Até um rufia com complexo de Peter Pan merece ser feliz - TVI

Até um rufia com complexo de Peter Pan merece ser feliz

«Era capaz de viver na Bombonera»

«Era Capaz de Viver na Bombonera»

Até o apelido, o biológico, parece pôr a língua de fora. Barwuah, com careta simultânea a descair do moicano. É uma tragicomédia, escrita a cada capítulo a manter esperança no milagre: o tal final feliz.

A criança nele é maior do que em todos nós. É um dos que, a partir da adolescência, recusa envelhecer. Recusa ver o que lhe dá o espelho. Diz não a cada pedido, recusa-se, faz birra, franze o sobrolho, diz umas quantas parvoíces de enfiada, sem final à vista.

É aquele que ainda se ensina a vestir, porque não consegue dar a volta ao colete. A quem se parte o bife, a quem se ajuda com os atacadores. Que volta ao colete e de novo reclama auxílio. É o puto apanhado a folhear pornografia no quiosque, a espreitar prisões femininas por curiosidade, a sair naturalmente de um bar de strip.

É o miúdo das cinco mil libras no carro simplesmente porque pode. Da camisola do rival vestida só para embirrar. Dos 14 minutos de Mourinho ao intervalo a suplicar que se comporte e do vermelho na jogada seguinte.

Mario é o bully inofensivo que só quer divertir-se, que dá tudo por uma boa gargalhada, o boss que resiste às push-ups, que atira dardos aos outros putos mais novos, que incendeia a própria casa a brincar com fogo-de-artifício. É alguém que não se pode deixar sozinho em casa, com medo que deixe o bico do gás aberto.

É uma criança encarcerada num corpo de adulto, o maior exemplo conhecido da Síndrome de Peter Pan a dar toques na bola pelo relvado.

Só que ele é também o Hulk que deixa Neuer duas vezes de joelhos e leva os azzurri à final de um Europeu. O miúdo que se acha super-herói e tira a camisola para mostrar que não tem igual, que não há superpoderes como os seus. Que acerta remates ao ângulo de fora da área, em jeito e em força. Que segura a bola de costas e permite que toda a equipa suba. Aquele que é veloz, que dribla, que explode, como uma sentença inevitável, para o golo. O craque-rufia, o craque irreverente, o craque com mau feitio. Mas craque.

É Super Mario, o tal diamante-cliché que já mostrou ser impossível de lapidar. Talento puro, jogadorzaço com quem só se pode conviver em cru. É assim ou não é, não há como mudar.

Mario é como Pedro e o Lobo, porque quando deixarmos de acreditar pode mesmo ser verdade. Não faço parte da mainstream que só gosta de finais felizes, mas acho que tanto talento merece que este filme tenha um. Que seja na verdade uma daquelas comédias românticas, cheia de avanços e recuos, de figuras tristes, humilhações e equívocos, mas em que tudo se resolve, e não a tragédia que andava meio mundo a prever.

Ele que afaste o complexo e se deixe a si próprio crescer. Que aprenda a vestir de vez o colete sem ajudas.

Je suis Balotelli!

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica de Luís Mateus, Director do MAISFUTEBOL, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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