Uma imagem e muitas sombras para lá do Super Bowl - TVI

Uma imagem e muitas sombras para lá do Super Bowl

Super Bowl

Anatomia de uma foto

A imagem mostra o momento em que é atirada a moeda ao ar para dar início ao Super Bowl. À esquerda está Bernice King, filha de Martin Luther King, ao seu lado o congressista John Lewis e também Andrew Young, antigo companheiro de Luther King, dois históricos da luta norte-americana pelos direitos civis.

Há muitas histórias em torno do Super Bowl, o maior acontecimento desportivo dos Estados Unidos. Este ano houve novo título para os New England Patriots, um sexto troféu que iguala o recorde anterior, houve ainda e sempre Tom Brady, que aos 41 anos venceu o sexto Super Bowl, mais que qualquer outro, e não vai parar por aqui. Houve a final com menos pontos marcados da história, uns muitos magros 13-3 a selar a vitória dos Patriots sobre os LA Rams.

E houve em fundo um cenário de tensão política e racial. Várias figuras públicas apelaram ao boicote ao Super Bowl e a organização do «halftime show», o espectáculo que é imagem de marca do evento, transformou-se num embaraço para a organização, com notícias sucessivas de negas de vários artistas, de Rihanna a Jay-Z.

A sombra por trás de tudo é Colin Kaepernick, o jogador que está sem trabalho desde que em 2016 assumiu uma posição em defesa dos direitos dos afro-americanos, depois de uma sucessão de casos de alegada violência policial com contornos raciais. Kaepernick fê-lo uma vez e voltou a repetir: em vez de permanecer de pé durante o hino, colocou um joelho no chão, uma forma de protesto simbólica que virou movimento. Com muita gente a favor e muita gente contra, entre os quais Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos.

Kaepernick, que era um dos quarterbacks de topo da NFL, não joga desde março de 2017. Tornou-se «free agent», depois de deixar os San Francisco 49ers, e nenhuma equipa o empregou desde então. Ele processou a NFL, acusando os clubes de conluio. Em agosto ganhou uma primeira batalha, quando um juiz arbitral nomeado pela Liga e pelos representantes dos jogadores decidiu que o caso tinha base para ir a julgamento. Está em curso, portanto, e não vai desaparecer.

Com mais ou menos exposição mediática, Kaepernick manteve-se na agenda. No início desta época foi protagonista de um anúncio da Nike que voltou a dar notoriedade ao seu caso. «Acredita em alguma coisa. Mesmo que signifique sacrificar tudo», diz a campanha. Na semana que antecedeu o Super Bowl várias figuras alimentaram o movimento, usando camisolas com a hashtag #ImWithKap. Como LeBron James ou Steph Curry, estrelas da NBA.

A hashtag #ImWithKap foi tendência nas horas que antecederam o Super Bowl, com várias declarações de intenção e apelos ao boicote nas redes sociais. Aqui, a posição da realizadora Ava DuVernay.

Houve muito ruído. Houve, por exemplo, acusações de outro tipo de retaliações, como a destruição de um mural em Atlanta dedicado a Kaepernick, a pouco mais de um quilómetro do estádio, dias antes da final. E houve manifestações de apoio anónimas, no exterior do recinto.

O «halftime show» do Super Bowl tornou-se uma espécie de divisão de águas para os apoiantes do movimento lançado por Kaepernick. Com várias recusas mais ou menos assumidas, uma delas da rapper Cardi-B. «Sacrifiquei muito dinheiro por não aceitar. Mas há um homem que sacrificou o emprego dele por nós, portanto temos de o apoiar», disse.

A presença de ativistas históricos no relvado, que se seguiu a um vídeo que passou imagens de Luther King e de alguns dos seus discursos, foi a resposta da NFL, na Super Bowl que se jogou em Atlanta, a cidade-natal de Luther King. Gerou reações antagónicas, muitas críticas sobre a apropriação pela Liga de símbolos míticos da luta pela igualdade de direitos, mas também elogios por aquilo que alguns entenderam como sinais de abertura.

Bernice King, que tinha cinco anos quando o pai foi assassinado e é a presidente do King Center, fundação que pretende manter o legado de Martin Luther King, explicou no Twitter porque disse presente no relvado do Super Bowl, numa mensagem em que fala em construir pontes.

A sombra de uma divisão profunda permanece e vai durar para lá do ruído em torno do Super Bowl. Para lá do jogo, que não deixa saudades mas teve grande ambiente num estádio magnífico, o novo recinto dos Atlanta Falcons e do campeão norte-americano de futebol, o Atlanta United, mas teve também audiências bem abaixo da média, o valor mais baixo dos últimos 10 anos. E com certeza bem para lá do «halftime show», que acabou por ter uma exibição anódina e apolítica de Maroon 5.

Artigo original: 04/02; 23h50

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