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Rui Costa e o desequilíbrio aqui e lá fora: «A tendência é para o fosso aumentar»

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Grande entrevista nos 20 anos do Maisfutebol

5 de junho de 2000. Na verdade, já era quase dia 6 quando o Maisfutebol finalmente nasceu. Começava uma grande aventura e no princípio estava Rui Costa. O então jogador da Fiorentina e da seleção nacional, de partida para jogar o Euro 2000, fazia manchete nesse primeiro dia, com uma entrevista que já então foi feita também em vídeo. 20 anos mais tarde, Rui Costa volta a associar-se a este momento especial, ele que foi protagonista e espectador privilegiado destas duas décadas, como jogador e como dirigente. Uma grande entrevista, aqui com o olhar de Rui Costa sobre os crescentes desequilíbrios, por cá e lá fora.

- Quando o Maisfutebol nasce, o Sporting acaba de ser campeão. No ano seguinte é o Boavista. Em 2002, de novo o Sporting. Três anos sem que FC Porto ou Benfica sejam campeões, o que hoje é algo praticamente impensável. Tendo em atenção também que em 2004 o FC Porto foi a última equipa fora do top 4 a ganhar a Liga dos Campeões, a pergunta é dupla. FC Porto e Benfica nestes anos seguintes distanciaram-se tanto da concorrência como a concorrência europeia se distanciou do topo do futebol português?

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- Sim. Houve aqui uma luta entre Benfica e FC Porto que fez com que os patamares das duas equipas subissem disparadamente, e que disputassem os títulos que têm vindo a disputar. Criou-se um fosso em relação aos demais, sendo que o Sporting não deixa nunca de estar incluído na luta pelo título, ou de partir a pensar no título. Mas houve sobretudo aqui uma série de anos em que o Benfica e o FC Porto distanciaram-se realmente dos demais em termos qualitativos, de investimento, de tudo o resto, que depois permitia que os dois disputassem os títulos que acabaram por disputar até hoje.

- E em termos europeus nunca uma equipa fora do top 4 voltou a ganhar uma Champions, como em 2004. Porquê?

- Foi um ano atípico. Não tirando o mérito ao FC Porto, como é óbvio, foi campeão europeu e foi bem. Mas foi um ano atípico: há um Milan que é campeão da Europa, que ganha 4-1 em casa ao Deportivo da Corunha e vai perder à Corunha por 4-0. o Real Madrid que perde com o Mónaco, salvo erro, 3-1 no Mónaco. Lembro-me até, curiosamente, de estarmos na Corunha na véspera do nosso jogo, vermos o Real Madrid eliminado, olharmos à volta e dizemos: «Já lá estamos outra vez.» Porque era o grande rival naquela altura e acreditámos piamente que íamos ser campeões europeus em dois anos seguidos. Depois acabámos por perder com o Deportivo, que depois perde com o FC Porto, que acaba por ser campeão europeu. Foge um bocado à regra do que é a Liga dos Campeões de hoje.

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- Dá a sensação é que hoje, em 2020, é bem mais difícil acontecer.

- Tenho dito isso muitas vezes. Enquanto benfiquista e pessoa do futebol, não posso deixar de ambicionar lutar por essas competições. O que considero é que o futebol português hoje tem mais dificuldade do que há uns anos em chegar a uma final da Liga dos Campeões. Porquê? Porque esse fosso que foi criado entre os mais poderosos dos países poderosos, em termos de budgets, em termos financeiros, é elevadíssimo. E depois outra coisa que conjuga aí, que é: nós hoje não temos uma equipa de Espanha, uma de Inglaterra, uma da Alemanha e uma de Itália. Temos quatro de cada, um PSG da vida, um Mónaco da vida quando está bem… Todas elas, em termos de poderio financeiro e de poderio de Liga a contratar jogadores, que essa é outra parte importante. Claro que o Benfica pode ombrear com todos os clubes em termos de história. Pode ombrear com todos os clubes do mundo em termos de estádio, de condições. A própria Liga portuguesa é que não consegue ombrear com a Liga inglesa, com a espanhola, com a alemã, com a francesa, com a italiana.

