo nas últimas 24 horas a desculpar a pedofilia, a American Conservative Union [que organiza o CPAC] decidiu rescindir o convite”, disse o líder daquela organização, Matt Schlapp, num comunicado.

 

A gravação em que Yiannopoulos parece defender a legalização da pedofilia levou também a editora Simon & Schuster a cancelar o contrato literário para lançar a autobiografia “Dangerous” (“Perigoso”, em português) prevista para 17 de março.

Capa do livro de Milo Yiannopoulos

A informação foi confirmada pelo próprio Milo Yiannopoulos no Facebook com um post onde escreveu: “Cancelaram o meu livro”. De seguida, escreveu outra entrada: “Já passei por pior. Isto não me vai derrotar”.

Yiannopoulos recorreu ao Facebook para se defender, com uma mensagem na qual assegurou que não apoia a pedofilia, descrita como "um crime asqueroso e vil, talvez o pior".

“Eu tenho um horror à pedofilia e tenho dedicado grande parte da minha carreira como jornalista à exposição de abusadores de crianças”, disse.

Noutra mensagem, desculpou-se e admitiu que, em parte, a culpa é dele porque pode ter sido mal interpretado por usar uma “linguagem imprecisa”, da qual se arrepende.

“As minhas experiências como vítima levaram-me a pensar que posso dizer o que quiser sobre este assunto, independentemente do quão ultrajantes elas possam ser. Mas eu compreendo que a minha habitual mistura de sarcasmo britânico, provocação e humor negro possa ter sido interpretada como frivolidade, falta de preocupação por outras vítimas ou, pior ainda, defesa [da pedofilia]”, disse. “Arrependo-me muito disso”, acrescentou. “As pessoas lidam com coisas do seu passado de várias maneiras.”

No comunicado da American Conservative Union, esta nota era tida em conta, mas ainda assim desconsiderada.

“Sabemos que o senhor Yiannopoulos reagiu no Facebook, mas isso é insuficiente. É a ele que cabe responder às perguntas difíceis e nós instamo-lo a falar mais a fundo sobre estes comentários perturbantes”, referia a mensagem de Matt Schlapp.

Na segunda-feira, um dia antes de Milo Yiannopoulos anunciar a demissão, havia movimentações no Breitbart para o afastar do “site”. O cunho de ódio noutros artigos de opinião nunca incomodou os colegas, mas desta vez sentiram que a forma como parece desculpar a pedofilia foi um passo mais longo do que a perna, como explicou Charlie Gasparino na Fox Business.

“Há pessoas de elevado estatuto dentro do Breitbart neste momento que dizem que as últimas declarações [sobre pedofilia] foram longe de mais”, disse o jornalista, explicando que o controverso editor enfrentava “possível despedimento” na sequência do “aceso debate” em curso dentro da empresa.

“[Yiannopoulos] já fez muitas declarações controversas e esta foi para lá dos limites. Sei que dentro do Breitbart há pessoas a dizer que esta é uma boa oportunidade [de o despedir] - há um debate, há pessoas que querem que ele fique - mas está a ser muito, muito difícil defendê-lo. Vamos ver o que acontece.”

O episódio completo do podcast dos “Drunken Peasants” pode ser visto no seguinte vídeo:

O caso Berkeley

Esta não foi a primeira vez em tempos recentes que a presença de Milo Yiannopoulos num evento foi cancelada. No dia 1 de fevereiro, a Universidade da Califórnia, em Berkeley, cancelou a palestra onde o provocador-mor da América iria falar depois de um protesto organizado por mais de 1500 alunos, que degenerou em episódios de vandalismo.

Os alunos reagiram ao que consideraram ser declarações racistas e misóginas feitas pelo jornalista e mobilizaram-se contra a presença de Yiannopoulos no campus

Protestos em Berkeley contra a presença de Milo Yiannopoulos (Foto: EPA/Lusa)

Nessa altura, Robert Reich, professor da universidade e secretário do Trabalho de Bill Clinton, disse à CNN que tinha estado presente nos protestos e que acreditava que as ações mais violentas tinham sido executadas por membros da extrema-direita, exteriores à universidade, que apoiam o editor do Breitbart News e que queriam espalhar o caos na universidade.

