Evergrande: o que se sabe sobre o gigante chinês que ameaça a economia mundial - TVI

Evergrande: o que se sabe sobre o gigante chinês que ameaça a economia mundial

  • João Guerreiro Rodrigues
  • 22 set 2021, 16:15

Com o gigante chinês do imobiliário prestes a entrar em incumprimento, muitos temem que o seu colapso gere um efeito dominó. O que pode acontecer?

É uma das empresas mais valiosas do mundo e pode estar prestes a entrar em insolvência, ameaçando arrastar consigo uma parte considerável da economia mundial. Mas, afinal, o que é a Evergrande e o que podemos esperar da empresa que alguns analistas temem que leve o mundo para “um momento Lehman Brothers”?

O que é a Evergrande?

O colosso da construção foi fundado pelo bilionário Xu Jianyin, em 1996, e está sediado na cidade de Shenzhen. O grupo emprega diretamente mais de 200 mil pessoas e quase quatro milhões de pessoas indiretamente. 

Como quase todas as empresas desta dimensão, o foco de negócio da Evergrande já se alastrou muito para além do mundo da construção e do imobiliário. O grupo detém 50% da equipa de futebol da primeira liga chinesa Guangzhou FC, com o gigante tecnológico Alibaba a deter a restante percentagem.

Mas os investimentos da empresa nesta área não ficam por aqui: a Evergrande é também proprietária da maior escola de futebol do mundo e está a construir o maior estádio de futebol do mundo, num negócio que se prevê custar 1,7 mil milhões de dólares (aproximadamente 1,449 milhões de euros). O estádio, em forma de flor de lótus e que está previsto estar concluído em 2022, vai ter 100 mil lugares, um pouco mais do que os atuais 99 mil do Camp Nou, em Barcelona.

O grupo opera ainda na área da saúde, dos parques de diversão, tem projetos de exploração de energia solar, projetos agrícolas e até já chegaram a ter uma marca de água mineral.  Atualmente, conta com mais de 1300 projetos de grande escala em mais de 280 cidades

O que está na origem do colapso?

Para compreender o real impacto económico que a queda deste gigante poderá representar, é preciso perceber que o mercado imobiliário na China é visto por muitos dos seus cidadãos como o único grande investimento. E. numa nação que viu os preços da habitação a subir acima dos 10% ao ano, durante vários anos, nos últimos dez anos, não estavam errados.

Na China, não existe propriedade privada. Toda a propriedade pertence ao governo, que vende concessões de 99 anos a empresas imobiliárias. A Evergrande adquiria propriedades, projetava edifícios e vendia os apartamentos antes mesmo de começar a obra, utilizando os fundos obtidos para obter mais dívida e mais concessões para novas obras.

Esta fórmula funcionou durante algum tempo e resultou num crescimento gigantesco da empresa chinesa, tornando-a a 122.ª maior do mundo em termos de receita, de acordo com a Fortune Global 500 de 2021. No entanto, fez com que a sua dívida disparasse para uns incríveis 300 mil milhões de dólares (256 mil milhões de euros), dos quais falhou o pagamento dos juros esta semana, aumentando ainda mais o receio dos investidores de que a empresa possa vir a falir.

A pressão aumentou significativamente depois de Xi Jinping ter anunciado a vontade de querer alterar a visão do país para com o investimento imobiliário e combater a especulação no setor, limitando fortemente a capacidade destas empresas de contraírem dívida. “Propriedades são para se viver e não para especular”, afirmou o líder do Partido Comunista Chinês.

Se alguns analistas aplaudem a vontade do presidente chinês de fazer mudanças profundas para corrigir uma economia desequilibrada, muitos outros alertam para o risco do problema fugir do controlo das autoridades. 

Xi pode estar a pensar: 'Se tiver de partir alguns ovos, parto alguns ovos'", afirmou Damien Klassen, gestor australiano, ao jornal britânico The Guardian. "Tenho a certeza de que o presidente prefere que 25% da economia não esteja ligada ao imobiliário. Xi quer mudar a sociedade, tornar as propriedades mais baratas. Isso não é mau. Mas será que ele o vai conseguir? Pode acabar com uma crise de dívida em mãos”, reforçou.

Agora, devido às medidas tomadas por Pequim para controlar o crescimento súbito da dívida privada chinesa, o grupo está com dificuldades em refinanciar os seus empréstimos e é incapaz de gerar a liquidez necessária para gerir a sua própria dívida e chegou mesmo a admitir não conseguir vender ativos a uma velocidade suficientemente rápida para cumprir os compromissos para com os seus credores. 

O que pode acontecer?

Caso o governo chinês não entre em cena para resgatar o gigante do imobiliário, a empresa poderá entrar em liquidação, levando a que os mais de 1,5 milhões de pessoas que depositaram dinheiro de casas que ainda não foram construídas percam não só o dinheiro como a casa.

