«Estômago»: uma fábula de Marcos Jorge em que o sexo e o poder passam pela comida - TVI

«Estômago»: uma fábula de Marcos Jorge em que o sexo e o poder passam pela comida

Estômago - Raimundo Nonato / Alecrim - João Miguel

Filme rico em sabores que vão deixar o espectador satisfeito

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Deixe-se apanhar pelo «Estômago», pois esta é uma porta que vai abrir-se para um filme rico em vários sabores e que vai estrear na próxima semana. Apresentado em Portugal como «uma história nada infantil sobre poder, sexo e gastronomia», a vida do cozinheiro Raimundo Nonato que é também o recluso Alecrim coloca-nos desta forma dupla frente à condição humana emoldurada por várias questões que são, não só brasileiras, mas também universais, na forma de uma das suas manifestações imperativas: comer ou ser comido.

«Estômago» é a primeira longa-metragem de Marcos Jorge, um realizador brasileiro que manteve neste filme de 2007 só agora distribuído em Portugal a tendência para ser premiado que caracteriza um percurso construído sobre curtas-metragens, filmes documentais, trabalhos publicitários ou vídeo-instalações de apreciação mais plástica. Marcos Jorge tem feito um trajecto que se percebe ser bem sedimentado e esta longa-metragem reflecte esse carácter de um processo cuja segurança dos passos é revelada pela solidez dos resultados.

Por isso, não espanta o currículo de prémios com que «Estômago» vai chegar às salas portuguesas - quer para o filme, para a realização, ou para o actor João Miguel (Raimundo Nonato/Alecrim), o protagonista deste drama (também thriller nas próprias palavras do realizador) em forma de comédia. Esta dualidade de forma é essência subjacente ao filme e uma razão de base para que resulte: as duas histórias do protagonista são contadas em simultâneo para que a revelação da personagem seja feita com a intervenção racional e emocional do espectador, ao mesmo tempo que a degradação e inevitável corrupção daquela em função da sua sobrevivência se impõem.

«Estômago» é «uma fábula» que Marcos Jorge quis que «fosse filmada de maneira muito realista», como o realizador contou ao IOL Cinema numa entrevista que pode ler num dos artigos associados. Raimundo Nonato chega à cidade ao mesmo tempo que o vemos também chegar à prisão. É o quadro típico da tábua rasa que começa a apanhar com inscrições a uma velocidade que nunca tinha sequer concebido como possível. E o resultado é o esperado: ou reage ou em breve desaparecerá. É o que percebe tanto o Raimundo Nonato cozinheiro do boteco como o Alecrim barraqueiro da cela [na gíria das prisões brasileiras o recluso que recorta, (ou seja, melhora) a comida para os outros].

É nesta(s) dualidade(s) em que sobrevive o herói que é também ao mesmo tempo anti-herói que Marcos Jorge nos coloca perante várias questões de índole brasileira, mas ao mesmo tempo (também muito) de âmbito mais universal. As relações humanas estão em evidência (novamente) com um duplo zénite entre o poder e o sexo tendo a gastronomia (leia-se o prazer pela comida) como constituinte comum e que alimenta a construção/degradação dessas relações conforme é mais conveniente àquela personagem que inspira a maior simpatia ao mesmo tempo que nos promete que coisa boa não fez.

Em «Estômago», emoção e razão não se anulam pelo conflito de definições, mas conseguem conviver pela forma inteligente como estas manifestações foram idealizadas e, depois, desempenhadas. Muitas vezes é-se sugestionado por algo que vemos os outros fazer. E depois de ver um filme onde tanto se fala de comida até se poderia ter o impulso de ir comer qualquer coisa. Mas não será o caso. Depois destas duas horas ficar-se-á satisfeito.
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