Passarela do Lava Jato - TVI

Passarela do Lava Jato

    Victor Moura-Pinto
    Victor Moura-Pinto
  • 24 fev 2017, 22:50
"Mais de mil palhaços..." A folia da corrupção desce aos infernos

Victor Moura-Pinto escreve sobre um enredo de mascarados que vai muito além do Carnaval

Sobretudo em Fevereiro, um clamor dos diabos estremece o planeta. E um calor também, de cores garridas, carnes agitadas, cuícas delirantes, vindo do Atlântico sul. É a onda avassaladora de milhões de brasileiros a sambar, desta vez com um número especialmente obsceno. Ou autêntica folia pagã, a crer nos dados oficiais: 12 nunca vistos milhões de desempregados.

Nenhum deles frequentará o JK Iguatemi, no bairro financeiro de São Paulo. Aliás, quase ninguém desfila pelo luxuoso centro comercial em final da tarde de sábado, tornando melancólico o Entrudo da economia local. Vazios, os longos bancos de mármore travertino. Longos, os não menos vazios corredores, como uma passarela às moscas. "Com que roupa eu vou, para o samba que você me convidou?" Mas na marchinha de Noel Rosa, a alegria ainda tinha selo de garantia.

Vencida a porta giratória do Spot, restaurante das celebridades de ocasião e dos artistas em promoção, a sala cheia perturba. O puré de batata a 9 euros fala a língua universal de quem está por cima da carne seca. Brasileiríssima, ela não consta da ementa. Os empregados parecem saídos de um catálogo nova-iorquino. Há um vago clima de Disneylândia. Ou será de "apartheid" refrigerado? Do lado de fora da montra estacionam bólides alemães. A crise está porém nas conversas, e alguém lembra que enquanto uns choram, outros vendem lenços.

Muito do caudal de lágrimas é produto do escândalo Lava Jato. A nata dos empreiteiros murcha na prisão. Só a confissão judicial da Odebrecht admite 1800 milhões de euros em subornos mundo afora. Alô, alô, patos bravos! E o governo de Brasília continua a trepidar como um reco-reco. Em pouquíssimos dias, trocou os ministros da Justiça, das Relações Exteriores e da Casa Civil. Denominador comum: todos senhores de pouco cabelo e mão na massa da operação policial. "Pois na hora do aperto, é dos carecas que elas gostam mais".

O jantar do JK Iguatemi não termina sem dúvidas sobre a curiosa sobrevivência de tantas marcas de luxo no centro comercial. Exibem-se aqui, de fazer corar uma Quinta Avenida, os suspeitos do costume: Gucci, Prada, Van Cleef & Arpels... Impressionantes salões de baile com objectos sem preço à vista, mais façanhudos gorilas à porta. Julga-se que é vontade dos promotores imobiliários mantê-los, não da respectiva casa-mãe, que assim embolsa nos alugueres. O preço inclui funcionar, revela outro dos convivas, sem clientes que antes gastavam 15 mil euros numa hora de compras. E que agora conhecem o luxo das cadeias tupiniquins...

Toda a política acaba em cinzas. Quando chegar a inevitável quarta-feira, da explosão de alegria no sambódromo restará no máximo um "você aí, me dá um dinheiro aí". Eis o reverso do momento brasileiro, com o tal desemprego talhado para a agitação social. Bombinha de Carnaval ele não é, como as ramificações internacionais do escândalo não são mero lança-perfume. Portugal acaba de assinar com 10 países um convénio sobre os tentáculos da Odebrecht. Mãos limpas ou face oculta, pouco interessa. De ritmo importado nos desfiles de província, qualquer dia o samba bate à porta dos tribunais.

 

Continue a ler esta notícia

EM DESTAQUE