Armando da Silva tem 77 anos e um registo inigualável no futebol português: foi o único jogador a vencer a Taça de Portugal ao serviço de FC Porto e Sp. Braga, os dois clubes que estarão no Jamor neste domingo.
O Maisfutebol encontra-o em Braga, onde ficou a morar depois de terminar a carreira, tendo por perto a esposa, filhos e netos.
O antigo guarda-redes dividiu o seu tempo entre FC Porto e Sp. Braga, os dois grandes amores, e desenvolveu um gosto que é partilhado por outros elementos da família, também eles dedicados às balizadas.
Armando nasceu no Porto e evoluiu nos escalões de formação dos dragões. Como júnior chegou a defrontar Jorge Nuno Pinto da Costa, atual presidente do clube azul e branco e à época um anónimo defesa do FC Infesta.
«Eu sinceramente não me recordo, mas Pinto da Costa diz-me que sim, quando falamos sobre isso. Eu estava no FC Porto e ele no Infesta, nos juniores, mas ninguém sabia quem ele era.»
Em 1958, com apenas 19 anos, Armando foi convocado para a final da Taça de Portugal entre o FC Porto e o Benfica. Acúrcio estava lesionado e o jovem ficou no banco de suplentes como alternativa a Pinho.
Hernâni marcou o único golo do encontro no Estádio do Jamor (1-0) e garantiu a segunda Taça da história dos dragões. O clube portista tem atualmente 14.
«O Porto tinha uma equipa do caraças! Foi um grande golo do Hernâni, o meu ídolo, do meio do campo. Não joguei mas estava lá, festejei e levantei o troféu».
Armando da Silva ficou no FC Porto até 1960 mas teve de cumprir o incontornável serviço militar e saiu para o Gil Vicente. Pouco depois foi chamado para a Guerra Colonial e ficou um par de anos em Angola, onde chegou a representar o Ferroviário de Malange.
Em 1963 regressou a Portugal e destacou-se ao serviço do Salgueiros. Tanto que recebeu um convite do Sporting de Braga e afirmou-se como titular da formação arsenalista.
A equipa minhota fez um campeonato mediano em 1965/66 mas ultrapassou os maiores obstáculos para chegar ao Estádio do Jamor e defrontar o Vitória de Setúbal.
«Nos quartos-de-final vencemos o Benfica de Eusébio, do Coluna, do José Augusto, de todos. E nós, os farrapinhos, demos 4-1 em Braga. Perdemos 3-1 na Luz e seguimos em frente. Nas meias-finais foi 1-1 e 1-1 com Sporting e 1-0 no jogo de desempate.»
A 22 de maio de 1966, precisamente meio século antes da final deste domingo, Armando travou os ataques do V. Setúbal e Perrichón garantiu a vitória histórica para o clube minhoto (1-0).
«Tínhamos fundamentalmente uma equipa, com grande espírito. Não tínhamos 15, nem 13, tínhamos 11. Lembro-me que tinha a certeza absoluta de que íamos ganhar.»
O Sp. Braga venceu a única Taça de Portugal do seu historial – perdeu quatro finais desde então – mas a festa podia ter ficado estragada com o súbito desaparecimento do troféu.
«A Taça desapareceu e a malta viu-se à rasca para a encontrar. Foi o Coimbra que a meteu na cama, com a roupa por cima. Eram só pessoas a perguntar pela Taça, pela Taça, pela Taça, e ela tinha desaparecido.»
O mistério foi resolvido e a comitiva arsenalista tinha um mar de gente à espera em Braga. A viagem foi realizada de avião, algo pouco habitual naquela altura.
«Aquilo era um regabofe, naquela altura valia tudo. Se não houvesse dinheiro, roubava-se.»
Armando da Silva brinca com a situação mas não esquece a receção apoteótica em Braga. Aqueles homens tinham feito história.
«Era mais povo que gente! Tudo cheio de gente, foi qualquer coisa de espetacular.»
O Sp. Braga não garantiu apenas a sua primeira e única Taça. Na época seguinte fez a estreia nas competições europeias, com Armando na baliza. Na primeira eliminatória da Taça das Taças, os portugueses ultrapassaram o favorito AEK de Atenas. Porém, na ronda seguinte caiu perante o Gyori ETO, da Hungria.
«Foram jogos inesquecíveis. Eu por exemplo nunca tinha saído de Portugal.»
Armando da Silva fez seis épocas de grande nível no Sporting de Braga, chegou a ser convocado para a Seleção principal (sem sair do banco) e teve a oportunidade de regressar ao seu FC Porto em 1970.
Américo tinha acabado a carreira e os dragões precisavam de um nome seguro para a baliza, a par de Rui Teixeira. Armando voltava às Antas na sua melhor fase mas cedeu percebeu que teria dificuldades em conquistar a titularidade.
«O Rui não era o meu grande obstáculo. Eram outras coisas. Enfim, a verdade é que o Rui Teixeira ainda está no FC Porto até hoje.»
Sem conseguir ganhar o lugar ao seu adversário direto, Armando da Silva esteve ainda assim em alguns jogos inesquecíveis para os dragões.
Num torneio de pré-época do FC Porto, por exemplo, levou os jornalistas de Caracas (Venezuela) a escrever sobre um recorde mundial quando defendeu quatro grandes penalidades de forma consecutiva frente ao Celta de Vigo.
«Não consegui defender o primeiro mas parei todos os outros. Concentrava-me bastante no adversário. Se ele chutasse com força, sabia que era para o lado direito do guarda-redes. Se fosse em jeito, era para o lado esquerdo.»
Armando não jogava com regularidade mas brilhou com grande intensidade em Barcelona, para a Taça UEFA. Terá sido umas das melhores exibições ao serviço do FC Porto.
Os dragões surpreenderam o gigante espanhol nas Antas, ao vencer por 3-1, e colocaram-se novamente em vantagem em Camp Nou (0-1). Abel Miglietti marcou ao minuto 19 e Fernando Riera teve de trocar de guarda-redes pouco depois.
«O Rui lesionou-se, ou disse que se lesionou. O Rieira só me disse: ‘vá, lá para dentro’. Nem me incentivou. Mas eu avisei-o logo que se o FC Porto perdesse não seria por culpa do Armando. O tempo foi passando, passando e o Porto teve um guarda-redes chamado Armando que defendeu tudo.»
Armando trocou de camisola com Miguel Reina, guarda-redes do Barcelona e pai de Pep Reina, que representa atualmente o Nápoles.
Após três épocas sem conseguir a desejada titularidade no seu FC Porto, Armando da Silva fez as malas e procurou outro clube para a reta final da carreira.
O guarda-redes esteve perto do Leixões e foi de férias com a convicção de que iria representar o clube de Matosinhos.
«Olhe, estava a chegar ao campismo em Vila do Conde, a pensar que ia passar lá as férias descansado, e vi na porta dois dirigentes do Sp. Braga. Convidaram-me para voltar, lá disse que sim e fiquei para sempre em Braga.»
Armando pendurou as luvas em 1975 e está há perto de quarenta anos a morar em Braga. Em dois armários guarda as memórias de uma carreira rica e vários troféus, como a Medalha de Comportamento Exemplar da Federação Portuguesa de Futebol.
«Recebi a Medalha de Comportamento Exemplar porque em cerca de 500 jogos nunca fui castigado nem vi um cartão amarelo.»
Armando da Silva, na plenitude dos seus 77 anos, pode orgulhar-se desse percurso difícil de imaginar no futebol atual.