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Uma seleção à imagem do treinador que nunca se conforma

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Paulo Pereira quer sempre mais, a equipa portuguesa de andebol ganhou os vícios do seu líder

«Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.»

Poucos não conhecerão a frase, ainda que possam não saber que foi Goethe quem a eternizou.

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Recorremos ao escritor alemão que viveu entre os séculos XVIII e XIX para falar de uma relação que tem dado frutos: a de Paulo Jorge Pereira com a seleção portuguesa de andebol.

Mas só podemos perceber o quanto tem do selecionador a equipa que tem encantado a Europa do andebol se conhecermos a história do treinador de 54 anos.

Foi disso que fomos em busca em Malmo, onde Portugal continua a sonhar com o (difícil) apuramento para as meias finais do Europeu, tarefa para a qual tem uma cartada decisiva nesta terça-feira, frente à Eslovénia.

E aquilo que encontrámos foi o inconformismo em pessoa.

Paulo Jorge Pereira tem construído a carreira sempre com a ambição de fazer mais. De alcançar o que nunca foi conseguido. E conseguiu incutir essa mentalidade na equipa que lidera.

Provas? Não precisamos de recuar muito. Aliás, recusamo-nos a olhar para lá deste mês de janeiro. E elas saltam-nos bem à vista.

A última das quais traduziu-se numa vitória por 10 golos de diferença sobre a Suécia, vice-campeã da Europa, na sua própria casa. Nada mau, convenhamos.

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Mas quem é afinal Paulo Jorge Pereira e onde andou até tornar a seleção portuguesa na maior revelação do Europeu de andebol?

Uma rotina? Sair da zona de conforto

O selecionador nacional é licenciado em Educação Física e mestre em Alto-rendimento desportivo.

E foi no início do século que nome de Paulo Jorge Pereira começou a ser mais conhecido no andebol nacional, quando se tornou treinador adjunto do FC Porto, cargo que ocupou durante quatro anos, até assumir ele próprio a equipa que conduziu logo no primeiro ano ao título nacional.

Só que após três anos nos dragões, e sem consegui cumprir o desejo que tinha de se dedicar exclusivamente ao andebol – exercia também como professor -, Paulo Jorge Pereira deixou os azuis e brancos.

Seria em Espanha que o sonho se começaria a cumprir, ao serviço do Cangas, em Ponte Vedra. Uma decisão que lhe custou alguns sacrifícios.

«Foi um risco que corri porque achava que precisava de fazer isso. Era casado e tinha dois filhos, passámos um bocado mal em alguns momentos. Mas. hoje, não estou nada arrependido», assegura em conversa com o Maisfutebol e a TVI, em Malmo, na véspera do jogo de Portugal com a Eslovénia.

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Paulo Pereira não se arrepende porque defende que não vale a pena ficar à espera que as coisas caiam no colo. Há que ir atrás dos sonhos. Foi isso que ele fez.

«Acredito mesmo que quando queremos muito uma coisa, mesmo erremos, temos de seguir em frente. Só assim vamos acabar por conseguir lá chegar», acredita

Foi isso, aliás, que o fez deixar depois o clube espanhol: uma diferença de ambições. O que em nada beliscou a relação de quem nele apostou para a equipa espanhola.

De tal forma que seria mesmo o presidente do Cangas a abrir-lhe a porta seguinte, ao sugerir o nome de Paulo Jorge Pereira ao presidente da Federação Angolana de Andebol, durante o Mundial de 2009.

E mais uma vez, não houve qualquer hesitação da parte de do técnico, ou não estivesse em cima da mesa a possibilidade de treinar a maior potência do andebol feminino de África.

«Na altura, Angola já estava apurada para o Mundial e eu aceitei de imediato. Trabalhei quatro anos em Angola e foi espetacular», descreve.

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Ao segundo ano em solo angolano, Paulo Jorge Pereira começou a conciliar a seleção com o trabalho num clube: o 1.º de Agosto. E os resultados não demoraram a surgir.

«Conseguimos ganhar o primeiro título pelo clube que hoje é o melhor clube africano. Tive a sorte de poder participar um pouco nesse início, o que foi espetacular», recorda.

E se há quem defenda a impossibilidade de fazer duas coisas bem ao mesmo tempo, Paulo Jorge Pereira mostra que não é bem assim.

«Logo em 2010, ganhámos no Egipto o Campeonato Africano das Nações, o que foi fantástico.»

Com o continente africano rendido ao trabalho do português, após quatro anos em Angola, surgiu um convite da federação tunisina, ainda no andebol feminino.

«No CAN seguinte, a Tunísia ganhou à Angola, algo que nunca tinha conseguido fazer, e conquistámos o título para a Tunísia, num pavilhão com 14 mil adeptos a assistir à final, em Argel», lembra.

Conquistar a Europa… derrotando uma equipa portuguesa

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Após mais três anos na Tunísia – país onde além da seleção feminina, orientou a equipa masculina do Espérance de Túnis, Portugal voltou a chamar Paulo Jorge Pereira.

O desafio não era pequeno: devolver a seleção principal às grandes competições internacionais.

«Aceitei o desafio da seleção portuguesa e tem sido excelente poder participar naquilo que podemos pensar que o andebol português atingiu hoje. Eu sou apenas uma parte disso. Dei uma pequena ajuda, fazendo a minha parte», relativiza.

O selecionador assume que o cargo que lhe foi proposto «foi um grande desafio», mas que lhe deu «um prazer enorme.»

Na época passada, Paulo Jorge Pereira voltou a dividir-se em dois trabalhos para… multiplicar sucessos.

