Almaraz: Portugal aprova construção e diz que armazém nuclear é "seguro" - TVI

Almaraz: Portugal aprova construção e diz que armazém nuclear é "seguro"

  • CM
  • 27 abr 2017, 19:32

"Não se estimam impactos transfronteiriços significativos em situação normal de funcionamento do armazém nem em caso de acidentes severos", justifica o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente. Ambientalistas criticam posição submissa, "surreal e inaceitável"

Portugal considera adequada e segura a construção de um armazém para resíduos na central nuclear de Almaraz, em Espanha, foi anunciado nesta quinta-feira.

O parecer consta do relatório do grupo de trabalho técnico relativo ao projeto e hoje divulgado em conferência de imprensa, na sede da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em Lisboa.

O presidente da APA, Nuno Lacasta, que coordena o grupo de trabalho, assinalou que o armazém é uma "solução adequada" que "permite confirmar a sua segurança" ao nível dos padrões internacionais.

Segundo Nuno Lacasta, "não se estimam impactos transfronteiriços significativos em situação normal de funcionamento do armazém nem em caso de acidentes severos".

O grupo de trabalho recomenda, entre outras medidas, o acompanhamento de Portugal das fases subsequentes do projeto, isto é, durante o licenciamento da obra, construção, funcionamento e destruição do armazém temporário para os resíduos radioativos.

Fazem parte do grupo de trabalho elementos da APA, da Direção-Geral da Saúde e peritos académicos e da Ordem de Engenheiros, entre outros.

Para a elaboração do relatório técnico, o grupo de trabalho apreciou informação em matéria ambiental e de segurança nuclear fornecida pelo Governo espanhol, além de contributos de movimentos e organizações ambientalistas, tendo avaliado o local do futuro armazém e possíveis impactos.

De acordo com um resumo do relatório, facultado aos jornalistas, a zona de localização do armazém tem "uma baixa perigosidade sísmica" e "só em situações extremas, de baixa probabilidade", é que existe a possibilidade de contaminação das águas do rio Tejo.

O grupo de trabalho entende que o tipo de contentores para armazenar os resíduos cumpre os requisitos de segurança internacionais, tendo sido "testados em acidentes severos", como incêndios, precisou aos jornalistas o presidente da APA, após a conferência de imprensa.

Apesar da apreciação positiva, os técnicos apontam para "algumas questões a carecerem de aprofundamento", como mais estudos sobre a permeabilidade de solos e sobre os aquíferos.

O que é importante é que possamos ter a segurança de que uma eventual contaminação, em cenário de acidente severo e de muito baixa probabilidade, é devidamente estudada", sublinhou Nuno Lacasta, reiterando que o armazém "é uma estrutura adequada" para os resíduos e "oferece condições de segurança reconhecidas internacionalmente".

O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente assegurou que toda a informação considerada como relevante para Portugal foi disponibilizada por Espanha para efeitos de análise técnica.

O grupo de trabalho português foi criado nos termos de um acordo estabelecido entre Portugal, Espanha e a Comissão Europeia.

Como parte do acordo, Portugal suspendeu uma queixa em Bruxelas até que Espanha divulgasse informação que permitisse estudar o impacto transfronteiriço, sem prejuízo de poder voltar a agir contra a construção do armazém, a cem quilómetros da fronteira portuguesa.

Posição submissa, "surreal e inaceitável"

Os ambientalistas criticaram hoje a posição do Governo português, denunciando submissão a Espanha e uma decisão "surreal e inaceitável".

"Não nos surpreende a decisão tomada, mas consideramos no mínimo surreal, depois de tudo o que o Governo disse acerca das premissas do projeto, aceitar a não existência de estudos de impactos transfronteiriços e considerar que está tudo bem e é tudo adequado. Parece-nos francamente inaceitável", disse à agência Lusa Carla Graça, da associação Zero.

A ambientalista apontou ainda que não é mencionado o prolongamento da vida da central, situada a 100 quilómetros da fronteira portuguesa, e isso "tem de estar em cima da mesa", e recordou que está próxima a cimeira ibérica e "o assunto de Almaraz deve estar em cima da mesa", ou seja, o Governo "deve questionar sobre o funcionamento da central".

A associação Quercus, "ainda que respeite a posição transmitida e aquilo que foi o trabalho realizado, discorda em absoluto com as conclusões do grupo de trabalho criado pelo Governo" e desafia o executivo português a defender de forma mais digna os interesses nacionais.

Para Nuno Sequeira, da Quercus, "continuam a existir riscos muito sérios na construção do armazenamento de resíduos nucleares junto à central de Almaraz" e esta obra "é apenas o pretexto do Governo espanhol para que se prolongue a licença de Almaraz depois de 2020".

"Os esforços do Governo têm de ser totalmente no sentido de não pactuar com este jogo e defender os interesses de Portugal dizendo de forma muito clara que Almaraz deve encerrar em 2020", afirmou o ambientalista.

António Eloy, do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), realçou que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) "não teve a mínima atenção aos pareceres das organizações não-governamentais, do próprio MIA, sobre este processo", que parte de "bases erradas".

No entanto, apontou, o processo "ainda continua no sistema judicial espanhol e, portanto, não é certo que o ATI [armazém de resíduos nucleares] seja construído".

Para o MIA, a questão essencial é que o armazém "é um indicador para a continuidade da vida da central de Almaraz".

"Não estávamos à espera de uma posição de total submissão, de lavar os pés ao Governo espanhol em relação às várias ilegalidades que foram sendo cometidas e aos procedimentos errados que o ATI teve, desde o início", realçou o ambientalista.

"Foi uma total submissão do Governo português e pensamos que tem a ver com as imposições que foram estabelecidas pela União Europeia e as compensações financeiras para as redes transeuropeias".

A aceitação da não existência de um estudo de impacto transfronteiriço para a construção do armazém, um dos argumentos que Portugal apresentou para fundamental uma queixa apresentada à Comissão Europeia sobre o assunto, e a falta de atenção aos pareceres das organizações não-governamentais, durante a consulta pública, também foram criticadas.

Portugal apresentou uma queixa na Comissão Europeia contra Espanha por não ter informado acerca da intenção de construir o armazém para resíduos nucleares e não ter realizado um estudo de impacto transfronteiriço, uma imposição internacional para situações deste tipo.

Depois acabou por suspender a queixa, dizendo que poderia retomá-la, se necessário, quando chegou a acordo com Espanha que prometeu fornecer informação, levando a uma consulta pública em Portugal, e permitiu uma visita de técnicos portugueses ao armazém.

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