Maria Bethânia cantou poesia - TVI

Maria Bethânia cantou poesia

Maria

O mar e os rios foram os fios condutores do espectáculo, desta noite, no Coliseu dos Recreios

Olhar o mar e espreitar os rios, de cima de uma ponte repleta de poesia. Uma ponte forte que é, afinal, a metáfora de uma voz. A voz de Maria Bethânia.

Foi assim, esta noite, o espectáculo no Coliseu dos Recreios. A cantora brasileira inundou o público lisboeta com um mar de palavras. Palavras doces. Palavras amargas, Palavras apaixonadas. Palavras em versos. Versos de muita poesia.

Quando Bethânia entrou em palco o público ouviu que «Dentro do mar tem rio/Dentro de mim tem o quê?/Vento, raio, trovão/As águas do meu querer». O tema «Beira-mar» deu o mote ao espectáculo baseado nos dois últimos trabalhos da cantora: «Mar de Sophia» e «Piratas»

O público envolveu-se na beleza das palavras cantadas em brasileiro e ouviu em silêncio. Ouviu a voz sem desviar os olhos do cenário. Um painel de nuvens em fundo é entrecortado amiúde por vagas silenciosas, ondulações, cascatas de água, correntes de vento. Tudo criado com jogos de luzes. Não faltam os peixes, as árvores, enfim as imagens que nos transportam para o rio e para o mar. Uma cenografia excelente da autoria de Bia Lessa.

Maria Bethânia cantou mas também declamou poesia. A saia vermelha comprida não lhe escondeu os pés descalços, que pisaram o palco, como se de uma praia se tratasse. E descalça se manteve durante todo o espectáculo.

Um espectáculo recheado de mensagens. Em «Memória das Águas» Bethânia relembrou que «Amores são águas doces/Paixões são águas salgadas/Queria que a vida fosse/Essas águas misturadas».

E pelo fado conhecemos o Marujo Português: «Quando ele passa/O marujo português/Não anda passa a bailar/Como ao sabor das marés». Novas referências ao mar baseadas na poesia da portuguesa Sophia Mello Breyner, a fonte de inspiração do trabalho discográfico «Mar de Sophia»

A cada final de música a plateia aplaudia forte. «Gostoso demais» foi fácil de seguir pelo público que não resistiu a cantar e a aplaudir mais uma vez. Bethânia agradeceu curvando-se ao público e aos músicos.

Músicos de excelência. Jaime Alem (violão), Israel Dantas (violão, guitarra), João Carlos Coutinho (piano), Rômulo gomes (baixo), Marcio Mallard (violoncelo), Carlos Balla (bateria e percussão) e Reginaldo Vargas (percussão) acompanharam a cantora brasileira com devoção mas também souberam ficar sozinhos em palcos.

Um instrumental chamou para os músicos o seu momento de protagonismo, enquanto a cantora aproveitava para trocar de roupa.

A saia comprida deu lugar a um vestido branco, bordado com pequenos brilhantes. Nova roupagem e mais temas. Bethânia canta o amor: «Amor é sede depois de se ter bem bebido»

Mas é com o tema «Lágrima» que se vive um dos momentos mais «tristes» e intimistas da noite. Apenas um foco de luz sobre Bethânia que ao som do piano reproduz os versos «Lágrima por lágrima hei de te cobrar/Todos os meus sonhos que tu carregaste, hás de me pagar».

Bethânia cantou e declamou. Poesia Portuguesa. «Ultimatum» de Álvaro de Campos serviu para a cantora passar uma mensagem ao seu Brasil: «Mandado de despejo aos mandarins do mundo/Fora tu reles esnobe plebeu/E fora tu, imperialista das sucatas».

Bethânia corre pelo palco, leva a mão aos seus longos cabelos vezes sem conta, sobe nas pontes imaginárias que integram o cenário e senta-se, durante algumas músicas, junto a uma espécie de areal imaginário iluminado por pequenos focos de luzes amarelas.

Após hora e meia de espectáculo Bethânia despediu-se de Lisboa, mas o público de pé, pediu mais. O pano já caído volta a subir para o encore da brasileira. Três vezes no total. Bethânia canta e volta a cantar. Agradece ao público, curvando-se mais uma vez e acrescenta emocionada: «Toda a vez que eu ganho alguma coisa eu agradeço à minha mãe».

Na escuridão da plateia alguém grita «Eu amo-te» e Bethânia escolhe para o último encore «Viver é não ter a vergonha de ser feliz»

E, esta noite, Maria Bethânia foi feliz.
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