Além de concretizar o objetivo de qualificar Portugal para o Europeu, algo que não acontecia há 14 anos, o técnico conduziu os romenos do CSM Bucareste à conquista da Taça Challenge, a terceira competição europeia de clubes.

Curiosamente, Paulo Jorge Pereira começou a conquistar a Europa, vencendo uma equipa portuguesa na final, o Madeira SAD.

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Mais: fê-lo ao derrotar na final o treinador… que é o seu braço direito a seleção, o adjunto Paulo Fidalgo.

Como um sérvio a treinar hóquei em Portugal

Apesar de os bons resultados se terem tornado no cartão de visita de Paulo Jorge Pereira, o técnico lamente que a desconfiança continue a existir.

«Tudo aquilo que tenho ao longo da minha carreira, juntamente com as pessoas que me ajudam, porque trabalho em equipa, tem sido sempre arrancado a ferros», declara, explicando.

«Em Angola, conquistámos o primeiro título para o 1.º de Agosto; na Tunísia foi mesmo tudo arrancado a ferros; agora com Portugal fui o primeiro português a conseguir o apuramento para uma fase final de um Europeu, e não tem corrido mal», aponta, não se conformando.

«Felizmente, tenho tido sucesso por onde tenho passado, mas tem sido sempre com muito sacrifício. A ter de explicar a sempre o porquê de fazer as coisas de determinada forma», lamenta o técnico.

E para explicar melhor a resistência que tem sentido ao seu trabalho, Paulo Jorge Pereira dá um exemplo bem português.

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«Provavelmente, se eu fosse nórdico, não teria de explicar nada. Fazia e ninguém questionava, porque eu seria nórdico. Mas assim é como se tivéssemos um sérvio a treinar hóquei em Portugal. Iam perguntar-lhe: ‘oh sérvio, porque é que estás a fazer assim? Nós somos os melhores…’ Tem sido uma vida inteira a justificar o porquê de fazermos as coisas de determinada forma», reforça.

«‘Isto é mesmo à português’ é uma frase que me mata»

No que diz respeito à seleção nacional, o papel de Paulo Jorge Pereira é inquestionável.

A principal mudança, mais do que técnica ou tática, tem sido mental. O treinador fez com que os jogadores que orienta acreditem que as capacidades que têm são suficientes para derrotar os melhores.

A prova de que são mesmo, são os resultados. Que o diga a França e a Suécia, duas das maiores potências da modalidade, que foram derrotadas pela seleção lusa neste Europeu.

O caminho, contudo, aponta o treinador, está longe de ter chegado ao fim.

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«Poder participar nesta euforia que temos vivido recentemente no andebol português tem sido excecional, mas isto não pode acabar aqui. Temos de ter consciência de que isto é apenas o relançar de algo que já tivemos há uns anos», enaltece o treinador.

Ele que também dá a receita para que a revolução em marcha não cesse.

«É preciso ter mais compromisso e dedicação. É necessário ter uma mentalidade diferente. Porque temos de perceber que para andar aqui no meio desta gente [melhores equipas do mundo], temos de ser realmente diferentes para melhor em todos os sentidos», detalha.

Um dos principais trabalhos tem que ver com o conformismo que tantas vezes caracteriza o povo português.

«Temos de acreditar naquilo que podemos fazer. Uma das razões pelas quais às vezes não chegamos é porque achamos logo à partida que não vamos conseguir. E mesmo quando temos algum desaire, pensamos logo nas coisas negativas que sabemos que temos. Aquela história do ‘é mesmo à português’. Essa frase mata-me logo! Eu sou português e não sou assim», declara de dedo em riste.

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Isso, garante Paulo Jorge Pereira, é uma dificuldade constante.

«Às vezes passo mais tempo a tentar convencer do que a falar do caminho que temos de trilhar para chegar a algum sítio interessante. Mas pouco a pouco tem-se tornado mais fácil», assegura, elogiando a inteligência dos jogadores que orienta.

Não é como chegar à lua... mas não é fácil

Com pelo menos mais dois jogos para fazer no Europeu, Portugal ambiciona tudo aquilo que ainda pode alcançar.

E isso pode significar a ida às meias finais, ou ao jogo de apuramento do 5.º e 6.º lugares. Qualquer dessas possibilidades significaria o cumprir do segundo objetivo traçado para esta competição: alcançar a melhor classificação de sempre, que é até à data o 7.º lugar, em 2000.

Para o selecionador nacional, importante é também continuar a sentir o apoio que vem de Portugal pelo percurso que a seleção tem feito.

«Oxalá toda a gente continue a orgulhar-se do que estamos a conquistar. As pessoas que não pensem que é fácil conseguir aquilo que estamos a fazer», diz, para imediatamente concretizar.

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«Também não quero que pensem que é uma coisa do outro mundo. Não é ir à Lua sem foguetão [risos], mas a este nível a exigência é máxima para que as coisas corram mesmo bem», esclarece.

Ao longo do Europeu, ‘sonho’ tem sido uma palavra repetida várias vezes pelo selecionador nacional. Por isso perguntamos-lhe: que sonho é esse?

«Se eu pudesse ir muito longe, ia. E ainda estamos a tempo disso. O que tenho dito aos jogadores é que nós ainda não fizemos o mais difícil nesta competição. Ainda falta fzer o mais difícil. Mas temos tido alguma intermitência no nosso rendimento, o que é normal: não estávamos cá há 14 anos», sublinha.

É neste ponto que voltamos ao velho Goethe.

Porque se quase todos já ouviram o tal «Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és», talvez poucos conheçam a sentença que se lhe segue: «Saiba eu com o que te ocupas e saberei também no que te poderás tornar.»

E estes rapazes têm-se ocupado de superar o que parece impossível. Sabemos lá nós no que se poderão tornar...

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