680 minutos imbatível: o que distingue Helton Leite de Vlachodimos? - TVI

680 minutos imbatível: o que distingue Helton Leite de Vlachodimos?

Helton Leite e Vlachodimos

Jorge Jesus mudou de guarda-redes e os resultados dão razão ao treinador do Benfica. Maisfutebol analisa com dois «experts» da baliza o que o brasileiro tem vindo a acrescentar

Baliza fechada. O Benfica não sofre golos para a Liga há 680 minutos. Sete jogos completos, mais 50 minutos no empate em Moreira de Cónegos. Um registo mais do que suficiente para colocar Helton Leite num grupo de elite na história dos guarda-redes do Benfica.

Esta marca faz de Helton o sétimo keeper – apenas o sétimo! - a estar 680 ou mais minutos com a ‘ficha limpa’ na baliza do Benfica. E a lista é impressionante. Vejam bem quem são os outros seis: José Henrique, Manuel Bento, Silvino Louro, Robert Enke, Ederson Moraes, Júlio César e, agora, Helton Leite.

Em dois anos e meio, e 119 jogos, Odysseas Vlachodimos nunca atingiu estes números.

Antes de compararmos os dois homens que lutam com Mile Svilar (a terceira opção) pelo estatuto de dono das redes do Benfica, vamos perceber melhor quem é Helton Leite.

Helton tem 30 anos, começou a jogar no América Mineiro, passou pelo Grémio e por vários emblemas de menor dimensão no Brasil, até ser contratado em 2014 pelo Botafogo. Em 2018 imitou o trajeto emigrante do pai e veio para Portugal.

O saudoso Robert Enke integra esta lista de notáveis na Luz

Sim, Helton é filho de João Leite, histórico guarda-redes do Atlético Mineiro e que passou a época de 1988/89 no Vitória de Guimarães. O filho escolheu o Boavista e foi no Bessa que trabalhou diretamente com Vítor Manuel Pereira.

«Estivemos juntos de janeiro de 2019 até ao final da época. Assisti à lesão grave dele, ficámos muito ligados. No final da temporada eu saí para o Bordéus e o Helton continuou», contextualiza o atual coordenador dos guarda-redes da formação dos Girondins, cargo que acumula com a responsabilidade do treino da equipa B.

«O mais marcante no Helton? Profissionalismo. Isso e a educação e correção extremas. Os adeptos só vêm o produto final, mas posso garantir que isso é o que sobressai a quem trabalha todos os dias com ele. A exigência que ele coloca em tudo.»

Vítor Manuel Pereira acrescenta que Helton é «obcecado pelo detalhe» e obriga-se «a melhorar» nos pormenores que parecem mais insignificantes. «Um centímetro à frente ou atrás faz toda a diferença para mim e para o Helton também.»

Helton Leite «oscila pouco» e tem «dimensão na baliza»

Helton Leite trocou do Bessa para a Luz e foi confrontado com outras exigências. Não no trabalho diário, acredita Vítor Manuel Pereira, mas na forma de jogar da nova equipa. No Benfica, o guarda-redes tem uma «influência maior» no jogo ofensivo.

«Isso obrigou-o a adaptar-se e sinto que está a jogar com mais rapidez e em linhas mais subidas, mais longe da baliza. O Helton sabe quando erra e porque erra. Chegou ao Benfica com maturidade, também como homem, e isso reflete-se na estabilidade com que está e se comporta na baliza. Oscila pouco.»

Do ponto de vista técnico, Helton fez esse upgrade e juntou-o à mais-valia que já tinha na «dimensão física» que a função exige. «É muito grande na baliza, tem envergadura de braços e pernas. Não só de altura. Isso faz com que ações que são de grande dificuldade para outros guarda-redes, para ele são de dificuldade média. Ocupa muito bem a baliza. O Rafael Bracali, por exemplo, era mais rápido. Mas o Helton é suficientemente rápido para ser eficiente.»

Helton ao lado de Lucas Veríssimo no Seixal

Vítor dá mais um exemplo para sustenta a «estabilidade e força mental» do antigo pupilo. «O Helton estreou-se contra o Paredes [21 de novembro de 2020] e sei que se preparou para esse jogo como se fosse a final da Liga dos Campeões. É muito forte mentalmente, muito equilibrado.»

