«Comigo não há adepto do Varzim que fique fora do estádio» - TVI

«Comigo não há adepto do Varzim que fique fora do estádio»

Mário Cruz, 42 anos, é um fervoroso adepto poveiro e já foi Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA). Entre a defesa aos sócios do Varzim, histórias sem fim: da avaria à porta da Covilhã ao susto em Alcochete. Do golo de Nelsinho ao socorro a clientes de madrugada após uma deslocação.

Relacionados

«Até ao Fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@medcap.pt

«Juntamente com um punhado de adeptos, não me recordo de falhar um jogo do Varzim há quatro anos, fora e em casa. O relógio está programado. Tenho um negócio de abertura de portas e cofres [ndr: uma drogaria] e os clientes já sabem: o Varzim joga, vou a todo o lado.»

Ao sábado, domingo ou a meio da semana. No Algarve, em Lisboa ou nas ilhas. Mário Cruz já sabe o destino quando o Varzim joga: o estádio. Para apoiar o clube do coração. «Parece que quanto mais velho fico, mais apaixonado me torno. Sofro muito», confessa.

Não falha presença na bancada superior quando há jogo na Póvoa. Faça sol ou chuva. «Sempre na linha do meio-campo, adoro. Já apanhei muita molha, mas sempre lá, em cima dos jogadores», garante.

Com 42 anos, cresceu a ver o Varzim com a velha guarda de associados. Agora, conhece a juventude que apoia o clube na II Liga. Foi e é um elo de ligação entre gerações. No início da época 2018/2019, foi Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA) do Varzim, cerca de meio ano. Nos últimos anos, em paralelo, lutou para corrigir vícios e defender o adepto. «Comigo ninguém ganha dinheiro com o Varzim», diz.

«Fizeram comigo quando era novo e tento transportar: comigo ninguém fica para trás, tenha dinheiro ou não. Quando me convidaram para ser OLA, aceitei porque achava que os sócios estavam a ser injustiçados. Vendia-se convites, não tolerava isso. Uma série de vícios. Não conseguia alugar autocarros na Póvoa e Vila do Conde, porque pessoas que ganhavam dinheiro com as viagens dos adeptos e que vendiam convites, ligavam para as agências para não alugar. Tinha de arranjar autocarros de Guimarães, apesar de o Varzim não entrar com um cêntimo na altura», garante Mário, que procurou evitar posturas impróprias e ajudar os mais jovens da atual claque, na qual reconhecia esforços para apoiar o Varzim.

«Estão em todo o lado, cada vez mais, gastam dinheiro para as coisas do Varzim e, apesar de não ser um deles, reconheci que era em prol do clube. Comecei a ver que não eram tratados de forma igual. Poupavam dinheiro para uma bandeira. Depois, chegávamos aos jogos e quem tinha direito a convites? Estava monopolizado, lutei contra isso, tenho a certeza que consegui mudar e é uma das maiores vitórias. Comigo, não há adepto do Varzim, enquanto for vivo, que esteja num estádio e fique cá fora por não ter dinheiro ou bilhete», defende quem foi, na década de 90, um dos fundadores do “Esquadra Negra”, então claque de apoio ao clube.

«Até meti ciganos e drogados na Praça do Almada»

Mário é sócio ininterrupto há dez anos. Já o tinha sido desde criança, mas deixou por uns tempos na década de 90, por divergências com o então presidente Lídio Marques. Aconteceu num Sporting-Varzim (1-1), em 1997.

«Éramos estudantes e a Câmara da Póvoa tinha-me arranjado um autocarro, mas não tínhamos gente. Era uma vergonha chegar com cinco pessoas a Lisboa num autocarro de 60. Não só por não ter o apoio, mas também perante a Câmara. Até meti ciganos e dois ou três drogados na Praça do Almada. Mas não tinha dinheiro para os bilhetes. Fui ter com o presidente à porta do estádio, pedi-lhe e ele disse que não havia. Entretanto, o meu médico de família estava a passar: vi-o a ir ter com o presidente e este a ir ao bolso e a dar envelopes. Isso caiu-me tão mal. Pegamo-nos ali e desliguei», revela.

«Acabámos por ir ver o jogo, fizemos ‘vaquinhas’ [mealheiro] e conseguimo-nos desenrascar. Não podia deixar as pessoas fazerem 600 quilómetros para ir e vir», conclui.

Golo de Nelsinho, autocarro avariado, FC Porto e Alcochete: as memórias

Golos. Excursões para recordar. A Mário, as deslocações para ver o Varzim jogar davam um livro. Uma das histórias mais bonitas foi a 10 de junho de 2015. No Estádio Pina Manique, o Varzim regressava à II Liga após o empate a um golo com o Casa Pia.

«Destes anos todos, o golo do Nelsinho ao Casa Pia, que vale a subida à II Liga, é um momento que marca todos os varzinistas. O chapéu do Nelsinho vai marcar uma geração», atira.

O golo de Nelsinho recordado por Mário Cruz:

Mais tarde, já no segundo escalão e como OLA, uma avaria rumo à Covilhã só permitiu ver os minutos finais do jogo. Houve também situações de aperto com a segurança.

«O autocarro avariou. Era um autocarro tão fraco, que chegámos lá e faltavam cinco minutos para acabar o jogo. Mas obriguei toda a gente a ir ao estádio. Queriam ir embora e eu disse: “nem pensar!”. Se uma pessoa não tem assim uma história para contar… E o curioso é que passadas estas histórias, as pessoas sabiam que era o mesmo autocarro noutras deslocações e apareciam. Entrávamos no autocarro e o meu coração era: “será que vai aguentar?”. E voltava a avariar. Depois, juntamente com o Leixões, somos considerados clubes de risco perante a polícia e notamos pressão policial. Já tivemos situações injustas. No Sacavenense, um jogo para a Taça, ficámos lá várias horas. Depois, irmos a todo o lado na II Liga e termos bares fechados nos estádios. Tivemos que ir comer a dez quilómetros porque os cafés ao lado dos estádios fechavam para os adeptos do Varzim», nota.

