Os materiais que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) distribuiu nas aldeias para serem usados em caso de fogo contêm produtos inflamáveis e sem tratamento anticarbonização. Uma iniciativa que custou 328 mil euros à Proteção Civil e que a empresa que forneceu os materiais achou ser uma medida publicitária.
Os kits são compostos por um colete, uma gola antifumo, um apito, uma bússola e uma lanterna, uma garrafa de água e uma barra de cereais e ainda um conjunto de primeiros socorros.
De acordo com o Jornal de Notícias desta sexta-feira, destes materiais, a gola e o colete são ineficazes por são, na realidade, inflamáveis e têm na sua composição matéria combustível. As golas antifumo, fabricadas em poliéster, “não têm a eficácia que deveriam ter: evitar inalações de fumos através de um efeito de filtro”.
A iniciativa surgiu do programa “Aldeia Segura”, cujo objetivo é, desde 2018, oferecer medidas de proteção e criar estratégias preventivas em caso de incêndios nas povoações.
A Proteção Civil encomendou estes kits a uma empresa que, de acordo com o mesmo órgão, acreditou que faziam parte de uma medida de merchandising e não para uso em contexto real de incêndio.
A fabricante Foxtrot Aventura, empresa de Fafe, no distrito de Braga, diz o JN, defende-se afirmando que a Proteção Civil nunca afirmou que os materiais "seriam usados em cenários de fogo" e que usou poliéster na produção porque o contrário não foi pedido.
Se assim fosse, as golas seriam de outro material e com tratamento para suportar esses cenários [de fogo] (…) Juro que achei que isto seria usado em ações de merchandising", garantiu Ricardo Peixoto ao JN.
Já a ANEPC argumenta que os kits não são mais do que um "estímulo à implementação local dos programas" e que não devem ser vistos como "equipamento de proteção individual".
Nesta medida, mais de 1500 oficiais de segurança receberam as golas antifumo de apoio às evacuações.
O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) classificou hoje de “tremenda negligência e irresponsabilidade” a entrega de materiais inflamáveis no âmbito do programa “Aldeia Segura”, defendendo que a Proteção Civil desse assumir o erro e pedir desculpas.
Proteção Civil esclarece que golas não são para proteção individual
A Proteção Civil esclareceu que os materiais distribuídos no âmbito dos programas "Aldeias Seguras" e "Pessoas Seguras" não são de combate a incêndios nem de proteção individual, mas de sensibilização de boas-práticas.
Em comunicado, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) lembra que os programas “decorrem da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, e visam capacitar as populações no sentido de reforçar a segurança de pessoas e bens mediante a adoção de medidas de autoproteção e a realização de simulacros aos planos de evacuação das localidades”.
Trata-se, segundo a ANEPC, da primeira grande campanha nacional orientada para a autoproteção da população relativamente ao risco de incêndio rural, bem como à sensibilização para as boas-práticas a adotar neste âmbito.
No âmbito dos programas foram produzidos e distribuídos diversos materiais de sensibilização, designadamente o Guia de Implementação dos Programas, os Folhetos de Sensibilização multilingues, a Sinalética identificativa de itinerários de evacuação e de locais de abrigo ou refúgio e os kits de emergência”.
Importa reforçar que estes materiais não assumem características de equipamento de proteção individual, e muito menos de combate a incêndios. Trata-se sim de material de informação e sensibilização sobre como devem agir as populações em caso de incêndio, aumentando a resiliência dos aglomerados populacionais perante o risco de incêndio rural”, é sublinhado.
A Proteção Civil esclareceu que as golas destinam-se apenas a movimentos rápidos de retirada de pessoas em caso de incêndio e que a sua segurança não está em causa.
Quero passar uma mensagem de tranquilidade junto das aldeias, é que estes equipamentos servem sobretudo para uma proteção temporária, num movimento que se espera que seja rápido, e não nunca para enfrentar um incêndio florestal”, disse à RTP a segunda comandante nacional da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Patrícia Gaspar.
Fornecedor diz que material não se destina ao combate
A empresa fornecedora do material utilizado na campanha "Aldeia Segura - Pessoas Seguras" diz que o mesmo não está preparado para combate aos incêndios, porque essa exigência não constava do caderno de encargos.
O que posso dizer é que o equipamento não é para ser utilizado no combate aos incêndios", afirmou Ricardo Fernandes, representante da empresa Foxtrot Aventura, situada em Fafe, em declarações à Lusa.
Segundo a empresa, parte do material, nomeadamente as máscaras de proteção respiratória, até pode ser utilizado no teatro de operações de algumas catástrofes, mas nunca no combate a incêndios.
Ricardo Fernandes disse não estar autorizado a disponibilizar para consulta o caderno de encargos do concurso público, mas anotou que quem o deve fazer é a Autoridade Nacional da Proteção Civil.