Na manhã do dia seguinte, os EUA acordaram com um novo tweet do presidente. Donald Trump ameaçava cortar o financiamento federal à universidade por ter impedido Yiannopoulos de falar, alegando tratar-se de um atentado à liberdade de expressão.

“Se a UC Berkeley não autoriza a liberdade de expressão e pratica violência contra pessoas inocentes com pontos de vista diferentes - FICA SEM FUNDOS FEDERAIS?”, escrevia Trump.

 

 

Banido para sempre do Twitter

Em julho de 2016, Milo Yiannopoulos, conhecido no Twitter como @Nero, foi notícia ao ser expulso permanentemente da rede social, após ter incitado os seguidores ao discurso de ódio contra a atriz afro-americana Leslie Jones, membro do elenco da nova versão do filme “Caça-Fantasmas”.

Os responsáveis pelo Twitter afirmaram em comunicado que, apesar da liberdade para expressar diferentes opiniões, “ninguém merece ser sujeito a um abuso online direcionado”, e que a política da empresa proíbe o incitamento do ódio e abuso de outros.

Leslie Jones fora alvo de uma série de tweets racistas e sexistas, incluindo duas mensagens de Yiannopoulos.

Leslie Jones na estreia do filme "Caça-Fantasmas", em Hollywood, 9 de julho 2016 (Foto: Reuters)

As agências internacionais de notícias AP e Reuters informaram que o colunista estava por trás do bullying contra a atriz que, em consequência das mensagens, decidiu abandonar o Twitter.

Milo Yiannopoulos defendeu-se argumentando que o Twitter o estava a "responsabilizar pelas ações de fanáticos", utilizando uma lógica de esquerda.

Alguns dos seus mais de 300 mil seguidores criaram a hashtag #FreeMilo, em protesto contra o que acreditavam ser uma medida que atentava contra a liberdade de expressão.

Antes de ser expulso do Twitter, Yiannopoulos ainda conseguiu deixar outra marca: a hashtag #FeminismIsCancer (“feminismo é cancro”), que, entre denúncias e apoios, continua ativa na rede social. 

Racismo e misoginia

Milo Yiannopoulos criou uma bolsa de estudo reservada exclusivamente a homens brancos, a Privilege Grant, considera que o Black Lives Matter é um movimento “extremista” e é um forte crítico de grupos feministas e LGBT.

O colunista afirma que “agarrar as partes privadas de uma mulher não é abuso sexual”, mas sim “uma forma de as mulheres dizerem que alguém expressou interesse sexual nelas”, citando exemplos de histórias de abusos sexuais em universidades. Yiannopoulos diz que “as mulheres deviam aceitar ser apalpadas e não fazer queixa, tentando destruir a reputação dos rapazes”.

De acordo com a BBC News, o provocador profissional manifesta-se contra o que chama de "pânico moral" sobre a cultura da violação nos campus universitários e afirma que isso não passa de um "mito".

Em 2015, a Universidade de Manchester, no Reino Unido, considerou-o um "apologista da violação" e proibiu uma palestra que fazia parte de uma série de apresentações batizada pelo próprio como "Dangerous Faggot Tour" ("Digressão da Bicha Perigosa", em português).

No Breitbart, o jornalista escreveu artigos com títulos como "Métodos anticoncecionais tornam as mulheres menos atraentes e loucas" ou "Preferia que a sua filha fosse feminista ou que tivesse cancro?".

