Não acha que devia saltar fora do rebanho, leitor? - TVI

Não acha que devia saltar fora do rebanho, leitor?

Box to Box

Box-to-box

Os clubes grandes adoram fazer psicologia das multidões. Geralmente são liderados por homens que se deixam embebedar pelo poder: chegam não se sabe bem de onde e de repente têm a capacidade de manipular milhões de pessoas.

A ideia de autoridade, de domínio, de supremacia que os invade deve ser inebriante.

Por isso sentem-se verdadeiramente poderosos. A faculdade de dominarem a coisa mais importante do mundo para os portugueses, e por arrasto dominarem boa parte dos próprios portugueses, fá-los sentirem-se soberanos e comportarem-se como tiranos.

Os dirigentes de clubes em Portugal são totalitaristas, intolerantes e repressores.

Sentem-se invulgarmente bem em público, numa espécie de comunhão hitleriana: sabem que tudo o que dizem é recebido com uma ovação. E prezam muito ocupar o palco. Adoram ser o centro das atenções e encher as manchetes, abarrotando o espaço público que no mundo do futebol devia ser ocupado por treinadores e jogadores.

Têm enfim todos os tiques de um ditador, e mais: não sabem viver em democracia. Para os clubes grandes, a liberdade de informação é um conceito terrível.

No fundo não estão habituados ao contraditório.

O Benfica, por exemplo, cometeu um enorme atentado à liberdade de imprensa recentemente: ameaçou processar os órgãos de comunicação social que dessem eco ao conteúdo dos emails que já estavam no espaço público, eram divulgadas pelo Porto Canal e por blogs.

Convém recordar, de resto, que tudo isto aconteceu num clube que há uns anos, através do canal próprio, transmitiu as escutas do Apito Dourado que tinham caído no youtube.

Por isso não foi totalmente surpreendente que o Benfica tenha revelado o pedido de uma audiência com carácter de urgência à Procuradora-Geral da República para falar da violação do segredo de justiça num caso em que um dirigente do clube é suspeito de ter, ele próprio, violado reiteradamente o segredo de justiça.

No fundo, o que parece é que o Benfica não está assustado com o facto de estar a ser investigado: está assustado com o facto de ser notícia que está a ser investigado.

A SAD encarnada não é, porém, caso único. Muito longe disso.

O Sporting, de resto, através da voz do presidente, desafiou os adeptos a deixarem de ler jornais desportivos e a deixarem de ver televisões portuguesas, à exceção da Sporting TV.

Basicamente pediu aos adeptos que mergulhassem no séc. XIX: que deixassem de estar informados, que deixassem de ser críticos, que deixassem enfim de fazer escolhas.

A troco do quê? De enfraquecer a imprensa. Bruno de Carvalho queria criar um rombo nos órgãos de comunicação social, ignorando que a imprensa é um pilar da democracia: oxigena os cidadãos e torna a sociedade mais livre.

Tudo isto, convém recordar, apenas porque não gostava do que era dito.

Já o FC Porto tem, também ele, um longo rol de atropelos à liberdade de imprensa.

Não me esqueço, por exemplo, do dia em que Pinto da Costa expulsou um jornalista, credenciado, do Dragão aos empurrões, porque não gostou de uma pergunta. O que até é ilegal: o direito de acesso dos jornalistas à notícia está consagrado pela lei de imprensa e é irregular ser-lhe vedado.

Ou do dia em que o mesmo Pinto da Costa disse a um segurança que a RTP estava proibida de entrar no Olival. Porquê? Porque não tinha gostado de um sketch dos Gato Fedorento.

Os dirigentes de clubes grandes são isto. Os opressores dos tempo modernos.

Por isso, porque sentem que têm esse poder e porque não têm um pingo de sentido democrático, estabelecem verdadeiras ditaduras nos clubes que dirigem: os jogadores não podem falar, os treinadores só dão declarações em conferências cada vez mais limitadas e controladas, até os familiares dos jogadores – no cúmulo dos cúmulos – são proibidos de falar publicamente.

Os clubes têm uma obsessão doentia por controlar a informação. Não são os únicos. Na política, por exemplo, há também uma obsessão semelhante. Mas os políticos conhecem melhor os limites até onde podem ir. Os dirigentes não.

Vivem mergulhados em regimes ditatoriais e acham que é normal. Porquê? Basicamente porque se sentem legitimados a ser assim.

Que tudo isto aconteça numa democracia madura e estável como é a nossa, não me parece só ridículo: parece-me demasiado perigoso.

Corrompe-se muito facilmente a herança que nos foi deixada de mão beijada, e que é provavelmente dos recursos mais valiosos que temos. Por isso lembrar os clubes que a democracia não se defende nos intervalos, pratica-se, é uma prova valente de respeito pela cabeça de cada um. Mais do que isso até, é um exercício de higiene mental.

O leitor não acha que há alturas em que tem de saltar fora do rebanho?

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias

Continue a ler esta notícia