O talento pede asilo e a Bundesliga está a dar - TVI

O talento pede asilo e a Bundesliga está a dar

Ousman Manneh

Futebol europeu tem dado apoio a refugiados e eles já chegaram a uma grande Liga

O talento também pede asilo. Refugia-se, foge da guerra e da fome. Da miséria. E procura humanidade. Encontrou-a no corpo de Ousman Manneh, um rapaz de 19 anos que que está a dar ao talento o sonho de competir ao mais alto nível.

Refugiado, proveniente da Gâmbia, apontou o primeiro golo na Bundesliga neste fim de semana e provou mais uma vez que também o talento não escolhe cor, raça ou nacionalidade, mas que precisa sempre de uma oportunidade para se mostrar.

E a Bundesliga está a dá-las.

Em 1992, a Europa unida ainda era a 15. Nessa altura, e com o conflito na antiga Jugoslávia, os pedidos de asilo de pessoas com nacionalidade extracomunitária foram mais de 672 mil na União Europeia (UE). Em 2001, 424 mil entregaram requerimento para o efeito, mas em 2006, numa UE a 27, as candidaturas desceram para 200 mil, de acordo com o Eurostat.

Crianças migrantes jogam em Berlim, em frente a uma tenda que acolhe requerentes de asilo

Quase dez anos depois, os números subiram em flecha. Em 2013, 431 mil pedidos. Em 2014, 627 mil. E em 2015, 1,3 milhões de pessoas sem passaporte de um dos 28 estados-membro requereram asilo. O pico de 1992 foi duplicado no ano passado. Em 2015, Portugal teve 830 pedidos. Ou seja, 440 970 a menos que a Alemanha.

Um desses 441 800 refugiados que os germânicos receberam era Bakery Jatta, agora com 18 anos.

«Cresci sem pais e tinha muito más condições em África. Sabia que tinha de aproveitar esta perigosa e arriscada forma de escapar, se queria ter uma hipótese no meu futuro. Corri muitos riscos, foi um momento difícil».

Quando chegou, há um ano, Jatta foi integrado na Akademie von Lothar Kannenberg, de um antigo pugilista. Deu nas vistas a jogar à bola e Kanennberg tinha alguns contactos futebolísticos.

A academia fica entre Bremen e Hamburgo e as duas cidades têm clubes na Erste Bundesliga: Jatta foi treinar ao primeiro, mas foi o rival Hamburgo que o contratou.

Era menor na altura e o HSV esperou cinco meses para garantir que fazia parte do clube. Quando fez 18 anos, assinou e, numa entrevista ao site do Hamburgo, contou: «Lá [em África] não joguei num clube. Não existia. Ao fim de semana, por vezes, poderia integrar um estágio que era supervisionado. Mas de resto, estávamos por nós próprios. Jogámos na rua, o que também nos ensinou coisas.»

Bakery Jatta no primeiro treino que fez pelo Hamburgo

O caso de Bakery Jatta foi mediático, mas em Bremen, curiosamente, já havia um compatriota nas mesmas condições.

Ousman Manneh fugiu da Gâmbia e chegou à Alemanha um ano antes, com a idade de 17. Morou numa casa para refugiados em Bremen e começou a jogar futebol no Blumenthaler SV.

O Werder recrutou-o e numa sequência de eventos Manneh tornou-se no primeiro jogador da Gâmbia a marcar num jogo de Bundesliga.

Quando o treinador Viktor Skrypnyk foi despedido, em setembro deste ano, Alexander Nouri era o responsável pela equipa B, onde estava Manneh.

O antigo jogador de origem iraniana assumiu o plantel principal e chamou o gambiano à equipa em todos os jogos que orientou.

Ao quarto encontro consecutivo no campeonato Ousman realizou parte do sonho.

Ousman Manneh celebra golo pelo Werder Bremen; pela primeira vez na História, um jogador da Gâmbia marcou na Bundesliga

«Sim, sei que sou o primeiro jogador da Gâmbia a marcar na Bundesliga e isso deixa-me orgulhoso.  Estou surpreendido de como tudo tem acontecido. Tenho mesmo de agradecer ao treinador Nouri por acreditar em mim e me ter dado a oportunidade de jogar num grande palco. Tenho de agradecer ao clube todo o apoio que me tem dado também.»

Na Europa, conforme dá conta a Fare, o futebol tem criado várias iniciativas de apoio aos refugiados. Em Portugal, a parte mais visível foi a recolha de alimentos do Sp. Braga.

Os números de refugiados entre cá e a Alemanha são absurdamente díspares e, com um problema de integração para resolver, os germânicos perceberam que o desporto e o futebol em particular faziam parte da solução.

A Bundesliga Foundation criou um programa nacional «Willkommen im Fussball» (Bem-vindo ao futebol) que ajuda a estabelecer alianças entre clubes amadores e profissionais: Dortmund, e o Borussia, por exemplo são um dos 20 locais que isso acontence. Até aos 27 anos, os refugiados têm acesso a uma série de atividades, desde treinos de futebol a cursos de Língua.

Os alemães foram mais longe ainda.

A federação do país lançou uma iniciativa que permite o desenvolvimento e criação de clubes locais através de um programa subsidiado. Um emblema pode candidatar-se a receber um montante para iniciar um projeto local, para encontrar uma equipa ou oferecer treinos a refugiados. Desde que se iniciou a meio da época passada, mais de 800 clubes aderiram.

O St. Pauli decidiu fazer diferente e oficializou o apoio. Uniu-se a uma equipa de refugiados. Chamam-se FC Lampedusa Hamburgo, em homenagem à cidade alemã que dá morada ao clube e à ilha siciliana que fica numa das principais rotas de entrada de migrantes na Europa e onde milhares deles já morreram. 

Em julho, o FC Lampedusa Hamburgo tornou-se oficialmente parte do St. Pauli e foi reconhecido no Millerntor-Stadion. 

É graças a iniciativas como esta que a Bundesliga tem uma potencial estrela em Ousman Manneh e outra em lista de espera em Bakery Jatta.

«O meu sonho é tornar-me uma máquina de golos como Robert Lewandowski ou Pierre-Emerick Aubameyang», disse Manneh.

O talento que ele tem podia ter-se perdido. Em África ou até mesmo na Europa.

Felizmente, a Bundesliga estava a ver.

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