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Acontece aos melhores: loja vendeu, mas nunca entregou eletrodomésticos a dezenas de clientes

Durante meses, a Electro Neves exigiu o pagamento na totalidade de produtos que seriam entregues mais tarde. Clientes vieram a descobrir que ficaram sem os eletrodomésticos e sem o dinheiro, porque o dono da loja terá fugido para o Brasil

Jorge Loureiro é motorista de autocarros, em Lisboa. Apesar de ter nascido na capital, o grande sonho deste homem de 55 anos é viver em São Pedro do Sul, terra onde herdou uma casa do pai, que está a reconstruir e a preparar para passar a reforma.

Nos últimos meses, depois de reabilitar a cozinha, procurou equipá-la com eletrodomésticos comprados em Lisboa, onde ainda vive com a mulher.

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Andamos à procura, vamos comprando um hoje, outro amanhã, e andamos à procura de lojas onde seja mais barato, não é?", conta Lurdes Rodrigues à TVI.

Foi então que descobriram a Electro Neves, uma empresa com duas lojas físicas, uma em Campo de Ourique e outra em Alvalade, dois dos mais emblemáticos bairros da capital. Ora, foi precisamente pela proximidade e pelo preço ligeiramente mais barato, que Gonçalo Tavares Henriques também escolheu esta empresa para equipar a cozinha da casa que comprou no Meco, e para onde se mudou há poucos meses.

Era uma loja que ficava ao lado da minha antiga casa em Alvalade e, portanto, eu conhecia esta loja, sabia que ela existia."

No final de janeiro deste ano, já a viver no distrito de Setúbal, entrou em contacto com a Electro Neves, por telefone, para encomendar um forno e um microondas.

Falei com o senhor Carlos. O senhor prontamente enviou o NIB, paguei logo nesse mesmo dia"

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Jorge e Lurdes, apesar de terem comprado a máquina de lavar louça na loja física, também pagaram a 100%, assim que foram encomendar o produto. A estes clientes, os funcionários da loja garantiram que os eletrodomésticos seriam entregues numa data a agendar, alertando que a pandemia estava a atrasar as entregas.

Na primeira semana de março, eu pensei 'já deve ter passado um mês desde que comprámos a máquina'. Disse à minha esposa para ligar para lá, para ver se já tinham uma data de entrega", conta Jorge Loureiro à TVI.

Porém, do outro lado da linha ninguém atendeu, nem a Lurdes, nem a Gonçalo, que, na casa do Meco, também tentou contactar a loja várias vezes, no final de fevereiro, para saber dos eletrodomésticos que tinha pagado.

Nesse mesmo dia, eu dirigi-me à loja de Alvalade. Cheguei lá, estava tudo fechado, completamente", revela Lurdes Rodrigues, que ainda não consegue disfarçar a cara de espanto quando fala sobre o assunto.

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À distância, Gonçalo Tavares Henriques pediu à mãe que fosse à loja de Campo de Ourique perceber por que motivo não atendiam os telefones, nem respondiam às comunicações por e-mail.

Quando lá chegou, a loja estava vazia. Só tinha a placa a dizer Electro Neves. Perguntou à loja do lado se sabia, e a informação foi de que, no sábado anteior, a loja tinha sido esvaziada, durante o dia e noite", revela Gonçalo Tavares Henriques.

Jorge e Gonçalo, apesar de não se conhecerem, ficaram com a mesma impressão: iam ficar sem os eletrodomésticos, e sem o dinheiro que tinham entregado à Electro Neves. 

Hoje, estes dois homens, consideram que confiaram de mais, por terem pago os eletrodomésticos, na totalidade, antes da entrega. Porém, na altura não estranharam, uma vez que é prática comum entre os vendedores de aparelhos para o lar.

A própria lei, nomeadamente a fiscal, prevê a possibilida de haver pagamentos antes da entrega do bem. O que não é possível é exigirem o pagamento na totalidade e não passarem uma fatura, e muito menos o recibo", considera Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo.

