Um balanço da Web Summit com e para além da tecnologia - TVI

Um balanço da Web Summit com e para além da tecnologia

Quatro dias intensos a respirar digital, transpirar ideias, beber inputs, trocar cartões. Quatro dias a refletir sobre a transformação diária do mundo em que vivemos e em como a tecnologia pode salvar e matar. Tirar partido dela e vivê-la bem está nas nossas mãos

Até cerveja à borla há na última hora. Brindes – de preservativos a paçoca ou café servido por um astronauta – isso foi todos os dias. Os empreendedores sabem como chamar a atenção, entre os milhares de participantes que fizeram quilómetros da Altice Arena para os quatro pavilhões e vice-versa, varrendo todo o Parque das Nações também para almoços e jantares. Respira-se tecnologia, transpira-se ideias, bebem-se inputs, trocam-se cartões. Tudo num ambiente informal, com o seu quê de corporativo. Afinal, estão ali todos à procura de investidores e de contactos.

Portugueses também cumprimentam portugueses em inglês, a língua oficial da Web Summit. É impossível assistir a tudo. Tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo. Há várias conferências e pitch em simultâneo, conversas pelas startups estreantes juntinhas em bancas de cortiça, dois dedos de conversa pelos corredores largos e apinhados mesmo assim, ou nos stands de empresas já reconhecidas no mercado.

Vamos cruzando os 105 mil metros quadrados (Altice Arena, quatro pavilhões da FIL e espaços exteriores entre eles) de trás para a frente. Inovação em todo o lado. Mas o cheiro persistente a waffles abre o apetite. Não há constrangimentos em fazer entrevistas com um na mão. Apanhamos nesse momento um grupo dos cerca de 500 voluntários, sempre solícitos. Motivação em alta, fotografia no final. Vamos todos à nossa vida, que aqui no fundo estamos todos a trabalhar.

Mas mesmo os ávidos de tecnologia precisam dos seus momentos de pausa, num Horto do Campo Grande improvisado, sentados na relva – verdadeira! -, ou num cantinho que é um café. Também anda alguém vestido de astronauta a dar expressos pelo caminho. Um soldado britânico não põe a malta em ordem, mas dá nas vistas. Discretamente, ainda meio ao longe, olha para os cartões com os nossos nomes e cumprimenta-nos como se nos conhecesse. Parece um robô a falar, um dos amigos de Sophia que por aqui andam este ano. De início, ainda nos deixa na dúvida. É que no mundo digital, às vezes parece que é mesmo tudo ficção. Quando muito de um outro mundo.

Lusa

Olá, mundo real

Só que num estalar de dedos voltamos ao mundo real, ganhando consciência de que as aplicações, os produtos, as funcionalidades, tudo é criado para facilitar a nossa vida de todos os dias. A tecnologia ajuda-nos a resolver problemas, ou simplesmente é capaz de nos surpreender. Até para contratar uma empregada de limpeza ou descobrir aquele livro especial para uma criança é possível recorrer a uma app. “My Magic Story” e a “Wegho” são duas startups que espelham isto bem.

Vinda de Barcelona, a primeira faz livros em papel e/ou digitais personalizados para os miúdos. Traduzidos em 14 línguas, do espanhol ao inglês ao russo ou ao japonês. Começam nos seis euros e vão até aos 27 €. Ainda não chegou a Portugal. O Brasil é o mercado de língua portuguesa mais aliciante. Depois de estarem lá, mais facilmente chegam aqui.

Já a Wegho é uma marca nacional dedicada, lá está, a limpezas, mas também a reparações, personal training e baby sitting. Quatro tipos de serviço, tudo através da mesma aplicação. Houve “muita dificuldade” em contratar pessoas a recibos verdes e que fossem de confiança, para as limpezas. “O nosso rating baixou e, por isso, passaram a ter uma equipa interna de 40 pessoas”.

Avaliados constantemente pelos utilizadores, não querem dar margem a falhas. "Temos 2.500 clientes registados. Obtivemos agora um investimento de 1,7 milhões de euros. Devemos faturar 500 mil euros este ano e queremos passar 1 milhão em 2019. Queremos expandir para Espanha”.

Falam com entusiasmo dos números e das perspetivas. O Porto foi o berço, o bebé cresceu e conheceu Lisboa. O núcleo duro tem cerca de dez pessoas, com formação em áreas como a gestão, web design e marketing.

Ideias, sempre novas ideias

Não está tudo feito. A prova é que se apresentaram centenas de ideias de negócio, produtos, aplicações. Nem todas poderão sair do papel – perdoem, do computador -, mas entusiasmo é a palavra de ordem. Pessoas intrinsecamente motivadas, que se sabem vender e o que aqui trazem. Ideias para alguns à frente de mais para serem postas em práticas ou ganharem rentabilidade. Outras que já estão a marcar passo.

