Alemanha indemniza condenados por homossexualidade após a II Guerra - TVI

Alemanha indemniza condenados por homossexualidade após a II Guerra

Heiko Maas, ministro alemão da Justiça

Proposta de lei prevê três mil euros de compensação pela condenação e 1500 euros por cada ano de detenção

A Alemanha abriu esta quarta-feira caminho para a indemnizar cerca de 50 mil homens condenados por serem homossexuais com base numa lei nazi que permaneceu em vigor durante muito tempo depois da II Guerra Mundial.

A indemnização dos homens, que foram levados a tribunal por causa da sua homossexualidade deveria ter sido feita há muito tempo", disse o ministro alemão da Justiça, Heiko Maas, na sequência da adoção de um projeto de lei no Conselho de Ministros.

"Eles foram perseguidos, punidos e insultados pelo Governo alemão em razão do seu amor por outros homens", acrescentou o ministro social-democrata, citado pela Agence France Presse (AFP).

Heiko Maas teve de lutar dentro do Governo de coligação, nomeadamente com o partido mais conservador da chanceler Angela Merkel, para impor o texto após vários meses de negociações.

O projeto de lei ainda terá de ser aprovado pelo Parlamento alemão. A proposta de lei prevê três mil euros de compensação pela condenação e 1.500 euros por cada ano de detenção destes homens. Além disso, o Governo vai financiar, em até 500 mil euros por ano, uma fundação especializada para trabalhar a memória desta questão.

O titular alemão da pasta da Justiça disse que "os homossexuais condenados não podem viver com este estigma", que os persegue e "destrói os seus percursos profissionais e as suas vidas".

A iniciativa alemã surge alguns meses depois do anúncio de uma lei similar para os homossexuais condenados na Inglaterra e no País de Gales, apesar de nestes casos o texto só se aplicar aos homossexuais falecidos. No reino Unido, só a Escócia anunciou que também gostaria de indemnizar os homossexuais ainda vivos.

“Contra natura”

Durante 122 anos, de 1872 até à sua revogação, em 1994, o artigo 175 do Código Penal alemão punia com prisão "os atos sexuais contra a natureza (...), entre pessoas do sexo masculino ou entre homens e animais".

A severidade da lei foi agravada em 1935, por uma emenda do Governo nazi, que previa até 10 anos de trabalhos forçados. Mais de 42 mil homens sob a administração do III Reich foram enviados para a prisão ou para alguns campos de concentração.

O artigo 175 foi mantido após a guerra, conservando-se ao longo de décadas como a única sobrevivência legal da perseguição nazi, e levando a 50 mil novas prisões na Alemanha ocidental.

Eram perseguidos, expulsos dos empregos, interrogavam os colegas, os amigos e os membros da família", recordou recentemente o jornal Süddeutsche Zeitung, que definiu a situação como "uma morte social".

Vários condenados explicaram à imprensa a tragédia de levar uma vida incompleta e o medo constante de serem perseguidos pelos seus amores clandestinos. Ao ponto de, de acordo com o Süddeutsche Zeitung, depois da guerra, ocorrerem uma série de castrações voluntárias.

“Comportamento desenfreado”

"Tínhamos um pé no mictório e outro na prisão", recorda "Fritz", na revista gay Siegessäule. O homem lamenta não ter podido pedir desculpar a um dos amantes, condenado a sete anos e meio de prisão, enquanto ele, por ser menor na época, ficou detido apenas algumas semanas.

Os julgamentos por homossexualidade foram realizados até 1969, altura em que o artigo 175 voltou à versão anterior a 1935. Na Alemanha de Leste, aquele artigo foi restabelecido automaticamente na primeira versão e depois foi suprimido em 1968. Por outro lado, a homossexualidade feminina nunca foi criminalizada, ainda que o regime nazi tenha considerado a hipótese. O argumento da “igualdade homens-mulheres” foi aliás invocado depois da guerra pelos adversários do texto, mas em vão.

Em 1957, o Tribunal Constitucional alemão continuou a atribuir aos homens homossexuais um "comportamento sexual desenfreado", sinónimo de perigo social, assegurando, em compensação, que as mulheres homossexuais eram "mais passivas".

Para a comunidade homossexual na Alemanha, a anulação das condenações representa mais um passo para o reconhecimento. Outra reivindicação, mais atual, é a do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que continua proibido por lei. O Partido Social-Democrata decidiu militar a favor do casamento gay nas próximas eleições legislativas, em setembro, frente ao partido da chanceler Angela Merkel, cuja ala na Baviera, mais conservadora nesses temas, se opõe.

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