O que falta a Helton Leite para ser melhor? O brasileiro merece os elogios, mas não é perfeito. Vítor Manuel Pereira recorda o guarda-redes que encontrou ao chegar ao Bessa há cerca de dois anos.

«Sou maluco pelo bom posicionamento e senti que o Helton podia crescer nisso. Saber quando tem de encurtar espaço, recuperar posição na baliza, leitura da postura corporal do adversário, leitura da trajetória da bola: todas estas questões foram analisadas e melhoradas por nós, porque sentíamos que ele precisava dessa evolução.»

«O Helton tem-se mostrado forte e não tem compicado»

No dia 8 de fevereiro, Odysseas Vlachodimos foi titular pela última vez no campeonato. O Benfica até ganhou por 2-0 ao Famalicão, mas Helton entrou a titular na meia-final da Taça de Portugal (vitória por 3-1 em casa do Estoril) e manteve o lugar em Moreira de Cónegos (1-1).

Afinal, o que levou Jorge Jesus a trocar de guarda-redes numa fase tão sensível da época?

«Os problemas defensivos do Benfica fustigavam tudo o que Vlachodimos fizesse, de bom ou de menos positivo», considera Roberto Rivelino, treinador de guarda-redes e fundador do site O Mundo dos Guarda-Redes.

«Inevitavelmente, o guarda-redes fica ligado ao todo, mas é sempre um alvo neste tipo de situações.»

Terá sido, então, essa alteração precipitada e injusta?

«O Vlachodimos foi um mal-amado no Benfica. Foi respondendo com esta dedicação que o Helton está também a evidenciar e fez várias fases sem erros com golo sofrido. Isso significou pontos e conquistas ao Benfica», começa por dizer Rivelino, antes de um ‘mas’ importante.

«Depois da primeira paragem devido à covid-19, o rendimento do Vlachodimos começou a mostrar-se diferente. Perdeu o ímpeto que ganhara. O ímpeto que adquirira para mostrar que o Benfica não precisava de ninguém de qualidade superior. Isso foi suficiente para deixar cair em esquecimento o que a equipa técnica de Bruno Lage pretendia. Um guarda-redes de qualidade e background superior, algo que foi público.»

O que distingue, então, este Helton Leite do seu antecessor?

«São guarda-redes diferentes. O Vlachodimos é um guarda-redes que foi crescendo nas decisões de saída da baliza, pelo solo ou pelo ar, e foi-se tornando mais consciente do que era capaz ou não de fazer. No topo das suas capacidades, o Vlachodimos é um guarda-redes sóbrio e que parece ser bom para dar competição ao titular de um clube deste nível.»

E Helton Leite? «Encontra-se num momento de extrema motivação por ter tido instantes de superação na carreira. Desceu níveis para ir a um clube menor no Brasil (São Caetano), isso deu resultado e veio para Portugal. Foi suplente, sofreu lesões e recuperou, jogou e está num clube que disputa provas a um nível alto, quando nada fazia prever que aqui chegasse.»

«O Helton tem-se mostrado forte quando é chamado - jogo aéreo ou cruzamentos, ganho de profundidade ou resposta a remates – e, acima de tudo, não quer aparecer e não tem complicado, porque também tem enfrentado jogos em que a ameaça adversária não é assim tão notada ou notável.»

«Parece ser alguém terra a terra e por isso quer justificar todos os minutos que ali está a ter», prossegue Roberto Rivelino. «Nesta altura, depreendo que parta em vantagem. Um guarda-redes trabalhador e super motivado pode superiorizar-se a alguém com melhores valências, sejam técnicas ou táticas.»

De forma resumida, Helton Leite pode ainda não ter o nível de Vlachodimos em alguns itens do jogo, mas está a ser capaz de oferecer uma estabilidade que o greco-alemão não conseguia. Por motivação, por trabalho, por perseverança.

«O Helton Leite, repito, está a jogar a um nível que não se esperava. Tanto pelo estatuto que nunca ganhou no Botafogo, como pelo raio de ação mais pequeno ou mais limitado para aquilo que se procura num guarda-redes que jogue ao nível de um Benfica-Europeu.»

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