«Um Dia de Cada Vez»: até onde nos leva a alegria? - TVI

«Um Dia de Cada Vez»: até onde nos leva a alegria?

  • IOL Cinema
  • Rui Pedro Vieira
  • 11 mar 2009, 23:16
«Um dia de cada vez»

As premissas deste filme genuinamente britânico são tão simples quanto sinceras

De repetente, o cinzento e sisudo Mike Leigh deixou-se dominar pelo sorriso colorido de Sally Hawkins. É o que parece neste delicioso «Um Dia de Cada Vez» (mais uma tradução redutora face ao original Happy-Go-Lucky), obra cujo propósito é evidenciar o poder da alegria.

E até onde pode ir a boa disposição? Muito longe, contagiando tudo e todos, até quem não quer dar uma cedência à depressão e ao isolamento.

As premissas deste filme genuinamente britânico são tão simples quanto sinceras. O objectivo é apenas o de seguir os passos de Poppy, uma professora primária numa escola dos subúrbios londrinos, que optou por ser feliz. Apenas isso. Sempre afável, tem um visual muito próprio - feito de roupas exuberantes e botas de salto pontiagudo - e uma atitude descomprometida perante a vida. Às críticas de que é boazinha de mais, a protagonista responde com uma piada. Aos apupos pela sua irritante gargalhada, Poppy apenas se limita a repeti-la. E logo ao fim de poucos minutos o espectador está rendido pela singeleza das suas intenções.

Hábil na criação de personagens, o realizador de «Vera Drake» dá descanso ao pessimismo e volta a construir com particular sensibilidade a figura de Poppy. Afinal, o filme gira totalmente em seu torno. E é pelo seu olhar doce que conhecemos a irmã mais nova que está prestes a ser mãe, o aluno problemático da sua turma ou o seu instrutor de condução.

Neste ponto, o cineasta supera-se porque a evolução da relação entre a personagem de Sally Hawkins e o instrutor maníaco vivido com particular engenho por Eddie Marsan (repetente às ordens de Mike Leigh) expressa muito bem até onde podem ir duas personalidades antagónicas. O crescendo de tensão faz-se ao mesmo tempo que nos vamos afeiçoando às duas figuras, o que torna o desfecho ainda mais surpreendente.

Mas, antes, já Poppy nos mostrou que é possível ser-se feliz nos dias de hoje. Seja numa aula de flamenco que se transforma num espaço de libertação afectiva, ou numa saída até às tantas com as amigas de sempre. Poppy é luminosa, verdadeiro farol num quotidiano de pessoas apagadas.

«Um Dia de Cada Vez» chegou às salas nacionais com algum atraso e não teve a exibição merecida. Nos Óscares também foi esquecido, com excepção da justa nomeação para a estatueta dourada de Melhor Argumento Original. Devia tê-la ganho. Porque a sua história episódica, e adepta de um realismo sensível, é prodigiosa no modo como nos mostra como o mundo é para Poppy.

E falar deste filme sem sublinhar Sally Hawkins é o mesmo que falar de «Casablanca» e esquecer Paris. A jovem actriz britânica, que começou por dar nas vistas na televisão, mas que já entrou em «O Sonho de Cassandra», de Woody Allen, é uma revelação. Prodigiosa na forma como se entrega à figura que é a alma da história, foi justamente galardoada com o Urso de Prata de Melhor Actriz no Festival de Berlim e até causou surpresa ao ganhar um Globo de Ouro. Afinal, ser feliz até compensa!
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