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- Não só há mais equipas fortes a fazer concorrência como as diferenças se acentuaram, é isso?

- É natural que os jogadores de top prefiram estar nestas Ligas. Portanto, nós temos de combater tudo isto e para chegar lá temos de derrubar o triplo das equipas de há dez anos. Para dar um exemplo claro. Eu fui campeão da Europa em 2003 com o Milan. Não havia Chelsea, não havia Manchester City, não havia PSG, nada disso. Estás a ver um PSG, um Manchester City, com os investimentos que têm, com os jogadores que têm em termos internacionais, e ainda nem sequer esses lá chegaram. Não quer dizer que isso me derrote e não lute para fazer sempre mais e melhor em termos europeus, mas temos que ter todos a consciência que enquanto esse fosso for aumentando, cada vez mais fica mais difícil para países como os nossos lutar por competições desse género. E não é só por uma questão de verbas. É pela importância que tu tens a jogar numa Liga com a inglesa ou a espanhola, neste momento. E depois outra coisa, que são os tais ritmos competitivos que esses campeonatos têm e o teu não tem. Com todo o respeito por todos os clubes que representam o campeonato nacional, mas a verdade é esta.

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- Vês alguma maneira de haver maior equilíbrio competitivo geral, quer em Portugal quer lá fora?

- Se continuarmos assim os topos vão-se distanciar cada vez mais. Por isso a ideia de se arranjar a tal Liga europeia, e por aí fora, surge um bocado por isso mesmo. Nós temos variadíssimos clubes em Portugal e não ponho só o Benfica e o FC Porto neste caso, e o Sporting, que podiam ter condições para subir e para termos uma Liga cada vez mais forte. Mas para isso temos de entrar nos mercados internacionais. Enquanto não conseguirmos entrar nos mercados internacionais… Somos pouco apreciados enquanto campeonato lá fora. Porque eu vejo muita qualidade no jogador português, está mais do que provado, e na montagem dos clubes em Portugal, relativamente a outros países. Fazemos um bom trabalho em termos de Portugal em relação a isso. Temos os melhores treinadores do mundo, temos os melhores jogadores do mundo, temos o melhor jogador do mundo. Não é por falta disso que nós portugueses não temos uma Liga à dimensão da inglesa ou da espanhola. Agora, basta ver que o último classificado de Inglaterra se calhar tem mais orçamento do que o primeiro de Portugal. É muito difícil.

- Nestes 20 anos do Maisfutebol, o futebol português é muito forte em termos de presença em finais europeias. O FC Porto tem três títulos, o Benfica esteve em duas finais, o Sporting e o Sp. Braga têm finais. Mas é só até há seis/sete anos. A tendência é para essa realidade já ser passado?

- Todo o país do futebol tem de parar para pensar o que é que podemos fazer para que este fosso não aumente cada vez mais. Porque, caso contrário, vai começar a ser cada vez mais difícil estarmos nas competições até ao fim. Pode haver um ano sem exceção. A crítica fala, justamente, do feito do Ajax do ano passado. Mas o Ajax esteve não sei quantos anos sem passar a fase de grupos da Liga dos Campeões. Eu comparo muito o nosso futebol com o holandês. Dá frutos todos os anos, jogadores para os grandes campeonatos, todos os anos, do melhor que há por aí, mas em termos de potencial de Liga não consegue ombrear com os outros países. Volta que não volta aparece um outsider, mas não é uma coisa regular, não é normal. Nos últimos dez anos quantas equipas chegaram sequer às meias-finais da Liga dos Campeões? São poucas. Não é uma panóplia de equipas que nos mostre que é possível a todos. É a pura realidade.

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