Ana Moura cantou mais do que a saudade - TVI

Ana Moura cantou mais do que a saudade

A fadista apresentou o último álbum, no CCB, ao lado de músicos e convidados

Fez-se silêncio para ouvir a guitarra portuguesa. Silêncio, não porque ela tocasse baixinho num palco iluminado em tons de azul. Mas, silêncio, porque foi ela que ouvimos gemer assim que as luzes se apagaram. Depois de todos a escutarmos, numa curta aventura solitária, a voz de Ana Moura fez-se ouvir para a acompanhar e cantar precisamente Guitarra.

Virada para a guitarra portuguesa nas mãos do músico Custódio Castelo, Ana Moura cantou para ela: «Ó guitarra, guitarra por favor/Abres-me o peito com chave de dor/ Guitarra emudece/O som que me entristece/Vertendo sobre mim a nostalgia».

E estava dado o mote para uma noite dedicada ao fado. Ao fado e à saudade. Ao fado e à arte de dizer o que algumas vezes fica por dizer. Ao fado e à tristeza e, porque não, à alegria. Enfim ao fado, o canto que vem da alma. Uma alma muito portuguesa.

E Ana Moura cantou com alma. Cantou para o público que no tema Fado Menor ouviu «Os teus olhos são dois círios/Dando luz triste ao meu rosto/Marcado pelos martírios/Da saudade e do desgosto».

O público que não chegou a lotar o Grande Auditório do CCB, aplaudiu forte. Ana Moura agradeceu e explicou tratar-se de uma noite especial. Com um vestido preto comprido, de cauda e o indispensável xaile negro, ao qual se abraçou diversas vezes, a fadista definiu o espectáculo desta noite como um «resumo da minha curta história desde que me assumi como fadista».

E em Sou do fado, sou fadista ouvimos «E uma voz me canta assim baixinho/E uma voz me encanta assim baixinho». E a voz de Ana Moura é forte. Forte, decidida, bem trabalhada e potente.

Enquanto o público ouvia a voz que dava vida aos poemas, podia ainda observar, no palco, os três painéis suspensos que projectavam imagens abstractas. Talvez referências imaginárias à saudade, ao amor, à dor, à noite, aos anjos, ao mar, alguns dos temas abordados esta noite.

Em maré de recordações, Ana Moura lembrou uma noite na casa de fados da Maria da Fé, onde acabou a ouvir flamenco no meio de fadistas. O «responsável» foi o guitarrista Pedro Jóia. Um momento que repetiu esta noite ao lado do músico com o som inqueitante da guitarra flamenca no tema Preso entre o sono e o sonho.

Zé Pato dos «Ciganos d'Ouro» foi o segundo convidado que, ao lado de Ana Moura, interpretou uma versão de Vou dar de beber à dor um tema de Alberto Janes, criado por Amália Rodrigues. O público acompanhou. Ana Moura agarrou o xaile com confiança e dançou.

Os panéis suspensos foram retirados e Ana Moura sentou-se ao lado do viola, Jorge Fernando, para interpretarem em, dueto, o tema Por um dia da autoria deste músico. Momento íntimista entre a fadista e o músico/compositor. Seguiu-se Búzios um tema forte do último álbum, com letra e música também de Jorge Fernando.

A sós com a noite foi outro dos momentos altos da noite. O som inconfundível do saxofonista dos Rolling Stones, Tim Ries, deu um tom diferente ao fado português.

E como fado é saudade, Tim Ries acompanhou Ana Moura no tema Velho Anjo, do qual é compositor. O saxofone foi convocado para acompanhar versos como «A saudade a bater/É uma dor que ao doer é só minha».

«Mas porque é que a gente não se encontra», foi o verso do Fado da procura que antecedeu o encontro na música seguinte entre Ana Moura e Fausto em palco, o último convidado da noite. Juntos interpretaram E viemos nascidos do mar do qual Fausto é o autor, um tema que fala do confronto da chegada dos primeiros navegantes portugueses a terras de África.

Quase no final, Ana Moura agradeceu ao público, músicos e convidados e terminou a afirmar que Canto o fado. O público aplaudiu de pé e pediu um encore.

Conseguiu dois. Os músicos desceram das cadeiras para acompanhar Ana Moura em mais um tema. Abraçada ao xaile cantou novamente com Tim Ries. De mãos dadas com os companheiros disse adeus. Do lado do público ficou mais do que «Para além da saudade».
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