Janeiro, foi soalheiro e frio.
As geadas amarelaram os verdes tímidos que pelos campos preparavam o renascimento que floresce a cada Primavera.
Para mim o frio de Janeiro foi, no entanto, outro. Confrontou-me com um ciclo que não se repete, que é final, que gela e petrifica, que nada derrete, que nada conforta, nada.
Por mais que o saibamos nunca estamos preparados.
Durante três semanas desci aos Infernos da vivência diária de corredores de hospital cheios de macas com pessoas em sofrimento, algumas agonizantes e sem forças para reclamar fosse o que fosse. Vi auxiliares, enfermeiros e médicos procurando amenizar as circunstâncias.
Ouvi conversas de faz-de-conta dos familiares e amigos que visitavam os seus doentes e que terminavam com um : as melhoras! Até amanhã.
Para alguns o Sol não despontaria mais como constatava a cada dia que regressava e dava por outro rosto na mesma cama ou maca.
Fui registando gestos.
Dos vários, os do marido que levava pastilhas de mentol para a mulher e para os outros doentes porque podiam ter tosse, ou da visitante que tendo ouvido a uma doente dizer que gostava de gelatina lhe levou uma no dia seguinte. As emoções que se escondem para não pertubar os que sofrem e depois se desfazem quando já fora do olhar. O conforto que a maior parte dos doentes tenta dar aos outros.
Mais gestos?
Um deles foi ver um ex-primeiro ministro, no meio de todos os anónimos que entravam e saíam, empurrando a cadeira de rodas da mulher com quem conversava com aparente ternura. A surpresa ficou também no facto de nenhum dos que o reconheceu ter manifestado qualquer sinal de hostilidade enquanto ele se dirigia para a saída de toda a gente como qualquer outro utente ou visitante..
Foram três semanas muito duras até porque o prognóstico do mal que afecta quem me levou a esta reflexão continua por fazer até pelo risco de utilizar alguns meios de pesquisa por serem maiores os riscos que os eventuais benefícios.
Para mim o frio vai continuar, gelando lentamente até ficar para sempre.