Um português dividido: «Não nos batam muito!» - TVI

Um português dividido: «Não nos batam muito!»

Andorra (Facebook)

Victor Santos vive o momento mais difícil da vida desportiva, em vésperas do jogo com Portugal. A história do português que foi pioneiro em Andorra e que agora reza a todos os santos para que nada de mal aconteça

«Desculpe lá, isto há muitas palavras em português que já me escapam. Já levo quarenta e tal anos aqui. Mas olhe que não é por falta de vontade, porque nós portugueses nunca esquecemos as raízes…»

O português continua lá, já não é tão fluído como antigamente mas mantém-se percetível. É como tudo, às vezes perde-se a prática mas não a vontade.

E para Victor Santos não há nada mais importante que as suas raízes, essas não esquece nem quer esquecer, mesmo que volta e meia venham azucrinar-lhe a cabeça.

Como é o caso. Não queria nada, nada mesmo, mas, regra universal, o que tem de ser tem muita força.

Sexta-feira vai ser um homem de coração dividido assim que entrar no Municipal de Aveiro. Frente a frente as duas equipas do seu coração. Quer dizer, não necessariamente.

O presidente da federação andorrana de futebol é português e já anda a contar as horas para esse embate com a equipa do seu país de origem.

Será um dos dias mais difíceis da minha vida, em termos desportivos, porque o coração está partido em dois. Sou andorrano nos papéis, mas português de raiz. É difícil estar nesta situação, o coraçãozinho está aqui ao lado»

A conversa do dirigente com o Maisfutebol foi assim, saudosista, como é normal sempre que do outro lado da linha está um português no estrangeiro.

Victor Santos (à direita) com Koldo, antigo jogador que agora orienta a seleção andorrana

E este é daqueles apaixonados. No baú guarda um cantinho especial para as recordações da infância em terras lusas. Mas a grande parte do espaço é ocupada por outra grande paixão, uma tal coisa chamada futebol.

Conheceu o desporto-rei aos 13 anos. Quando chegou a Andorra constatou que este ainda não tinha escalado os Pirenéus. Decidiu então tirar um curso de treinador, até de árbitro, tamanha era a fome de bola.

Começou pelo futsal, como árbitro, depois como treinador. Daí até ao futebol a sério foi um pequeno passo, mas um muito grande para os portugueses. Foi ele, Victor Santos, o primeiro dos técnicos lusos no país.

E ainda dizem que foi Mourinho a abrir portas. Victor já estava bem mais alto, literalmente.

Em 2001 sagrou-se campeão no Encamp e chegou até a discutir com o Zenit uma pré-eliminatória de acesso à Taça UEFA 2002/03, que terminou com um 13-0 a favor dos russos no conjunto das duas mãos.

Coisa pouca.

Desmotivado pela derrota, ou talvez não, Victor arrumou os blocos e assumiu um cargo na federação: «comecei do baixinho até cá acima». Desde 2013 é presidente da federação andorrana de futebol.

E é nesse ingrato papel que irá encarar Portugal como adversário.

Andorra esteve a vencer País de Gales no apuramento para Euro 2016

«Nem a Nossa Senhora de Lourdes nos poderá ajudar…»

Habituada a sofrer grandes goleadas em tudo o que mete uma bola nos pés, a seleção de Andorra vem de visita aos portugueses, rumo ao apuramento para o Mundial 2018.

Na cabeça muita ambição mas uma vontade que se sobrepõe às outras: a de não sofrer o mesmo destino.

Ficava contente com um empate, é que assinava agora mesmo, mas é impossível (risos). Nem a Nossa Senhora de Lourdes de França nos poderá ajudar seguramente. Mas também jogamos na lotaria a ver se um dia nos toca a nós. Às vezes passamos uma vida inteira a jogar e não nos toca nada. Outras vezes jogamos uma vez e pronto. Mas no futebol não existem milagres»

O desejo de Victor Santos parece modesto, mas as únicas vezes que andorranos e portugueses se defrontaram, de facto as coisas não correram nada bem para a Absoluta, alcunha da seleção.

A última, em 2001, foi digamos que feio. Uma derrota por 7-1 em casa. Roberto Jonás terá sido, provavelmente, o único a regressar feliz aos balneários. O central apontou aí o único golo da carreira. Uma história para contar, já não foi mau.

Desta feita, frente ao campeão europeu, Victor Santos espera apenas que os portugueses sejam meigos.

Só espero que os jogadores portugueses não se chateiem e nos “metam” muitos golos. Espero que não nos batam muito, porque somos pequeninos, e quanto mais nos dão mais dói. E que o Cristiano Ronaldo não esteja nos dias dele»

Colocando-se por instantes no seu papel de presidente, Victor Santos acredita que o jogo frente a Portugal poderá servir de motivação aos jogadores para o que ainda falta percorrer no apuramento.

«Ui, isto para eles é um prémio! Nem todos têm o prazer de poder jogar contra os campeões da Europa e contra foras de série como o Ronaldo. Somos uma equipa humilde mas muito trabalhadora e quando se tem força de vontade conquista-se muita coisa na vida», vincou.

Andorra Clube de Portugal, equipa com futuro

Futebol e Andorra nunca tiveram uma relação direta muito forte, mas esse cenário está prestes a mudar em breve.

Num país que tem pouco mais de 70 mil habitantes, ali embrulhado entre Espanha e França, os praticantes da modalidade vão aumentando a cada ano que passa.

E a culpa é dos portugueses.

Segundo Victor Santos, atualmente são já 56% os jogadores portugueses que compõem o campeonato andorrano, que tem no Lusitanos o expoente máximo, com vários jogadores e também dirigentes a partilharem a língua de Camões.

Juntando o sangue lusitano à melhoria significativa das condições de trabalho, Andorra prepara uma seleção competitiva para o futuro.

«Estamos a fazer resultados mais positivos do que antes, quando levávamos grandes goleadas. Agora as condições estão melhores, há mais campos para treinar, antes só havia dois, era muito difícil. Agora apostamos muito nos jovens, e o sangue português deles ajuda muito (risos)», explicou.

Com a aposta nos jovens, Andorra espera criar uma equipa para o futuro (em ambos os géneros)

O sonho de ir a um Mundial terá então de aguardar uns aninhos valentes: «é impossível irmos ao Mundial neste momento. Terão de passar uns quinze anos. Esta nova geração que aí vem é boa mas por enquanto são muito novinhos.»

Enquanto esse tempo não chega, resta-lhes festejar outros títulos.

Aqui em Andorra festejámos o título europeu como se estivéssemos no Rossio, tal e qual. Foi uma alegria imensa e um orgulho para todos. Depois disso, quando soube que nos tinha calhado Portugal no grupo, no mesmo dia toda a gente me pediu bilhetes para o jogo: “eh pá o Cristiano, o Cristiano”. Veja lá isto»

Um jogo para mais tarde recordar, esperam eles que por bons motivos.

Se assim não for, no pasa nada.

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