Outra memória foi na recente deslocação à Madeira para um Nacional-Varzim, a 30 de outubro último, no mesmo dia de um Marítimo-FC Porto.

«O nosso avião avariou e ficámos oito horas no aeroporto. No mesmo dia, o FC Porto, que jogou com o Marítimo, fretou um avião para 300 e tal pessoas, passou por nós e tivemos que gramar oito horas à espera de um novo avião», acrescenta.

Para rematar, um momento mais apertado, em Alcochete, após um Sporting B-Varzim.

«Foi há uns quatro anos, levei uma carrinha de 15 lugares. Acaba o jogo e passa alguém que diz: “viva o Leixões”. Um que estava connosco mandou uma boca. Tinha sido o almoço da Juventude Leonina, das claques e pela primeira vez acho que senti receio. E disse: “pá, não vamos sair daqui”. O chefe da GNR vem, sabia o meu nome e disse: “ó Mário, pega na carrinha e vai embora”. Tornou-se feio e não sei como saímos de lá com a carrinha intacta», recupera.

No último jogo da época passada, fez mais: através dos meios de comunicação locais, apelou – e conseguiu – que o estádio abrisse portas para uma enchente no Varzim-Académica, jogo que ditou a permanência na II Liga.

Outra das memórias de Mário: foi o único adepto poveiro num U. Madeira-Varzim, na época 2017/2018. Festejou efusivamente uma imaginada permanência, mas ainda nada estava resolvido. «Acabei a época a sofrer».

A saída de OLA e os autocarros a abarrotar

Mário deixou a função de OLA após o tal jogo na Covilhã, em fevereiro de 2019, mas continuou a ajudar os adeptos, apesar da divergência ideológica com o então presidente, Pedro Faria.

«Não é que uma pessoa esteja para receber os louros, mas de quarta-feira até ao dia do jogo, eu estava numa pressão enorme. Vinha sempre um autocarro de 800 a 900 euros para pagar. Tinha de fazer um preço competitivo e nunca levei dinheiro com margem para 40 pagarem o autocarro. Fazia sempre as contas como se o autocarro fosse cheio. Suponhamos: seis euros, com bilhete garantido. Uma média de 200 a 300 euros que perdia. Depois acabei por desligar, a direção foi por um rumo que não me estava a agradar. Mas todos os fins-de-semana, sempre que o Varzim ia jogar fora, eu disponibilizava autocarro para os adeptos», garante.

«Agora já posso dizer isto à vontade: por exemplo, o autocarro era de 60, muitas vezes íamos 90, porque era um preço que não dava sequer para pagar o gasóleo. Houve um jogo, em Penafiel, que sócios do Varzim começaram a aperceber-se que era eu que tinha de entrar com o excedente, porque não houve uma viagem que desse lucro. Houve uma, se não me engano, ao FC Porto B, por irmos mais 30 dentro do autocarro: foi viagem e bilhete por cinco euros, porque um dos maiores varzinistas que conheço e que na pausa em que deixei de ser sócio pedia sempre para voltar, o Pedro Teixeira, arranjou 40 bilhetes. Eu peguei no lucro e dei à Comissão Administrativa», lembra.

As camisolas e o ofício após chegar à Póvoa

Sempre que vê o Varzim fora, Mário prepara uma carrinha de nove lugares cheia com adeptos. Na volta, fruto da profissão que tem, já teve de responder a alguns serviços.

«Levo uma carrinha de nove lugares, mas vamos sempre 12. Não consigo deixar ninguém, mas não posso levar 20. Já cheguei de Lisboa às três da manhã e tinha pessoas à minha espera para abrir a porta. Digo sempre: “se quiserem aguardar, não me custa nada quando chegar. Mas custa-me para caraças”. Muitas vezes, na própria carrinha, já vou preparado com ferramentas. Agora que estou a lembrar-me disso, só estou a ver as figuras que faço (risos)», expõe.

Jogos. Conciliações. Recordações.

Por isso Mário faz questão de colecionar camisolas. «Uma que eu tenho estima e faço o possível para me servir é do Miranda, atual diretor desportivo. Depois tenho do Nelsinho, gosto muito do Nelson Agra. Marcam-me todos. Vou fazer um desabafo. Eu estou na bancada e, quem me conhece, sabe que quando eu não mandar vir com um jogador dentro de campo, é sinal, às tantas, que não gosto dele. Somos de uma massa de pescadores, é uma vida de esforço e há pescadores que me ligam para saber como está o Varzim. É normal que as coisas corram mal, mas um jogador tem de dar tudo. Insulto e aplaudo todos no bom sentido e não me recordo de um que tivesse gostado menos», expressa.

O amor pelo Varzim já passou para o filho, de 15 anos, que joga nas camadas jovens e também apoia na bancada. Além disso, um desejo final. Dos adeptos ao clube.

«O Varzim é um clube com esforço de muitas gerações e o futebol é para os adeptos. Sem adeptos, não faz sentido. Foi das minhas maiores lutas. Tenho orgulho em todos os varzinistas e acredito que vá ser risonho com esta direção. Há credibilidade, projeto e gostava de ver o Varzim novamente na I Liga, o mais rápido possível», remata.

MAIS «ATÉ AO FIM»

Continue a ler esta notícia

Relacionados