Além disso, todas as propriedades geridas pela empresa seriam colocadas no mercado de forma a pagar parte da dívida da empresa, fazendo com que o mercado chinês seja “inundado” por propriedades abaixo do preço de mercado, afetando, dessa forma, as restantes imobiliárias que operam num país, onde o imobiliário e a construção representam entre 14% e 25% do PIB, de acordo com algumas estimativas. 

Caso este cenário se venha a confirmar, as restantes empresas imobiliárias podem vir a encontrar-se numa posição semelhante à da Evergrande, arrastando consigo milhares de outras empresas, não só da área da construção e do imobiliário, mas como também toda uma cadeia de fornecedores de matérias-primas, que por sua vez seriam obrigados a aumentar os preços para compensar a ausência de procura, alastrando a crise a outros setores e, possivelmente, para a todos os países com fortes ligações comerciais com a China.

Outra das possibilidades é um forte impacto no setor financeiro da China, que é um dos mais endividados. 

Ainda assim, o cenário mais provável é o da reestruturação da dívida, tal como aconteceu esta quarta-feira, quando a Evergrande revelou ter chegado a um acordo com os detentores de obrigações, para evitar o incumprimento. A empresa disse que uma das suas filiais, Hengda Real Estate, tinha negociado um plano de pagamento de juros sobre uma obrigação com vencimento em 2025.

Segundo a Bloomberg, Evergrande reembolsaria 232 milhões de yuan (30,5 milhões de euros) da dívida devida na quinta-feira sobre a obrigação de 5,8%, que se destina ao mercado obrigacionista doméstico.

É possível que algo semelhante aconteça com outros credores.

A quem é que a Evergrande deve dinheiro? 

Entre os maiores credores do gigante da construção estão nomes bem conhecidos dos mercados financeiros, como o fundo gigante BlackRock, o banco de investimento britânico HSBC, o banco norte-americano Goldman Sachs, o Banco do Canadá e a seguradora Allianz. 

Porém, nem todos estes grupos estão a encarar a crise da mesma forma. Se por um lado empresas como a Allianz e os fundos Fidelity e Pimco reduziram abruptamente as suas posições na empresa, no período entre janeiro e agosto de 2021, a BlackRock e o HSBC reforçaram bastante a compra de dívida da Evergrande.

A BlackRock comprou 31,3 milhões de títulos de dívida da Evergrande durante esse período e aumentou a sua exposição para 1% dos ativos do seu fundo na Ásia, de acordo com a Morningstar. 

Queda da Evergrande pode afetar o Ocidente?

Apesar de tudo, a generalidade dos analistas norte-americanos e europeus desvalorizam o impacto económico da falência da Evergrande no Ocidente e afastam um cenário idêntico ao efeito dominó de 2008, com a queda do banco Lehman Brothers, uma vez que o mercado chinês tem uma conectividade financeira relativamente reduzida.

Mesmo que as autoridades asiáticas consigam conter o impacto económico de uma possível queda da Evergrande e o respetivo contágio do setor imobiliário, os especialistas consideram que a construção, um negócio-chave no crescimento económico da China, “vai diminuir substancialmente nos próximos anos”. 

Como estão a reagir os investidores?

Independentemente do futuro da empresa, os mercados financeiros reagiram com força aos receios de um cenário ao estilo do Lehman Brothers, cuja falência precipitou a crise financeira de 2008 nos Estados Unidos, levando os mercados mundiais a mergulhar nos últimos dias. 

A preocupação dos mercados com o gigante chinês foi de tal forma visível que, na segunda-feira, dia 20, Wall Street teve uma das piores sessões do ano, com todos os principais índices em queda. O Dow Jones perdeu 1.78%, o Nasdaq recuou 2,19% e o S&P 500 desvalorizou 1.70%. 

Em igual sentido esteve o mercado das criptomoedas, ainda que com uma correção mais acentuada. Liderada pelas perdas da Bitcoin, as restantes moedas chegaram a registar perdas superiores a 10%. 

Questionada sobre estas inquietações, a porta-voz do presidente dos EUA Joe Biden, Jen Psaki, relativizou: “Trata-se de uma empresa chinesa, cujas atividades estão sobretudo concentradas na China”.

“Dito isto, acompanhamos sempre os mercados mundiais, incluindo a avaliação de todos os riscos para a economia dos EUA e estamos prontos a reagir de maneira apropriada, se necessária”.

Para Karl Haeling, do LBBW, “o risco de contágio só existe se as autoridades chinesas deixarem a Evergrande cair totalmente na falência, mas isto não faz sentido para a China, dados os problemas internos e os cortes de emprego que isso ia causar”.

Além do receio de um efeito dominó, outros fatores enervaram hoje os investidores num mercado com alguma instabilidade desde há vários dias, avançou Gregori Volokhine, da Meeschaert Financial Services.

Não estou convencido de que a China, um país comunista, intervencionista, deixe cair a Evergrande”, afirmou.

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