Descobrimos por estes dias algumas startups portuguesas, europeias e brasileiras, nenhuma com mais de quatro anos de existência. A maioria até menos. Procuram financiamento ou estão já no mercado e querem expandir-se, ou estão apenas a testar.

Veja aqui:

Estaremos viciados na tecnologia?

Lusa

Perante isto, a pergunta impõe-se. Um dos últimos painéis no palco principal debate precisamente se a tecnologia é ou pode ser um vício.

Quem nunca se sentiu um zombie ou olha para os outros na rua como tal, sempre de telemóvel na mão? Quem nunca esteve grande parte (a maior parte até) do tempo de um jantar a olhar recorrentemente para o visor ou a responder a mensagens? Dame Til Wykes, da universidade Kings College London, desdramatiza.

Não tenho a certeza que seja tech addiction (…) Se fosse como o álcool deveria haver regulação (…) Poucas pessoas sentem consequências muito negativas do uso da net. O impacto mental negativo da tecnologia está muitas vezes associado a problemas como ansiedade, depressão, comportamentos obsessivo-compulsivos”.

Para além de que, defende, há o self management, a autogestão, o autocontrolo. “Devemos ser responsáveis pela nossa saúde mental e uma aplicação também pode ajudar a promover isso, com segurança na privacidade. Os dados até podem ser partilhados e isso até poderá ser útil, mas é preciso que seja transparente. Quando o utilizador faz download, tem de ter essa informação: e dará o seu acordo se souber que tipos de dados são partilhados, se compreender o que está em causa”.

Claro que há aplicações que nos dizem quanto tempo passamos no smartphone ou no tablet. Damos por nós assustados. Alguns de nós, pelo menos.

Michael Acton Smith, da Calm, empresa que se dedica a técnicas de meditação e para reduzir o stress, defende que é tudo uma questão de educação. Desde cedo.

Há muitas mais vantagens, benefícios em usar. Ensinemos os miúdos a usar a tecnologia. A atenção é um valioso ativo na sociedade”.

Seja quando estamos a jogar, seja quando estamos a jantar frente a frente com alguém que merece a nossa presença a sério, o nosso envolvimento.

Os oradores destacam a responsabilidade dos developers, quem desenvolve softwares. “Têm a missão de tornar o mundo mais saudável e um lugar feliz”.

De malas e bagagens para Lisboa

Lusa

A cara desta cimeira tecnológica, o co-fundador Paddy Cosgrave, tem sempre um sorriso na cara e acredita piamente nos benefícios da tecnologia e da transformação digital. Fica “mesmo contente” de Lisboa ser a casa da Web Summit nos próximos dez anos. Também ele se vai mudar de malas e bagagens para a capital portuguesa.

Posso dizer que vamos expandir os nossos escritórios em Lisboa. A minha mulher disse-me ontem à noite que nos vamos mudar para Lisboa. Acho que a decisão já foi tomada”, anunciou aos jornalistas na conferência de imprensa da despedida da edição deste ano.

Não é o único. Outros empreendedores também o fizeram. Nele, nota-se que se sente bem recebido por cá. O primeiro-ministro e o presidente da câmara de Lisboa marcaram presença na abertura da cimeira, outros políticos e empresários também passaram por aqui. Na hora da despedida – temporária que para o ano há mais, e até 2028 – Cosgrave chama pelo Presidente da República em tom elogioso, fazendo vénia a Portugal.

Tudo nas nossas mãos

Lusa

Marcelo Rebelo de Sousa entra e é aplaudido como se estivesse a apresentar uma aplicação revolucionária. “We did it, we did it, we did it”, começa por dizer. Fala sempre em inglês para o mar de gente que abarrota a grande bolha que é a Altice Arena. “Façam a revolução digital, mas não se esqueçam do resto da sociedade, como os refugiados”. “O digital é liberdade, abre economias e sociedades e o mundo está a fazer o oposto”.

Durante os quatro dias, insistiu-se muito nessa e noutras reflexões. Com passado, presente e futuro: dos ciberataques que podem matar, do terrorismo, da tão necessária paz digital à tecnologia sustentável, à tecnologia no desporto, à inteligência artificial, à privacidade dos dados, a como a inovação pode melhorar a mobilidade, as nossas casas, estreitar laços em vez de os perdermos.

Setenta mil pessoas ouviram aqui os apelos, que ganharam eco para o mundo através das redes sociais e dos média. Até bebés de colo tiveram lugar marcado na Web Summit. O digital dá-lhes a possibilidade de verem tudo um dia. O que se debateu aqui não é só para as novas gerações, é para as pessoas de hoje. Agora.

Saímos da maior cimeira tecnológica para o mundo lembrados de que somos humanos e de que o poder da palavra e das ações está sempre, sempre, do nosso lado. E agora é tempo de mais uma Night Summit, que a vida não é só trabalho.

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