Hugo Laurentino: team manager e contabilista do FC Porto - TVI

Hugo Laurentino: team manager e contabilista do FC Porto

Hugo Laurentino

Antigo guarda-redes trabalha nos escritórios do Estádio do Dragão há quatro anos; em dias de jogo, preferia ficar a trabalhar até chegar a hora de atravessar a rua

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Hugo Laurentino terminou a brilhante carreira de guarda-redes aos 35 anos e assumiu as funções de team manager da equipa de andebol do FC Porto.

O antigo guardião continuará a dividir os seus dias entre o Dragão Arena e o Estádio do Dragão, onde desempenha o cargo de contabilista há quatro anos.

Na conversa com o Maisfutebol, Hugo Laurentino descreve essa parte menos conhecida da sua vida e confessa que, em dias de jogo, prefere ficar a trabalhar no departamento de contabilidade até chegar a hora de atravessar a rua.

Os funcionários do FC Porto habituaram-se às duas imagens do guarda-redes. Chegava ao Estádio do Dragão com roupa formal, calças clássicas e camisa, e atravessava a rua para se apresentar para mais um treino no Dragão Arena, com calças de fato de treino e a camisola cor de laranja ou cinzenta.

Hugo Laurentino passa a team manager e contabilista. Durante a entrevista, recorda ainda o dia em que teve de ser socorrista para salvar uma vida. Valeu-lhe uma condecoração.

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MF: Poucos sabem, mas o Hugo trabalha no departamento de contabilidade do FC Porto. Como surgiu essa possibilidade?

HL: Eu fiz o curso de gestão de empresas e como tinha muita base de Contabilidade, e até foi das cadeiras de que gostei mais, pensei fazer um curso de Contabilidade. Informei-me e fiz logo o estágio para a Ordem dos Contabilistas Certificados. Foram seis meses em que tive de dar ao pedal: a estudar, em estágios e a treinar. O FC Porto deixou-me fazer o estágio no departamento de contabilidade e, ainda durante o estágio, comecei a tirar o curso de Contabilidade. Acabei-o, fiz logo o exame para a Ordem. Entretanto, acabei o estágio aqui e convidaram-me para continuar porque tinham gostado do meu trabalho.

MF: Foi uma adaptação fácil?

HL: Muitas vezes, ainda agora, dizem-me que estavam com a ideia de que ia para ali um jogador trabalhar e que não ia fazer nada. Achavam que ia para lá mandriar, só a passar o tempo. E que só queriam que o tempo passasse depressa, para me mandarem embora. Porque não estavam à espera que eu trabalhasse e desse conta do recado. Mas não, o estágio acabou e eles pediram-me para ficar lá a trabalhar. Estou lá há quatro anos, a contar com um de estágio.

MF: Mas como jogador do FC Porto, financeiramente não precisava de uma atividade à parte, certo?

HL: Não, não. Achei que seria interessante. Sabemos que a vida de jogador não dura para sempre e eu estava a construir a base para ter um suporte quando acabasse de jogar. Não sabia o que ia fazer a seguir, mas tinha de me orientar para alguma coisa. Felizmente, consegui ficar aqui a trabalhar. Mas não teve nada a ver com o lado financeiro, bem pelo contrário. Com a carga que tinha: vir trabalhar de manhã e treinar à tarde, ou treinar de manhã e ficar a trabalhar aqui à tarde, não era mais fácil.

MF: E vai continuar, agora que assumiu o cargo de team manager?

HL: Sim, continuo com as duas tarefas: team manager da equipa de andebol do FC Porto e contabilista no departamento de Contabilidade. Tenho de gerir de forma diferente, por exemplo a manhã num sítio e a tarde no outro.

MF: Isso pode chegar ao ponto do seu próprio salário ser tratado por si?

HL: [gargalhada] Sim, sim, pode. Indiretamente, isso pode acontecer. Mas não acontece porque no departamento temos as empresas divididas por pessoas e a mim nunca calha a parte do clube.

MF: Mesmo em dia de jogo, acontecia ir trabalhar no departamento?

HL: Sim, sim. Às vezes chegava lá e perguntavam-me: ‘o que estás aqui a fazer? Não devias estar a descansar, não tens jogo?’. E eu até me sentia muito melhor ali, porque aliviava-me, não estava só a pensar no jogo, como aconteceria se estivesse em casa. E a partir do momento em que tive a experiência e começou a correr bem, continuei a fazê-lo.

MF: Mas também podia ter sido socorrista, não é verdade?

HL: Isso foi uma situação muito chata, com a qual aprendi muito sobre a vida. Sinceramente, pensei que pela primeira vez ia ver uma pessoa morrer à minha frente, ainda por cima carbonizada.

MF: Quer contar a história?

HL: Isso aconteceu depois de um jantar de equipa. Eu estava a voltar para Ovar, muito cansado, e apercebi-me que o carro que ia à minha frente ia aos esses e comecei a deixar uma margem maior. Entretanto, o condutor que ia à frente desse carro, ia virar para uma fábrica, onde o senhor era segurança. Só que aquele que ia entre nós não travou e bateu em cheio no da frente, que se incendiou de imediato.

MF: O que se faz quando se vê algo assim?

HL: A minha primeira reação foi correr para o carro que estava a arder, só que não consegui abrir a porta do condutor. Abri a de trás, mas o senhor era mesmo muito pesado e eu não o consegui tirar por lá porque ele ficou preso no volante. O carro estava ali a arder, eu fui para a berma da estrada pedir ajuda, houve um senhor que parou, abriu a janela, disse que não tinha água e foi embora. Depois lembrei-me de partir o vidro, ao segundo pontapé consegui e quando dei por mim tinha mais duas pessoas ao meu lado a ajudarem-me a tirar o senhor do carro. E mal o tirámos, o carro começou a arder ainda mais, começaram a saltar coisas e só tivemos tempo para sair dali de perto do carro.

MF: Um gesto heroico que lhe valeu uma condecoração, certo?

HL: Sim, fui condecorado pela Câmara de Ovar, com uma medalha de mérito, numa sala com toda a gente a bater-me palmas. Foi engraçado. Só fiquei com pena de não ter falado. Na altura eles convidaram-me para discursar, mas como sou envergonhado, não falei. Uma das coisas que essa situação me fez pensar foi como é que há pessoas que passaram e não pararam para ir ajudar? Não consigo perceber.

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