Wim Wenders:  «A doença do nosso tempo é a falta de tempo» - TVI

Wim Wenders: «A doença do nosso tempo é a falta de tempo»

Wim Wenders no Fantasporto

Entrevista no Fantasporto

O realizador alemão Wim Wenders afirmou em entrevista concedida à Lusa durante o 29º Fantasporto, que «a doença do nosso tempo é a falta de tempo».

Depois de sete ou oito anos nos Estados Unidos, voltou à Europa, zangado com Bush e a política norte-americana, para fazer um filme sobre algo que considera ser realmente importante e isso é «a falta de tempo.

Wenders, 63 anos, frisou que «na sociedade actual as pessoas não vivem o momento, mas sim em função ao futuro, mesmo que seja só do momento seguinte».

Filme fantástico

Considerou que o seu novo filme, «Palermo Shooting», «é certamente fantástico, porque é sobre os sonhos e os sonhos são fantásticos. É também sobre a morte, mas onde ninguém morre».

O personagem principal é um fotógrafo alemão que divide a sua carreira de sucesso entre a e arte e a moda, numa vida trepidante, que suspende quando, no meio da sua correria, escapa por um fio a um acidente de carro que seria certamente mortal.

Isto fá-lo repensar toda a sua vida e, logo a seguir, no fim de uma última sessão de fotografia de moda em Palermo, na Sicília, Itália, «uma cidade onde há um culto da morte muito marcado, único na Europa, e só comparável ao do México», decide parar, repensar a vida e viver o presente.

«Quando se olha a morte de frente, passa-se a viver a vida de forma diferente», afirmou.

«Há, em muitos filmes, quase todos, imensas mortes, mas a morte nunca aparece como personagem, é um tabu. Isso não acontece na música, nomeadamente no rock e nos blues, onde a morte é tratada de forma aberta», considerou.

«Fiz este filme como um rocker faz uma canção de rock ou um bluesman compõe um blues», cantando a tristeza e a morte, disse.

Lembranças de «Lisbon calling

Quanto a Portugal, onde já rodou «Lisbon Story», (1994) Wenders conta que, desde que em criança olhou pela primeira vez o mapa da Europa, lhe pareceu ser «a cara da Europa a olhar para o mar e a sonhar com novos mundos».

«Os portugueses são sonhadores, algo tristes e têm também a sua forma de blues, embora lhe chamem outra coisa [o fado]», considerou.

Acha que «nos últimos 20 anos os filmes americanos estão realmente a influenciar o mundo, muito mais que a própria política americana, mas também é evidente que há muita fome por outro tipo de alimento cinematográfico para as nossas mentes e corações».

«A visão americana do mundo, patente nos seus filmes, está provavelmente tão errada como a sua política e é por isso que os filmes europeus - e em particular os documentários - estão de novo a ser apreciados na Europa e no mundo», disse.

Lamentou o desaparecimento de boa crítica de cinema, o que considera «um facto que faz parte do processo industrial do cinema».

«Quem escreve hoje sobre cinema sabe que pode dizer mal de filmes de baixo orçamento, mas também que se deitar abaixo uma grande produção de milhões de dólares, vai prejudicar o seu jornal, estação de rádio ou TV, que perderão receitas publicitárias», afirmou.

Quanto à dificuldade na exibição de filmes europeus na Europa, devido ao domínio dos circuitos de distribuição e exibição pelos estúdios de Hollywood, Wenders defende que «a solução é que logo nas escolas se ensine as crianças a ver cinema e a saber como se fazem filmes».

«Cachaíto» López

«Vivemos num mundo regido por imagens, há que ensinar às pessoas a distinguir o trigo do joio», defendeu.

Wim Wenders comentou ainda à Lusa a morte, há poucos dias, do contrabaixista cubano «Cachaíto» López, último membro do Buena Vista Social Club, celebrizado pelo seu filme homónimo de 1999.

«Quando fizemos o filme todos esses músicos tinham já mais de 80 anos, Compay tinha 92, mas estavam tão cheios de vida! Mas apesar do sucesso mundial, nenhum mudou. Ficaram em Havana e dividiram tudo com a família e os amigos. Era triste saber que os íamos ver partir mais tarde ou mais cedo», considerou.
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