O que mudou na política nacional em 2016 - TVI

O que mudou na política nacional em 2016

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo está em todo o lado, Cavaco não está em nenhum, Cristas tenta superar Portas e Passos está sob ameaça. Jerónimo e Catarina continuam firmes e Costa quase não tem opositores… socialistas

Um Presidente novo, um líder partidário também, duas saídas de cena, uma esquerda estável e o líder do maior partido de direita sob ameaça. Assim correu o ano político nacional de 2016, marcado pela chegada de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência e com mais caras velhas do que novas. Assunção Cristas rendeu o histórico Paulo Portas no CDS-PP e, no PSD, Rui Rio poderá disputar a liderança de Passos Coelho. Mas enquanto a direita resiste como pode à geringonça, à esquerda, PS, BE e PCP estão confortavelmente à tona.

A chegada de Marcelo à Presidência é duplamente significativa, primeiro porque um fenómeno de popularidade passou do pequeno ecrã para a maior tela do Estado, depois porque a sua chegada coincide com a saída de Cavaco Silva, após dez anos no cargo e uma impopularidade contrastante.

A cada dia de Marcelo, parece mais difícil recordar o passado de Cavaco e, a cada dia de uma Presidência de afetos, os portugueses continuam encantados com Marcelo, pelo menos assim dizem as sondagens. O novo Presidente distingue-se pelo contacto próximo e informal com os cidadãos, por uma agenda intensa e pela presença mediática constante, em contraste com o estilo mais contido e formal de Cavaco.

Mesmo no relacionamento com o Governo, os partidos e as instituições, Marcelo Rebelo de Sousa é diferente. O Presidente tem sido um garante da estabilidade política em Portugal, suportando as decisões do Governo e serenando os ânimos para o exterior. Ouve regularmente partidos, patrões e sindicatos e tem reunido o Conselho de Estado, um Conselho de Estado também diferente dos de Cavaco, em que, por exemplo, o ensaísta Eduardo Lourenço é um dos conselheiros.

“Afetos, proximidade, simplicidade e estabilidade” são princípios dos quais Marcelo, 67 anos, não abdica desde que tomou posse, a 9 de março, deixando para trás, e quase no esquecimento, Cavaco Silva, que, nos últimos 30 anos, somou duas décadas na chefia do Governo e do Estado.

Cavaco Silva terminou o seu ciclo em Belém aos 76 anos, deixando em funções um executivo do PS viabilizado por acordos inéditos à esquerda no parlamento, ao qual deu posse com reservas e advertências até ao último dia. Longe da cena política, escreve as memórias dos seus tempos em Belém, no recuperado Convento do Sacramento, em Lisboa, que lhe serve de gabinete.

Uma vez mais, tudo com Marcelo parece diferente. No dia da investidura, chegou a pé ao Palácio de São Bento e assinalou a data com um encontro de religiões e um concerto, em Lisboa, estendendo depois as cerimónias ao Porto, dois dias mais tarde.

Nos primeiros 100 dias em funções, foi cumprida uma agenda intensa, com mais de 250 iniciativas, entre visitas, encontros e audiências. Os portugueses têm-no ouvido quase diariamente e, com frequência, várias vezes ao dia.

Desde que é Presidente, teve uma única afirmação polémica, a 24 de maio, sobre a possibilidade de haver instabilidade política após as eleições autárquicas de 2017. O próprio Marcelo se apressou a justificar as suas palavras na manhã seguinte, enquadrando-as como uma referência à tradição de as autárquicas terem consequências nas lideranças partidárias.

Nestes nove meses, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não recorreu ao Tribunal Constitucional e utilizou três vezes o poder de veto político.

Celebrou dois feriados regressados, o 5 de outubro e o 1 de dezembro, foi a Paris comemorar o 10 de Junho com os emigrantes e lusodescendentes, pelo meio realizou 20 deslocações ao estrangeiro, uma das quais a Cuba, onde se encontrou com Fidel Castro, e a primeira a Moçambique, onde dançou para todos verem. Em Portugal, só não esteve nos Açores, por causa das eleições regionais, mas prometeu uma visita para 2017.

Marcelo não para porque, diz, não está à espera de um segundo mandato para fazer o que não fez no primeiro. E a sua popularidade continua em alta, com um saldo positivo de mais de 56%, acima do resultado obtido nas Presidenciais.

Cristas sucede a Portas

A mais longa presidência centrista terminou em março com a eleição de Assunção Cristas, a primeira mulher num cargo ocupado durante 16 anos por Paulo Portas. A ex-ministra do Governo de coligação protagonizou a única mudança de liderança partidária num ano em que muitos não acreditavam na sobrevivência da geringonça e em que muitos não acreditam, ainda, no adeus definitivo do histórico líder centrista.

Foi a 12 de março que Paulo Portas, de voz embargada e lágrimas nos olhos, se despediu dos centristas no congresso que elegeu Assunção Cristas. Portas lembrou os pais e a sua família, “os mais prejudicados” pela sua carreira partidária e fez “um último agradecimento” aos seus “adversários”, sem os quais não teria feito os “combates” que fez. Passou a pasta a Cristas com uma expressão em inglês para, a 2 de junho, se despedir do Parlamento e, aí, então, da vida política. Disse ter deixado “amigos em todas as bancadas” e nenhum inimigo. Foi preciso Paulo Portas dizer adeus para se assistir a uma maioria absoluta no Parlamento, com aplausos de todas as bancadas e elogios.

