Benito Villamarín deu um estádio ao Betis e os sócios ‘devolveram-lho’ - TVI

Benito Villamarín deu um estádio ao Betis e os sócios ‘devolveram-lho’

Benito Villamarin

Anatomia de um nome

Semana após semana são local de romaria. São palco para os artistas e tribuna para os espectadores de um dos espetáculos que mais mexe com as gentes. Aguentam saltos, gritos, lágrimas e sorrisos, em amálgamas de emoções tão instáveis quanto uma bola que rola mais para cá ou para lá. Todos lhes reconhecem a designação, mas poucos conhecem a história da figura por detrás e é por isso que vamos em busca da Anatomia de um nome.

«Benito Villamarín. Não há nome que traga melhores lembranças no Betis. Foi, seguramente, o presidente mais importante e querido que o clube teve na sua vasta história.»

É desta forma que o Estadio Deportivo, jornal de Sevilha, recorda Benito Villamarín Prieto, um homem que nasceu em Orense, na Galiza, em 1917, e que se mudou para Sevilha ainda jovem, durante a Guerra Civil espanhola, deixando uma marca bem vincada na cidade.

Naquela cidade da Andaluzia, por influência de um tio, construiu carreira e prestígio como empresário na área da exportação de azeitonas. Mas foi aquilo que fez na presidência do Real Betis Balompié que o eternizou.

Benito Villamarín

Em 1955, quando Benito Villamarín chegou a presidente, o clube bético atravessava uma fase crítica que se traduzia numa permanência de sete anos na 3.ª divisão espanhola, algo visto como inadmissível para um clube que tinha no historial a conquista de um título nacional, na década de 30.

Ambicioso relativamente ao clube que lhe arrebatara o coração, Villamarín investiu forte na construção dos plantéis, apostou em treinadores com experiência de primeira divisão e em dois anos devolveu o Betis ao topo do futebol espanhol, estabilizando-o na primeira divisão durante quase uma década.

Sustentar os alicerces do crescimento numa casa para o clube

Se fosse necessário escolher apenas um símbolo da presidência de Benito Villamarín no Betis, esse teria de ser obrigatoriamente o estádio.

Construído em 1929 - e inaugurado em termos futebolísticos com um jogo particular entre as seleções de Espanha e Portugal que La Roja venceu por 5-0 –, o Estádio Heliópolis começou a ser a casa regular do Betis em 1936.

A aquisição do recinto à autarquia de Sevilha, porém, só seria feita por Benito Villamarín, em 1961, razão pela qual os sócios votaram que o estádio recebesse de imediato o nome do então presidente.

Os dez anos da presidência de Villamarín (1955-1965) ficaram marcados por uma gestão quase empresarial do clube, com fortes investimentos em jogadores, mas também com importantes vendas.

Uma das suas marcas principais, contudo, viria também a ser alvo de críticas. Isto, porque passou a existir no clube uma gestão demasiado centrada no presidente, o que, depois do sucesso de alguns anos, dificultou muito os últimos tempos do mandato.

Nessa altura, Villamarín passou a ser uma figura muito ausente devido à doença que o viria a vitimar – com apenas 49 anos, em 1966. E com tudo tão dependente do presidente, a tomada de decisões arrastava-se, prejudicando o clube.

Essa terá sido uma das causas para que o Betis descesse de divisão no final da última época da presidência de Villamarín, que tinha abdicado do cargo em dezembro de 1965.

Ainda assim, e mesmo com as dificuldades em que o clube se arrastou durante os anos que se seguiram, a imagem que fica do mandato de Benito Villamarín é a do sucesso.

Durante a década em que foi presidente, o Betis sustentou-se como equipa de primeiro nível que parecia andar distante, e ganhou também dimensão em termos sociais e económicos. Isto, ao mesmo tempo que conseguiu desenvolver a cantera do clube, além, claro, da aquisição de património cuja principal peça foi a compra do estádio.

Uma fortuna para deixar o Betis gravado na história… do Sevilha

Não foram só os adeptos do Betis que foram conquistados pela presidência de Benito Villamarín. Também os jogadores e funcionários do clube gostavam da forma como o presidente conduzia o clube.

Para isso não será indiferente, a tradição criada por Villamarín de partilhar os lucros do clube com todos aqueles que contribuíam para tal, além da instituição de prémios de jogo para os atletas.

E uma dessas ações tornou-se epígrafe… na história do grande rival: o Sevilha.

O relato é do jornal AS e remonta ao ano do regresso do Betis à primeira divisão. O calendário ditou que o conjunto verdiblanco visitasse o Sevilha na segunda jornada, numa partida que marcava a estreia oficial do Estádio Ramon Sánchez-Pizjuan.

Ciente da importância do momento, Villamarín decidiu tentar estragar a festa do rival e prometeu aos jogadores um prémio de 28 mil pesetas – quase 170 mil euros na conversão atual-, em caso de triunfo betico.

O jornal AS garante que aquele foi mesmo um valor recorde à data, e que, para alguns jogadores, representava «um valor mais alto do que aquele que iriam ganhar ao longo de toda a época».

A estratégia deu resultado e assim, na história do primeiro jogo do Sevilha no novo estádio, aquele que homenageava um presidente histórico, ficou inscrita uma humilhante derrota por 4-2 imposta pelo grande rival e vizinho, Bétis.

Durante um período, entre 2010 e 2011, a casa do Betis foi um estádio sem nome

A reconquista (por aclamação) do estádio sem nome

Se hoje ainda conhecemos o palco onde joga o Betis como Benito Villamarín, isso deve-se aos sócios do clube sevilhano.

Tudo porque durante um período de cerca de 12 anos – entre 1998 e 2010 –, Manuel Ruiz de Lopera, controverso presidente que se tornou acionista maioritário da sociedade proprietária do Betis em 1997, decidiu que o seu nome ia ficar na história do clube e batizou o estádio como Manuel Ruiz Lopera.

Na qualidade de propritério do clube, Manuel Ruiz de Lopera deu o seu nome ao estádio do Betis

Quando Lopera deixou a presidência, envolto em polémica e casos de fuga ao fisco, os sócios quiseram apagar o seu nome do estádio e durante um período, os jornais espanhóis chamaram-lhe mesmo «estadio sin nombre».

Mais tarde, o conselho de administração que sucedeu a Lopera convocou um referendo entre os sócios para decidir que nome devia ser dado ao estádio.

A escolha foi clara: num universo de quase 10 mil associados, mais de seis mil votaram pela restituição do nome de Benito Villamarín.

Um regresso por aclamação.

Artigo original: 27/05; 23h50

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