Casos do ano: a queda de um banco, de um grupo e de uma família - TVI

Casos do ano: a queda de um banco, de um grupo e de uma família

Ricardo Salgado

A detenção de um banqueiro e os 3 milhões de euros pela sua liberdade. A justiça, os supervisores financeiros e os deputados a tentarem, ao mesmo tempo, descobrir o que se passou. O colapso do BES e a criação do Novo Banco foi um dos casos mais polémicos e marcantes do ano de 2014

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Puf! Quase de um momento para o outro, um dos maiores bancos nacionais desapareceu. E, com ele, o proclamado Dono Disto Tudo. A imagem, ainda que apenas mental, do maior banqueiro e herdeiro de uma das famílias mais poderosas do país a ser detido e a ter de pagar 3 milhões de euros pela sua liberdade é, certamente, um dos momentos mais marcantes do ano.


 
O impacto do colapso do BES não terminou, no entanto, naquele dia 3 de agosto, quando o Banco de Portugal criou, literalmente, um Novo Banco. As contas podem ter uma nova imagem - de uma borboleta, tão efémera como o banco que em breve será vendido -, o buraco pode ter sido tapado com o fundo de resolução e os processos podem continuar - tanto no supervisor como nos tribunais -, mas o caso BES/GES ainda promete dar muito que falar em 2015.
 
Como se explica, então, que o BES tenha chegado aqui, aparentemente tão depressa? Na verdade, os primeiros sinais remontam ao ano passado e à guerra para a sucessão de Ricardo Salgado, tendo José Maria Ricciardi como protagonista. Na altura, poderia parecer apenas uma zanga entre primos, mas 2014 veio mostrar que já seriam os problemas financeiros do grupo a ditar o conflito.
 
Logo em fevereiro, o alerta veio do balanço das contas: 517,6 milhões de euros de prejuízo no banco. Enquanto o Banco de Portugal tentava forçar a reestruturação de todo o Grupo Espírito Santo, o BES avançava na mesma para um aumento de capital. O problema é que, entretanto, foram reveladas publicamente pela primeira vez as irregularidades nas contas da Espírito Santo Internacional.


 
Sabe-se hoje que mais de 1,2 mil milhões de euros estavam «desaparecidos» do passivo da ESI, mas ainda está por esclarecer quem, além do ex-contabilista do GES, Francisco Machado da Cruz, participou, ordenou ou teve conhecimento desse «buraco». Nessa altura, Ricardo Salgado disse publicamente, numa entrevista ao «Jornal de Negócios», que não se demitiria. Mais tarde, na comissão de inquérito parlamentar, o governador do Banco de Portugal garantiu que fez um «cerco» ao presidente do BES para que este se afastasse, mas Salgado continua a contar outra versão, assegurando que nunca sentiu um sinal que fosse desta vontade de Carlos Costa.
 
Tanto o Governo como o Banco de Portugal asseguraram que, nesta altura, tudo o que se conhecia eram os problemas no GES e que todas as garantias de Salgado apontavam para que o banco estivesse protegido destes. A exposição do BES ao grupo, no entanto, foi, como já se disse no Parlamento, «um baralho de cartas», agravado ainda pelos empréstimos ao BES de Angola, que nesta altura já se sabia serem de mais de 3 mil milhões de euros.
 
A negociação das novas ações, após o aumento de capital, foram sol de pouca dura. Perante as notícias da saída iminente do presidente do BES, as ações foram suspensas e surgiu na imprensa o nome preferencial de Salgado para o substituir: Amílcar Morais Pires, até então administrador financeiro do BES e conhecido braço-direito de Ricardo Salgado. Terá sido precisamente esta proximidade com Salgado que atrasou o processo de sucessão, até à escolha final, que recaiu, afinal, sobre Vítor Bento.


 
Durante estas semanas de incerteza na liderança do banco, tanto o governador Carlos Costa como o primeiro-ministro fizeram as primeiras declarações a acalmar os depositantes do BES. Ambos garantem agora que, de acordo com as informações que tinham na altura, ainda nada fazia crer o que iria acontecer ao banco.
 
Já com Vítor Bento à frente do BES, uma sucessão de eventos, tanto em Portugal como no Luxemburgo (onde decorriam processos com outras empresas do GES), apertou o cerco o Grupo, culminando com as buscas à sede e a detenção de Ricardo Salgado, no âmbito da operação Monte Branco. O banqueiro foi ouvido pelo juiz Carlos Alexandre e deixou o tribunal acusado de burla, falsificação de documentos e branqueamento de capitais e abuso de confiança. E, para o fazer, pagou 3 milhões de euros de caução.

Ao mesmo tempo, ficou a saber-se que a PT investiu 900 milhões de euros na Rioforte e começou a desencadear-se em paralelo uma crise na empresa de telecomunicações, que veio a culminar nas saídas de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava e na venda da PT aos franceses da Altice.
 
Voltando ao BES, e já depois de até Cavaco Silva ter mostrado confiança no banco, numa semana, tudo se apressou radicalmente. A 28 de julho, ainda o Banco de Portugal estaria a ponderar uma recapitalização privada, e a notícia do «Expresso» caiu que nem uma bomba: vinham aí prejuízos recorde. No dia seguinte, e depois do mesmo ter acontecido com ESI e Rioforte, é aceite o pedido de gestão controlada da ESFG no Luxemburgo. Todo o Grupo estava em causa. A 30 de julho, não havia como fugir aos prejuízos de 3,6 mil milhões de euros só do BES. A derrocada das ações e, sabe-se agora, o «ultimato» do Banco Central Europeu levaram Carlos Costa e o Governo a agir depressa.
 
De quinta a domingo, alterou-se uma lei para permitir a decisão que ambos consideram a melhor possível: a medida de resolução. Era o fim do BES e o início do Novo Banco, com uma injeção de capital de quase 5 mil milhões de euros. Pelo meio, muitos pequenos e grandes investidores ficaram sem nada. Outros, sob uma suspeita até de fuga de informação, conseguiram desfazer-se dos seus ativos tóxicos a tempo.


 
Três meses depois do colapso, e já depois da saída atribulada de Vítor Bento, começou a comissão de inquérito ao caso no Parlamento. Quando ainda falta ouvir cerca de uma centena de envolvidos, e sabendo-se que os principais protagonistas até serão chamados de novo, pouco ou nada se avançou no apuramento de responsabilidades, uma vez que todos «empurram» as culpas de uns para os outros.
 
Para além dessas responsabilidades, venham a ser elas apuradas pelos deputados, pelos supervisores ou pelos tribunais, importa ainda saber quanto vai custar este colapso aos bolsos dos portugueses. O Governo já se desmentiu nestas contas várias vezes e a oposição continua a não acreditar que, a longo prazo, serão os bancos a pagar uma crise do próprio sistema. De qualquer forma, já não será em 2014 que poderemos responder a essa pergunta.
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