Almaraz: Portugal já entregou queixa a Bruxelas - TVI

Almaraz: Portugal já entregou queixa a Bruxelas

Em causa está a falta de avaliação de impacto ambiental transfronteiriço, como estipulam as regras europeias para este tipo de construção

Portugal entregou esta segunda-feira à Comissão Europeia a queixa relacionada com a decisão espanhola de construir um armazém de resíduos nucleares em Almaraz, sem avaliar o impacto ambiental transfronteiriço, disse fonte do Ministério do Ambiente.

"A queixa seguiu hoje" para Bruxelas, avançou à agência Lusa a fonte do Ministério liderado por João Matos Fernandes.

O Governo português defende que, no projeto de um aterro de resíduos junto à central nuclear de Almaraz, "não foram avaliados os impactos transfronteiriços", o que está contra as regras europeias.

Na semana passada, numa reunião em Madrid entre o ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, e os ministros da Energia de Espanha e do Ambiente, o Governo espanhol sugeriu que fosse Portugal a realizar esse estudo, proposta que o executivo português recusou, considerando que essa responsabilidade cabe a Espanha.

O Governo mantém “todas as diligências” com Espanha para uma “solução equilibrada” no diferendo sobre a construção do armazém de resíduos nucleares na central de Almaraz, disse em Bruxelas a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros.

No mesmo dia em que Portugal formalizou junto da Comissão Europeia a queixa anunciada na passada semana, por as autoridades espanholas não terem procedido a uma avaliação de impacto ambiental transfronteiriço antes de avançarem para a construção do armazém, Teresa Ribeiro, que participou no Conselho de Negócios Estrangeiros da União Europeia, disse estar “muito confiante” que, independentemente da queixa apresentada em Bruxelas, os dois países cheguem a um entendimento.

Há, de facto, um diferendo. O que nós queremos é ultrapassar esse diferendo, e eu estou certa que isso acontecerá. Portugal e Espanha têm relações muito antigas, têm relações muito próximas, são dois países muito amigos. Estamos, como alguém dizia, condenados a entender-nos, e é esse o caso. Penso que se encontrará uma solução equilibrada e que corresponda aos interesses de ambos os países”, declarou a secretária de Estado aos jornalistas.

Teresa Ribeiro explicou que a apresentação da queixa à Comissão Europeia “nada mais” representa do que recorrer “a um instrumento da União Europeia, para que o diálogo institucional e formal entre os dois países a propósito desta iniciativa do Governo espanhol possa ter lugar”.

“Mantemos todas as diligências que é preciso entre os dois países e que vão sendo feitas todos os dias, diria eu”, sublinhou a secretária de Estado, que representou Portugal na reunião de hoje dos chefes de diplomacia da UE.

"Aquilo que a diretiva prevê é que haja um estudo de impacto quando se trata deste tipo de instalações transfronteiriças. Aquilo que nós gostaríamos de ter, de facto, é essa avaliação de impacto, e vamos ver isso com os nossos vizinhos espanhóis, sem dúvida nenhuma. E estou muito confiante que encontraremos uma solução e uma solução muito equilibrada”, concluiu.

Queixa "terá um escasso efeito prático"

De acordo com a jurista Ana Cristina Figueiredo, a queixa apresentada por Portugal à Comissão Europeia sobre a construção por Espanha de um armazém para resíduos nucleares, em Almaraz, "terá um valor provavelmente pouco mais que simbólico, será uma tomada de posição ao nível do Estado português, que é desejável, mas terá, muito provavelmente, um escasso efeito prático".

A 4 de janeiro, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, anunciou que Portugal iria apresentar uma queixa a Bruxelas contra Espanha relacionada com a construção de um armazém de resíduos nucleares para apoio à central de Almaraz, uma decisão reforçada com o fracasso de uma reunião com a ministra espanhola na semana passada.

Em causa está a falta de avaliação de impacto ambiental transfronteiriço, como estipulam as regras europeias para este tipo de construção.

A tramitação das queixas, mesmo apresentadas por um Estado membro, como será o caso, é complexa e sobretudo muito demorada", referiu a jurista com formação em direito ambiental.

Como o processo é demorado e não tem efeito suspensivo, a queixa "acaba por ter um efeito prático nulo, em termos de alteração ou inviabilização de projetos, como este", acrescentou Ana Cristina Figueiredo.

Quando muito, uma vez que estas queixas podem ser acompanhadas de sanções pecuniárias compulsórias, a esse nível pode ter algum efeito junto de Espanha, nomeadamente dissuasor, por exemplo, em termos de suspender a tramitação e o procedimento em curso e resolver, por exemplo corrigir o estudo", especificou.

Existe uma convenção assinada nos anos 90 e acolhida pelo direito português e espanhol e mais recentemente foi definida legislação sobre avaliação de impacto ambiental, igualmente transposta nos dois países, em 2013.

A jurista explicou que, no anexo daquela diretiva é feita referência a projetos com estas características, ou seja, um armazém temporário individualizado, planeado para mais de 10 anos, e em localização que não é o local de produção, estando a instalação sujeita a avaliação de impacto ambiental, também ao nível transfronteiriço.

Espanha "ignorou completamente a posição do Estado português, os compromissos assumidos e os interesses de saúde pública e segurança do Estado e respetiva população", segundo Ana Cristina Figueiredo, que esteve muitos anos ligada à Quercus e é fundadora da associação ambientalista Zero.

Se a Comissão Europeia considerar que existe uma infração ao direito da União Europeia, notifica o Estado membro, que é convidado a apresentar as suas alegações, num prazo de dois meses, que pode duplicar. Depois de avaliar, a Comissão pode dar início à fase contenciosa, propondo uma ação por incumprimento contra o Estado-membro junto do tribunal europeu.

A especialista recordou que todos os partidos no parlamento foram unânimes em considerar que houve um incumprimento diplomático, mas também jurídico, da legislação relativamente a esta instalação, e deverá ser este o fundamento da queixa de Portugal.

 

O início da polémica 

De acordo com o Boletim Oficial do Estado (BOE), uma resolução de 14 de dezembro de 2016, da Direção-Geral de Política Energética e Minas, o Governo espanhol "autoriza a execução e montagem da modificação do desenho correspondente ao Armazém Temporário Individualizado da Central Nuclear Almaraz, Unidades I e II".

O processo para a construção do ATI teve início em 18 de novembro de 2015, quando o diretor-geral das Centrais Nucleares de Almaz-Trillo (CNAT) solicitou a autorização para a construção do armazém de resíduos nucleares, com o objetivo de resolver as necessidades de armazenamento do combustível gasto nos reatores.

A funcionar desde o início da década de 1980, a central está situada junto ao Tejo e faz fronteira com os distritos portugueses de Castelo Branco e Portalegre, sendo Vila Velha de Ródão a primeira povoação portuguesa banhada pelo Tejo depois de o rio entrar em Portugal.

A decisão de Espanha deu origem a protestos tanto da parte das associações ambientalistas, portuguesas e espanholas, como dos partidos políticos na Assembleia da República.

Os ambientalistas consideram que a construção do armazém indicia um prolongamento da vida da central nuclear de Almaraz, que tem tido vários problemas e já não terá, dizem, condições para continuar a funcionar além do prazo previsto de 2020, representando um perigo para as populações.

Numa concentração frente ao consulado de Espanha, em Lisboa, realizada no mesmo dia em que ocorreu a reunião entre os ministros português e espanhóis, o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA) condenou a atitude do Governo de Portugal em relação à central nuclear de Almaraz e o dirigente António Eloy defendeu mesmo a substituição do ministro do Ambiente por outro "mais firme”.

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