Futebol português pode não ser afinal o El Dorado que prometiam - TVI

Futebol português pode não ser afinal o El Dorado que prometiam

Programa Regressar

Regresso de jogadores emigrantes com mais de três anos no estrangeiro foi apresentado como uma grande oportunidade para os clubes, mas os benefícios fiscais podem ter um custo muito elevado: e quem perde serão os próprios jogadores. Saiba tudo.

O Orçamento do Estado para o ano de 2019 trazia uma surpresa para os emigrantes portugueses: a possibilidade de regressar a Portugal com benefícios fiscais.

A medida, que adquiriu o nome de Programa Regressar, não é exclusiva para jogadores ou treinadores de futebol, obviamente, sendo para todos os trabalhadores emigrantes portugueses, o que significa que também se aplica àqueles. Desde que preencham determinadas condicionantes.

O regresso a Portugal tem de acontecer em 2019 ou 2020, por exemplo, e os emigrantes têm que ter sido residentes fiscais em Portugal antes de 31 de dezembro de 2015: ou seja, não podem ter tido residência fiscal no nosso país nos últimos três anos, mas tiveram que a ter antes disso.

Se estas três condições se verificarem, o emigrante que regressar a Portugal em 2019 ou 2020 ganha o benefício de ficar com metade dos seus rendimentos do trabalho, por conta de outrem ou de recibos verdes, isentos de IRS por cinco anos.

Ou seja, não poupa apenas metade do que paga em IRS, fica, isso sim, com 50 por cento dos rendimentos isentos de IRS, pelo que com a descida de escalão o benefício pode ser até superior.

Ora este benefício concedido pelo Governo aos emigrantes desde janeiro foi anunciado como o detonador de um novo El Dorado para os jogadores portugueses há mais de três anos no estrangeiro, e até para alguns estrangeiros que passaram por Portugal e podiam voltar.

Afinal de contas, só iam pagar IRS sobre 50 por cento dos rendimentos, o que significa que os clubes portugueses lhes podiam oferecer salários competitivos sem ter de ficar às portas da bancarrota.

Seria, por isso, uma excelente oportunidade para todos: os jogadores podiam regressar com bons salários e os clubes podiam ter bons jogadores com uma despesa mais curta sobre o vencimento.

No entanto, alerta Ana Duarte, diretora de fiscalidade da PwC, as coisas podem não ser bem assim. O Programa Regressar traz mais condicionantes, que poderão ter peso nos rendimentos finais dos jogadores, particularmente nos investimentos feitos no estrangeiro.

Para perceber melhor o prejuízo que o Programa Regressar pode significar para os jogadores e treinadores de futebol é preciso perceber um outro programa destinado a atrair quer estrangeiros quer emigrantes portugueses: chama-se Residente Não Habitual e já existe há cerca de dez anos.

Trata-se de um programa destinado a quem tenha sido não residente fiscal em Portugal nos últimos cinco anos e que deseje agora transferir a residência para Portugal.

«Qualquer pessoa pode qualificar-se para o regime aplicável aos Residentes Não Habituais se preencher dois requisitos: por um lado, não pode ter sido residente fiscal no nosso país nos cinco anos anteriores e, por outro, tem de transferir a sua residência fiscal para Portugal», começa por dizer Ana Duarte.

«Neste regime os rendimentos do trabalho são tributados a uma taxa especial de 20 por cento, se a atividade do contribuinte constar de uma lista de atividades apelidada Atividades de Alto Valor Acrescentado e que foi publicada pela autoridade tributária. No entanto, os futebolistas, tal como os desportistas e os treinadores, não constam dessa lista. Portanto não têm esse benefício.»

Apesar de não conceder benefícios fiscais sobre o vencimento, o regime do Residente Não Habitual tem algo que o torna precioso para jogadores e treinadores de futebol.

«Os desportistas poderão ter vantagens nos rendimentos gerados no seu portfolio de investimentos, porque podem ficar isentos de tributação sobre os juros e dividendos de investimentos feitos no estrangeiro. Também outros rendimentos passivos obtidos no estrangeiro podem ficar isentos, como sejam os rendimentos prediais e as mais-valias na venda de imóveis situados fora de Portugal», conta Ana Duarte.

Ou seja, no caso de jogadores de futebol, ficam isentos de pagar IRS sobre os juros que recebem dos depósitos a prazo, dos dividendos da carteira de ações, dos rendimentos prediais e das mais-valias com imóveis que fizeram no estrangeiro. Como os jogadores de futebol, sobretudo os melhores, têm salários muito altos, geralmente fazem também investimentos muito altos (até para precaver o futuro), pelo que esta possibilidade de poupar 28 por cento sobre os rendimentos desses investimentos acaba por ser um regime naturalmente atrativo para eles.

Ora o problema é que os dois programas são incompatíveis.

«Quem subscrever o Programa Regressar não pode subscrever o regime para Residente Não Habitual», frisa Ana Duarte.

Pelo que poupar no IRS sobre o vencimento acaba por significar perder largos milhares de euros em isenção no pagamento de IRS sobre os rendimentos de investimentos financeiros.

Numa altura, portanto, em que Pepe já regressou, em que Neto vai regressar e em que jogadores como Ricardo Quaresma, David Luiz, Daniel Carriço, Lucho González, Cedric, José Fonte, Bruno Alves ou Mário Rui podiam voltar a Portugal em condições vantajosas aproveitando este Programa Regressar, convém ter presente que Portugal não é definitivamente um El Dorado para futebolistas emigrantes.

Sobretudo para aqueles que querem evitar uma surpresa desagradável na nota de liquidação do IRS.

(artigo originalmente criado às 23h52 de 21 de fevereiro)

Continue a ler esta notícia

EM DESTAQUE