Kahn: o paracetamol para as dores da Alemanha em 2002 - TVI

Kahn: o paracetamol para as dores da Alemanha em 2002

Oliver Kahn

Anatomia de uma defesa

HeróI ou vilão. Não há meio-termo na vida de um guarda-redes, tantas vezes figura central de jogos por bons ou maus momentos.

O sucesso ou o insucesso num jogo pode estar dependente de um momento de inspiração ou de um deslize dele, mas poucas vezes a chegada de uma equipa à fase decisiva de uma grande competição está sucessivamente dependente dele.

Em 2002, a Alemanha era uma seleção gasta e longe dos tempos pujantes das décadas de 70, 80 e 90. A eliminação na fase de grupos do Euro 2000, consumada após uma derrota por 3-0 frente a uma seleção portuguesa já economia de esforço para os quartos de final da prova, obrigou os responsáveis nacionais a traçar um caminho radicalmente diferente para o futebol germânico.

No Mundial da Coreia e do Japão, a nova Alemanha pretendida não passava ainda de um esboço com fracas probabilidades de sucesso.

Mas Oliver Kahn emergiu para carregar a Mannschaft às costas, sendo responsável por vitórias atrás de vitórias que a levaram até à final e foram, pelo caminho, disfarçando debilidades. Brilhou contra a Irlanda na fase de grupos e manteve a baliza inviolável em cinco dos seis jogos até ao duelo decisivo, três deles a partir dos «oitavos».

No duelo dos quartos de final diante dos Estados Unidos, o guarda-redes do Bayern Munique segurou a Alemanha no Mundial com um par de intervenções capitais diante de uma seleção norte-americana que foi mais perigosa durante os 90 minutos.

Para a estatística fica o golo solitário de Michael Ballack já perto final da primeira parte, que colocou os alemães nas meias-finais, mas antes disso foi Oliver Kahn a manter viva a esperança de uma equipa que parecia prestes a desmoronar a qualquer momento.

À passagem do quarto de hora, Landon Donovan ganha espaço à entrada da área, puxa para o pé esquerdo e desfere um pontapé colocado. Ágil, o guarda-redes de 33 anos voa para a direita e nega um golo certo com a ponta da luva.

Veja a partir dos 02m00s:

 

 

Foi o primeiro de vários momentos fantásticos protagonizados por Kahn, que cumpria nesse jogo a 50.ª internacionalização.

À semelhança de muitos outros, esse momento contribuiu para a edificação da lenda de Oliver Kahn, que ao longo da carreira alternou autênticos milagres com momentos de negligência. Aqui, o saldo é claramente positivo para o guardião que se notabilizou também pela forma pouco ortodoxa com que muitas vezes abordava os lances. Kahn tinha marca de assinatura: ainda que não fosse consensual, era seguramente diferente de todos.

Todas as vitórias da Alemanha entre os oitavos de final até à derrota no derradeiro jogo, diante do Brasil, foram pela margem mínima e sempre por 1-0. Mais do que um elogio à organização defensiva da Mannschaft, impõe-se um tributo a Kahn, o paracetamol de uma Alemanha que se contorcia com dores na viragem do século.

Infeliz na final de Yokohama, ao deixar escapar para Ronaldo um remate aparentemente fácil de travar no lance que deu a vantagem ao escrete de Scolari – que viria a vence por 2-0 – o Mundial também foi dele. Kahn foi muito mais do que aquele deslize e a imagem dele sentado junto a um dos postes após o apito final do jogo.

Foi considerado o melhor jogador do Mundial, à frente do renascido Ronaldo. Pela primeira vez na história, a escolha para figura da maior competição do futebol recaiu sobre um guarda-redes: 16 anos depois, Kahn continua a ser o único representante das balizas a figurar ao lado de nomes como Pelé, Cruyff e Maradona.

[artigo originalmente publicado às 23h52, de 3-12-2018]

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