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Ora, este foi o primeiro sinal de desconfiança de Gonçalo Tavares Henriques que, dois dias depois de fazer a transferência bancária para pagar os produtos, ligou para a loja a perguntar se o dinheiro tinha chegado à conta bancária.

Atendeu-me, novamente, o senhor Carlos, que disse que eu tinha de esperar pelos artigos e que, nessa altura, juntamente com a guia de transporte, iria receber a fatura-recibo."

O advogado Paulo Veiga e Moura considera que, por este motivo, pode estar em causa uma burla:

Se o senhor fez isto tudo, se ele sabia perfeitamente que estava a cobrar e que não ia emitir fatura porque também não ia entregar nenhum eletrodoméstico, então é uma burla, é prática de um crime, e deverá ser acusado criminalmente por isso."

No Portal da Queixa, existem mais de uma dezena de denúncias por burla em relação à Electro Neves. Algumas, apenas por um eletrodoméstico, outras por cozinhas inteiras no valor de milhares de euros. O esquema, sempre o mesmo: produtos pagos, nunca entregues aos clientes, em compras feitas tanto nas lojas de Campo de Ourique e Alvalade, como no site.

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A única forma de pressionar, se é que se consegue, é participar criminalmente contra a pessoa, contra o dono do estabelecimento. Se ele se sentir pressionado do ponto de vista criminal, naturalmente poderá ter a tentação de evitar qualquer julgamento, e reparar o mal que fez", considera Paulo Veiga e Moura.

Gonçalo Tavares Henriques já apresentou queixa à GNR, Jorge Loureiro está a ponderar fazê-lo à PSP. Desta forma, se algum dia o proprietário da loja for condenado, os lesados podem exigir uma indemnização. Porém, para que o valor seja pago é necessário que haja dinheiro ou capital para isso, o que não parece ser o caso.

A Electro Neves é o nome comercial de duas empresas. Uma delas, a Luz Ardente Unipessoal, Lda., propriedade de Carlos Rodrigues, senhor Carlos para os clientes, integra a lista de devedores às Finanças. A outra empresa, a Electro NevExpress Unipessoal, Lda., que já pertenceu à ex-mulher de Carlos Rodrigues, e que agora é propriedade de outra mulher, está a ser investigada pelo Ministério Público.

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A TVI tentou contactar Carlos Rodrigues, mas o telemóvel encontra-se desligado. Talvez, porque já não esteja no país. Os vizinhos, em Campo de Ourique e em Alvalade, dão como certa a fuga do homem para o Brasil.

Se era uma empresa, se a empresa já nem existe ou está fechada, se não se sabe do dono ou gerente, eu direi que estamos à espera de quê? Na verdade, só se houver um milagre e o homem aparecer para entregar aquilo que não conseguiu entregar até agora. Milagres não sei se serão possíveis, mas este vai ser difícil", conclui Paulo Veiga e Moura.

Jorge Loureiro perdeu cerca de 500 euros. Gonçalo perto 800, mas assume que são 1.600 euros, já que teve de voltar a comprar os eletrodomésticos, desta vez a uma empresa que só cobra no ato da entrega. Ambos são o reflexo de dezenas de famílias na zona da Grande Lisboa que, dia após dia, vão perdendo a esperança de recuperar ou o dinheiro ou os eletrodomésticos.

Agora, da Electro Neves, restam apenas os toldos, os painéis publicitários e um autocolante que faz lembrar outros lesadosdo: nestas lojas os pagamentos por Multibanco foram, no passado, feitos através do Banco Espírio Santo. Ironia do destino, por aqui também há lesados, e parece que vai continuar a haver: são os lesados da Electro Neves.

Às vezes, o imprevisto está onde menos se espera, por isso é que Acontece aos melhores. Se tem um problema que não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt.

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