Luís Filipe Vieira estava em dificuldades em 2009 e a estratégia escolhida para fugir à contestação chamou-se Jorge Jesus. O tempo voa e poucos se lembrarão que a 17 de junho desse ano, dois dias após oficializar a recandidatura à presidência do Benfica, Jesus tornou-se treinador das águias.
Poucos dias antes, os órgãos sociais do clube tinham-se demitido em bloco e provocado a antecipação das eleições. Passaram de outubro de para julho, Vieira escolheu Jesus e sobreviveu ao «tetra» do FC Porto (2006, 2007, 2008 e 2009).
O mundo girou, Jesus ganhou dez troféus em seis temporadas na Luz e saiu para Alvalade acusado de «traidor» e com um processo em tribunal levantado pelo Benfica. Na acusação lia-se que Jesus quebrara de forma unilateral o contrato e que oferecera «o modus operandi e a tecnologia, os técnicos, os métodos» ao Sporting. «Não há memória de uma traição desta dimensão».
Jesus esteve três anos no Sporting, passou ainda pela Arábia Saudita e pelo Brasil, para voltar agora à Luz. Fora da Luz ganhou uma Taça da Liga, uma Supertaça, um Brasileirão, uma Libertadores, um Carioca, uma Supercopa brasileira e uma Supertaça saudita.
Luís Filipe Vieira está em dificuldades e a estratégia escolhida para fugir à contestação chama-se Jorge Jesus. O FC Porto ganhou o segundo campeonato em três anos, há eleições agendadas para outubro e uma inversão radical no discurso oficial e oficioso do clube.
Já poucos se lembrarão que a 2 de junho, Vieira garantiu a continuidade de Bruno Lage no Benfica. Com ou sem o campeonato.
BENFICA E JESUS, CRONOLOGIA DE UMA RELAÇÃO:
. 15 de junho de 2009: Jesus é oficialmente anunciado como treinador do Benfica, depois de acabar em quinto lugar com o Sp. Braga a época 2008/09. Quique Flores é o homem que sai. «Jogadores vão jogar o dobro do ano passado», afirmou Jesus na apresentação.
. 12 de julho de 2009: primeiro teste de Jesus no Benfica acaba empatado a duas bolas. Foi contra os suíços do Sion, num jogo de pré-época.
. 16 de agosto de 2009: a estreia oficial acaba mal. Benfica e Marítimo empatam a uma bola na 1ª jornada da Liga 2009/10. No final, Jesus fala em «massacre» e Carlos Carvalhal em «felicidade».
. 9 de maio de 2010: Jesus e o Benfica são campeões nacionais. O treinador torna-se apenas no terceiro português a conseguir este feito ao serviço das águias, depois de Mário Wilson e Toni. «Mais difícil foi o primeiro», disse Jesus no dia da conquista. O tempo deu-lhe toda a razão e Jesus só em 2014 voltaria a ser campeão nacional com o Benfica.
. 7 de novembro de 2010: Jesus vive no Dragão uma das maiores humilhações de águia ao peito. Perde 5-0 contra o FC Porto de Villas-Boas e fica a dez pontos do rival de sempre. No final, Jesus lamentou a «super eficácia» do Porto e a «inspiração de Hulk».
. 5 de maio de 2011: o Benfica é eliminado da Liga Europa em Braga. Jesus fala em «pesadelo» e Luís Filipe Vieira pede «desculpa a todos os benfiquistas». Era o 17º jogo seguido do Benfica de JJ a sofrer golos.
. 4 de fevereiro de 2012: a frase é clara sobre a forma como Jesus olha para o mercado de transferência. Já há oito anos, o treinador garantia que ninguém entraria no Benfica sem o seu aval. «Aqui ou na China sou eu que escolho.»
. 22 de março de 2012: «O Sérgio [Conceição] vai dar treinador.» Jesus reencontrou o antigo pupilo em Felgueiras e elogiou-o. O atual treinador do FC Porto dava os primeiros passos na função, em Olhão. O jogo no Algarve acabou empatado a zero. Em 20/21 haverá reencontro, tudo indica.
