"Os filmes são nossos": uma centena de estudantes e profissionais do cinema manifestam-se junto à AR - TVI

"Os filmes são nossos": uma centena de estudantes e profissionais do cinema manifestam-se junto à AR

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  • 20 out 2020, 10:12

Para os manifestantes, a proposta de lei, votada esta terça-feira na especialidade, entrega a especificidade do cinema português às multinacionais que passam a estar isentas das taxas que são aplicadas aos operadores tradicionais portugueses

Cerca de uma centena de estudantes, realizadores, produtores, argumentistas juntou-se esta terça-feira num protesto estudantil pelo cinema português, junto à Assembleia da República, em Lisboa.

O protesto foi convocado pelo Movimento Estudantil Pelo Cinema Português, no mesmo dia em que é votada na Assembleia da República uma proposta de lei que transpõe uma diretiva europeia sobre audiovisual.

No protesto, que às 09:30 mobilizava cerca de uma centena de manifestantes, os estudantes gritavam frases de ordem como "Os filmes são nossos" e "Fazer cinema foi o que eu quis, deixem-me filmar neste país".

Outros estudantes empunhavam cartazes onde se lê "Não gentrifiquem o cinema português" e "Para fazer cinema em Portugal é preciso obrigação fiscal".

O protesto contou ainda com vários realizadores solidários com o protesto, entre os quais João Botelho, Catarina Vasconcelos, Teresa Villaverde, Inês Oliveira, Gabriel Abrantes e Cláudia Varejão.

Os produtores Luís Urbano, Pedro Duarte e os programadores Miguel Valverde e Cíntia Gil, a deputada comunista Ana Mesquita e um dos porta-vozes do Manifesto em Defesa da Cultura, Pedro Penilo, também estiveram presentes.

Segundo a proposta de lei 44/XIV, a cobrança da atual taxa de exibição - que reverte para os cofres do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) - deve estender-se a todo o tipo de serviços em que exista transmissão de publicidade.

Mantém-se a cobrança da taxa de subscrição para os serviços de televisão fornecidos, por exemplo, pela NOS, MEO e Vodafone. Esta taxa de subscrição, que implica a cobrança de uma taxa anual de dois euros por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, deixa de fora os VOD.

Aos VOD - mesmo que estejam sob jurisdição de outro Estado-membro - é exigida uma obrigação de investimento, ou seja, devem destinar uma parte das suas despesas de investimento na promoção de obras europeias e em língua portuguesa.

E é neste ponto que tem surgido discórdia dentro do setor do cinema e audiovisual e que originou a manifestação, que exige a aplicação de uma taxa aos VOD que reverta também para o ICA, e que seja depois aplicada, transversalmente, em vários apoios financeiros.

No futuro corremos o risco de não ter um instituto democrático, que escolhe os nossos filmes pela qualidade artística e estamos condenados a produzir filmes para lucro. (...) Para haver produções é preciso dinheiro e para haver dinheiro é preciso que estas plataformas contribuam para o ICA", afirmou Pedro Teixeira, porta-voz do movimento estudantil.

Sara Diegues, estudante do primeiro ano do curso de cinema da Escola Superior de Teatro e Cinema, recordou à agência Lusa que é preciso mais financiamento para o cinema em Portugal, porque "tem estado em decadência" e que, por isso, aquelas plataformas deviam ser convocadas para contribuir.

Em Portugal é difícil fazer cinema e muita gente opta por ir para o estrangeiro. Devíamos ter a capacidade de fazer cinema aqui em Portugal, e não nos deslocarmos para o exterior onde o investimento é muito maior", disse.

No protesto estiveram representadas várias escolas de cinema de Lisboa, Porto e Covilhã.

Estou francamente comovida pelos estudantes que organizaram isto e, ao mesmo tempo, completamente revoltada, porque esta lei vai 'cortar as pernas' a estes jovens todos. É incrível como é que é possível que haja agora esta oportunidade de fortalecer os dinheiros públicos do ICA e não se estar a aproveitar para nada disso. É revoltante", afirmou à Lusa a realizadora Teresa Villaverde.

Para o realizador João Botelho, esta é uma tentativa - "não é a primeira nem a segunda", de "desviar a ideia do cinema português para se fazer uma imitação do cinema americano".

Já Gabriel Abrantes disse que o que está em causa é "uma liberalização da cultura por total, uma venda aos grandes interesses e às grandes empresas, nomeadamente a Netflix".

O governo está mais aflito em atrair a Netflix em trabalhar cá do que apoiar o seu próprio cinema. É importante que em Portugal haja financiamento para o cinema e para a cultura", concluiu o realizador.

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