Milo Yiannopoulos advoga que as mulheres que tomam a pílula ameaçam a masculinidade dos homens, destroem a instituição do casamento, causam o divórcio e defende o fim de métodos contracetivos para “combater o crescimento da população muçulmana”. Yiannopoulos acrescenta que “a luta pela igualdade de géneros é absurda” e “não, as mulheres não podem ter tudo”, sendo que o “tudo” são os mesmos direitos que os homens.

O jornalsita defende que o Quociente de Inteligência (QI) das mulheres é inferior” e “se a civilização caísse nas mãos das mulheres ainda viveríamos em casas de palha”.

“Gamergate”

Milo Yiannopoulos começou a ficar famoso na cobertura de escândalo “Gamergate” para o Breitbart News.

O “Gamergate” é uma controvérsia sobre corrupção e chauvinismo no jornalismo e na comunidade de fãs de videojogos. O escândalo veio à tona com a acusação de que a criadora de videojogos norte-americana Zoë Quinn teria mantido relacionamentos amorosos com jornalistas especializados em troca de críticas positivas na imprensa.

Zoë Quinn, criadora de videojogos

O caso deu origem a movimento na internet em que várias mulheres da indústria de videojogos se tornaram alvo de uma campanha de desmoralização, com ameaças de violação e de morte.

Milo Yiannopoulus debruçou-se sobre o caso e publicou um artigo com o título: "Fanfarronas feministas estão a acabar com a indústria dos videojogos". Para o jornalista, a cultura dos videojogos tinha sido politizada por "um exército de feministas, sociopatas e ativistas, apoiadas por bloguistas americanos de tecnologia dolorosa e politicamente corretos".

Com uma visão conservadora, Yiannopoulos conquistou espaço próprio no mundo dos formadores de opinião como um ícone da defesa dos direitos masculinos.

E o antifeminismo não é a única causa que lhe é cara. O jornalista descreve-se como um "libertino cultural" e um "fundamentalista da liberdade de expressão", que se opõe à ideia de justiça social e do politicamente correto.

Quem é Milo, o "virtuoso troll"?

Nascido na Grécia a 18 de outubro de 1984, filho de pai grego e mãe britânica, Milo Yiannopoulos cresceu em Kent, no sul da Inglaterra, com a avó, judia, antes de se mudar para os Estados Unidos.

Antes de começar a trabalhar para o Breitbart News, cofundou a revista digital de tecnologia The Mekel em 2011. Três anos depois, foi forçado a vendê-la após contrair enormes dívidas e ser posto em tribunal por colaboradores do “site” por não pagar salários.

No ano seguinte entrou no Breitbart, o site cujas posições de extrema-direita são conhecidas, onde depressa subiu ao cargo de editor.

Apesar de homossexual assumido, quando o Breitbart foi acusado de racismo e antissemitismo escreveu um artigo intitulado "Judeu gay com um namorado negro”.

Há uma semana, no dia 17 de fevereiro, Milo Yiannopoulos protagonizou outro momento de tensão, desta feita no programa da HBO “Real Time with Bill Maher”.

Bill Maher, o comediante e apresentador de esquerda assumidamente democrata,  tinha sido criticado por ter convidado Yiannopoulos a participar no programa, numa primeira fase sem contraditório, apenas com os dois homens sentados a conversar sobre liberdade de expressão.

Logo a seguir, Yiannopoulos foi integrado num painel com mais pessoas, um que o jornalista Jeremy Scahill recusou integrar por achar que a decisão de Maher “dá uma ampla e importante plataforma a Yiannopoulos para defender a sua campanha racista e anti-imigração”.

Durante esse painel, o então ainda editor do Breitbart disse que as pessoas transgénero “têm doenças psiquiátricas” antes de começar a insultar alguns dos convidados de Maher, como o comediante Larry Wilmore.

“Convida sempre pessoas tão terríveis para o seu programa, elas são tão estúpidas. Tem de começar a convidar pessoas com QIs mais elevados ou isto vai ser um desastre.”

Larry Wilmore perdeu o sangue frio e mandou Milo Yiannopoulos “para o c***lho”.

 

 

 

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