A sétima líder do CDS-PP é também candidata à Presidência da Câmara de Lisboa, corrida em que tomou a dianteira ao PSD, que ainda não apresentou o seu candidato, ainda que alguns sociais-democratas sonhem com o anúncio de Pedro Passos Coelho.

Durante o seu mandato, teve na participação no Congresso do MPLA em Angola o único foco de tensão interna, encontro em que Paulo Portas também esteve presente, mas a título pessoal.

Nas primeiras eleições da era Cristas, as regionais dos Açores, o partido aumentou o seu grupo parlamentar de três para quatro deputados, reelegendo mandatos pelas ilhas Terceira e São Jorge e reforçando o número de parlamentares eleitos pelo círculo de compensação de um para dois. A líder pediu recentemente ao seu partido que se concentre nas eleições autárquicas de 2017, as únicas, frisou, que estão no calendário.

Rio ameaça Passos

Passos Coelho resistiu à troika e aos portugueses durante o XIX Governo, resistiu às legislativas de 2015 e, só por força maior, no caso de esquerda, não resistiu na liderança do XX Governo, empossado por Cavaco Silva a 30 de outubro, mas caído em desgraça no Parlamento poucos dias depois, a 10 de novembro, com quatro moções de rejeição ao seu programa. Mesmo depois de passar de primeiro-ministro a tão somente líder do maior partido da oposição, Passos resistiu na única liderança que lhe restava e que surge, agora, ameaçada.

A considerada pouco eficaz oposição da direita ao Governo de António Costa, bem sucedido no seu relacionamento com os partidos de esquerda, estará a debilitar a imagem de Passos no seio do próprio partido, onde o ex-autarca portuense Rui Rio encontra espaço para navegar.

Rui Rio chegou a desmentir publicamente várias notícias que davam como certo que estaria a ponderar uma candidatura à liderança do PSD, mas acabaria por mudar de discurso. Agora, o ex-presidente da Câmara do Porto admite candidatar-se em 2018 se o partido "continuar com grandes dificuldades de aceitação junto das pessoas” e se até lá “não aparecer uma alternativa credível”.

Uma possibilidade para a qual disse ter sido pressionado “por militantes e não militantes”, ainda que, no último congresso do PSD, a Comissão Política Nacional de Pedro Passos Coelho tenha sido eleita com quase 80% dos votos. 

Rui Rio acredita que Passos está estigmatizado pelo passado recente, apesar de nas últimas legislativas ter sido o mais votado, e que pode representar essa "alternativa credível" junto dos sociais-democratas e dos eleitores, desde que, claro, reúna apoios.

Esquerda estável e unida

Contra as previsões de direita, a esquerda manteve-se estável e, pode dizer-se, unida. PS, Bloco de Esquerda e PCP realizaram congressos em 2016 e deles saíram reforçados. Os seus líderes foram reeleitos praticamente sem oposição e nem entre os socialistas se ouvem mais os opositores a António Costa e à sua decisão de formar Governo com o apoio parlamentar da maioria.

Esta geringonça, por isso, de coisa malfeita tem pouco, como sugere o dicionário e acredita a direita, mantendo-se, até ao momento, estável e unida, sem que os partidos afetos vivam em clima de instabilidade interna ou contestação externa.

Entre os socialistas, há muito que ninguém evoca José António Seguro e nem os seguristas têm surgido em cena para beliscar o secretário-geral do partido. Desde o congresso, pelo menos. Então, falou o maior segurista, Francisco Assis, que foi assobiado, mas também aplaudido pelos congressistas. Opositores à solução de Governo, como Sérgio Sousa Pinto, Eurico Brilhante Dias e António Galamba, têm-se mantido na sombra da crítica, sem espaço de intervenção, numa altura em que as contas e os apoios políticos, inclusive do Presidente da República, sorriem ao executivo de António Costa.

A aliança que diziam ser “contranatura” à esquerda continua firme na sua essência, resta saber como sobreviverá às autárquicas. Um trabalho que PCP e BE têm acautelado no terreno, com algumas chamadas públicas de atenção ao Governo.

Catarina Martins viu a sua moção política aprovada por larga maioria na última convenção do partido, muito à frente das moções de Catarina Príncipe e João Madeira, e, consequentemente, passou de porta-voz a coordenadora a solo do Bloco. João Semedo, com quem partilhava a coordenação, retirou-se, mas Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco, e Mariana Mortágua, a especialista em assuntos económicos que saltou para a ribalta com a comissão parlamentar de inquérito ao BES, têm pautado pela defesa dos interesses do Bloco em harmonia com a sua coordenadora.

Apesar de uma ou outra crítica ter ecoado durante a convenção sobre os acordos que foram feitos com o Governo, o tom geral foi de concordância e satisfação, até porque o Bloco tem-se demarcado de António Costa em alguns temas, como a banca e a renegociação da dívida.

O ano terminou, ainda, com a reeleição por unanimidade de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP, num congresso em tudo pacífico.

O líder comunista obteve 98,7% de votos a favor, depois de apresentar um Comité Central com 22 caras novas para renovar a confiança no partido e atacar as autárquicas, uma prioridade para o PCP, bem como a luta pelos direitos trabalhadores, como o aumento do salário mínimo para 600 euros.

O PCP tem sido dos mais críticos à atuação do Governo, críticas essas que não convencem os sociais-democratas, que falam em encenação, mas nada que ponha em causa a gerigonça.

A terminar o ano, Bloco e PCP reuniram-se por causa da TSU, enterrando o pequeno machado de discordâncias e reforçando o papel da gerigonça no sucesso do Governo.

 

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