. 15 de maio de 2012: Jesus venceu a Taça da Liga - um hábito na Luz -, mas sofreu na pele a primeira forma de contestação popular. A derrota no dérbi de Alvalade e o atraso para o FC Porto de Vítor Pereira deixaram o treinador numa posição fragilizada. Vieira segurou-o.
. 11 de maio de 2013: a noite provavelmente mais dura de Jesus no Benfica. Novamente no Dragão. Kelvin contraria as probabilidades, tabela com Liedson e remata para o 2-1 no clássico. Jesus ajoelha e desabafa. «A derrota deixa-nos profundamente sentidos.»
. 15 de maio de 2013: quatro dias depois do Dragão, a derrota na final da Liga Europa, contra o Chelsea. Jesus elogia «o jogo brilhante» do Benfica, mas admite que a derrota o leva «a pensar muita coisa» sobre o futuro. Vieira, uma vez mais, garantiu a continuidade do treinador.
. 26 de maio de 2013: é a fase mais turbulenta de JJ no Benfica. Perde o campeonato, perde a final da Liga Europa e perde a final da Taça de Portugal. No Jamor fica famoso o empurrão de Óscar Cardozo ao treinador e a tentativa de agressão ao treinador por parte de um adepto.
. 15 de janeiro de 2014: «Substituto de Matic na formação? Tinham de nascer dez vezes.» A frase simbolizou o desinteresse com que Jorge Jesus olharia para as camadas jovens do Benfica. Bernardo Silva seria uma das 'vítimas', ao não ter oportunidades e ao ser colocado nos treinos como lateral esquerdo. Esta estratégia de Jesus colidiria, um ano e meio mais tarde, com a política de Vieira para a aposta séria na Academia do Seixal.
. 20 de abril de 2014: quatro anos de espera, anos de contestação e, finalmente, o segundo campeonato de Jesus no Benfica. «Quando se trabalha com os melhores é mais fácil», disse o treinador depois da oficialização matemática do título. Sete pontos de vantagem sobre o Sporting e 13 sobre o FC Porto.
. 2 de janeiro de 2015: o ano arranca com Vieira a falar sobre a renovação de Jesus. Ou, na verdade, a falar pouco. «Disse que Jorge Jesus podia renovar mantendo as atuais condições. Ele entendeu que não era o momento, e eu respeito isso, por isso vamos falar no final da época.»
. 17 de maio de 2015: Jesus torna-se bicampeão nacional pelo Benfica. O 0-0 em Guimarães é suficiente para a festa, numa altura em que a relação com Vieira já conhecera melhores dias. «Era fundamental ganhar o 'bi', o Benfica já não o conseguia há 30 anos», disse o treinador.
. 29 de maio de 2015: ao campeonato, Jesus e o Benfica juntam a Taça da Liga. «Temos [JJ e Vieira] quatro dias para juntar ideias», afirmou o treinador depois da vitória sobre o Marítimo.
. 2 e 3 de junho de 2015: dias loucos entre a Luz e Alvalade. Num dia a reunião com Vieira a deixar tudo em aberto com o Benfica, no dia seguinte a certeza de que JJ já não fugiria ao Sporting e que Rui Vitória seria o sucessor na Luz. Começava aqui uma verdadeira batalha comunicacional entre as estruturas dos dois gigantes da capital.
. 4 de junho de 2015: o primeiro ataque a partir da Luz saiu por parte do diretor de comunicação à época. O dirigente falou de «ingratidão» e acusou-o de estar comprometido apenas com «o seu ego e conta bancária». No mesmo dia, Vieira dizia estar à procura de um treinador «sem medo de apostar em jovens».
. 9 de outubro de 2015: ataque forte de Vieira a Jesus. O presidente do Benfica falava do novo ciclo e de um novo treinador que reconhecia «a dimensão europeia do clube». «A mudança só foi possível porque temos um treinador corajoso [Rui Vitória].»
. 10 Novembro de 2015: o Benfica avançou para uma ação contra Jesus e exigiu o pagamento de 14 milhões ao ex-treinador. Em causa estaria a quebra antecipada de contrato e o roubo de informação interna no clube da Luz. O processo foi mesmo para tribunal, com Jesus a dizer que tinha de «defender a honra». Só em fevereiro de 2018 é que o Benfica e Jesus chegaram a acordo.