Projeto Qara: tricotar entre os bombardeamentos sírios - TVI

Projeto Qara: tricotar entre os bombardeamentos sírios

  • Tomásia Sousa
  • 25 mar 2017, 16:30

Pelas mãos das mulheres sírias e vontade de ajudar de Tiago Ferreira, repórter de imagem da TVI que esteve três semanas na Síria, nasceu um projeto que pode ajudar mais de uma dezena de famílias

Qara, uma aldeia síria junto à fronteira com o Líbano, não escapou à guerra. Quem ficou, luta todos os dias para continuar vivo. Foi nessa pequena vila que Tiago Ferreira, o repórter de imagem da TVI que atravessou a Síria de Sul a Norte, “tropeçou” num grupo de mulheres que fazia das linhas e das agulhas a esperança possível.

Num mosteiro onde os monges e as freiras organizam a distribuição de ajuda humanitária pela região, o 'Saint James the Mutilated’, conheceu Elsa Marku, uma albanesa que ensinou essas mulheres a criar peças de roupa.

Essa ocupação ajudava-as a não estar paradas, a abstraí-las da guerra que as cercava e a tentar que tivessem uma fonte de rendimento.

Achei curioso e comprei algumas coisas para mim, para trazer para a minha família. Comprei inclusive umas luvas porque estava cheio de frio lá”, contou Tiago Ferreira, com 39 anos e uma vasta experiência em cenários de guerra. “Entretanto, elas pediram-me para trazer uma encomenda para a irmã de uma freira portuguesa que estava lá no mosteiro e eu disse que não me importava nada de trazer para Portugal. Depois sugeri que me dessem mais algumas peças para eu vender aos meus amigos e ajudar de alguma forma.”

Quando chegou a Portugal, depois de três semanas na Síria, Tiago vendeu algumas dessas peças a colegas, amigos e família. Depois, publicou no Facebook uma fotografia dos artigos que tinham sobrado.

“A minha mulher partilhou essa fotografia. A Elsa, na Síria, sem eu perceber muito bem como, começou a falar com ela, sem eu saber de nada, e quando cheguei a casa, a minha mulher já tinha criado a página.”

E foi assim, desta forma desinteressada e desempoeirada, que o projeto Qara nasceu.

As pessoas andam há tanto tempo a ouvir falar desta tragédia humanitária e agora arranjaram esta forma de ajudar. É uma forma à escala, muito pequena, mas muito concreta. É uma coisa muito direta e é a forma que conseguimos de os ajudar”, explica.

Tiago e a mulher, Natacha, são quem gere a página e as vendas do projeto, recebendo os pagamentos e fazendo as entregas. A forma como vão conseguindo repor o stock, é pedindo nova encomenda de cada vez que sabem de alguém na Síria que vem para a Europa.

Tiago Ferreira mantém, ainda assim, o contacto com Elsa e com as mulheres sírias, cuja identidade é importante proteger.

Na altura em que lá estive, estavam a ajudar dez famílias, mas por causa desta “brincadeira”, já conseguiram pôr mais cinco famílias a trabalhar”, conta. “As mulheres estão a trabalhar a tempo inteiro, já estão a conseguir estar motivadas e nós, deste lado, fazemos o que podemos.”

 

As mulheres de Qara. Fotografia: Tiago Ferreira

No mosteiro onde estas mulheres tricotam, é normal se ouvirem disparos e bombardeamentos.

Estamos a falar de uma aldeia que fica dentro de uma zona militar fechada, juntos a umas montanhas a que chamam “montanhas anti-Líbano”. Fica a nordeste de Damasco. É uma zona de acesso condicionado, não é qualquer pessoa que pode passar, porque a própria aldeia foi atacada e o mosteiro fica à saída da aldeia e está cercado de artilharia", descreve Tiago. Nós estamos habituados a ver os grandes centros urbanos completamente destruídos e esquecemo-nos que não é só isso, há outras zonas mais pequenas, mais rurais, que também passam por muitas dificuldades, nomeadamente nas coisas mais simples e mais básicas como o acesso à eletricidade por exemplo. Nós chegámos a ter um dia em que tivemos apenas 20 minutos ou meia hora de luz. As pessoas aprendem a viver com isso.”

E num sítio onde não há quase nada, quase tudo faz falta:

Eu acho que o nosso trabalho, às vezes, acaba quando a peça vai para o ar. Passamos por muitas necessidades e dificuldades e quando a peça vai para o ar tudo se esfumaça e tudo se dilui. Passamos para o tema seguinte", afirma. "Eu tenho alguma experiência neste tipo de cenários e tento sempre fazer mais alguma coisa, ajudar algumas pessoas com quem me vou cruzando. Esta é uma coisa pequenina, mas que eu acho que é muito honesta e muito válida. Tem dado trabalho, mas não é nada comparado com aquilo que aquelas pessoas estão a passar. E é muito gratificante passar das palavras aos atos.”

 

O agradecimento das mulheres sírias

 

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