Mineiro Aljustrelense: o campo que murmura a história - TVI

Mineiro Aljustrelense: o campo que murmura a história

Já foi das minas, pujante, e fortaleza de uma equipa com pergaminhos no futebol sul-alentejano. Vai renascer brevemente, com uma nova alma.

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CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

Sport Clube Mineiro Aljustrelense

Um clube com história tem de ter um campo cheio de estórias. O campo onde se travaram as mais duras batalhas, onde tombaram gigantes, e muitos sonharam. Sonharam um dia ser maiores que aquelas quatro paredes, voar além das fronteiras do concelho, chegar alto, como Jorge Soares, ou outros que por lá andaram e também almejaram a I Divisão.

O velho Campo das Minas repousa agora em silêncio. Já não testemunha a azáfama domingueira à volta dos grandes derbies do distrito de Beja. Das emoções tricolores, como o equipamento do clube da terra, o Mineiro Aljustrelense. Está à espera de uma nova vida, que a Câmara, que adquiriu os terrenos onde foi edificado, prepara para lhe restituir a dignidade.

Enquanto isso, definha aos poucos. Alguém fez dele cavalariça e é também local para nidificação para cegonhas. A ordem de despejo, garantem-nos, estará para breve. Para trás, fica um passado recheado de páginas bonitas, escritas com muito amor ao jogo da bola. Murmura-se história. Vale a pena saber como tudo começou.


Campo das Minas nos anos 50. Fotografia cedida por Francisco Colaço.

A inauguração oficial foi marcada para 2 de Janeiro de 1949. Novo ano, novo espaço para a prática de uma modalidade que arrancara atrás das outras, mas crescera muito mais depressa. Anos pós-guerra, quando a Europa se erguia das cinzas, a economia voltava a animar, e a mina tornava-se outra vez pujante. O futebol foi de boleia.

É batizado de Campo Madame Van den Bosch, em honra à sua benemérita, a esposa do administrador das Minas, na altura sob controlo belga, que, percebendo a importância de se criar um espaço adequado para a prática desportiva dos mineiros, mandou endireitar e construir balneários no campo já ali existente.

Era uma tarde cinzenta e chuvosa de domingo (um campo de futebol só poderia ser inaugurado a um domingo), mas, mesmo assim, relata a imprensa da época, o recinto foi inundado por uma assistência colossal que aplaudiu calorosamente a equipa local, o Sport Clube Mineiro Aljustrelense. Um dérbi, pois claro.

Depois de terem empatado em Beja, os mineiros brindaram o Despertar com um inapelável 4-0. Jogava-se o Campeonato Nacional da III Divisão da Associação de Futebol de Beja e quem ganhou sagrou-se campeão distrital. Para o efeito, foi mandada fazer a Taça Natal, oferecida por Paul Van den Bosch, presidente do Conselho de Administração das Minas de Aljustrel. Ficou o troféu em casa. Um final feliz, portanto.

Jogo começa atrasado devido à avaria do carro dos visitantes

o campo, em homenagem aos seus benfeitores, esvoaçavam nos mastros as bandeiras de Portugal e da Bélgica. No discurso de inauguração, a cargo de Edmundo da Silva, presidente da Assembleia Geral do emblema anfitrião, aludia-se já à importância do futebol como o «desporto das multidões», daí a necessidade de a vila ter um espaço como aquele, graça a um casal muito especial.

A madame Van den Bosch agradeceu os elogios, cortou a fita, e o povo aplaudiu.


Campo das Minas nos anos 50. Fotografia cedida por Francisco Colaço.

Numa história como esta não podiam faltar imprevistos. O primeiro jogo neste campo começou atrasado. Nada de novo, certo? Foram 40 minutos até que a equipa bejense estivesse em condições de dar início à partida. Culpa de uma avaria no carro que a transportou desde a capital do distrito.

Os aljustrelenses não se importaram. Foram fazendo a festa até que a bola começou a rolar. Ainda segundo os relatos da época, ganhou a equipa física e tecnicamente melhor preparada, que perdeu até ensejo de dar maior colorido ao «placard» tal foram as ocasiões falhadas. Mesmo assim, louve-se o hat trick de Mateus II, aproveitando duas assistências do irmão Mateus I, e ainda um golo de Izidro.

Ideias para preservar uma mística bairrista

Voltemos ao presente. O local de reunião dos adeptos ao domingo já não acontece no bairro mineiro de Vale d’ Oca, mas numa outra extremidade da vila, onde o moderno Estádio Municipal, de piso sintético, alberga dezenas de miúdos e os seniores, atualmente no Campeonato Nacional de Seniores.

O Campo das Minas não foi, porém, esquecido pela autarquia. Há um plano para revitalizar o espaço, ainda com uma boa margem de manobra para fazer ali algo que se perpetue e, ao mesmo tempo, possa passar valores às gerações vindouras. No fundo, pretende-se preservar uma identidade e uma mística bairrista, à volta de um clube e do espaço onde se exprimia.

«O Campo das Minas vai ter de se adequar à nova visão daquela área geográfica, respeitando, ao mesmo tempo, aquilo que são necessidades, marcas identitárias daquele bairro mineiro», revela ao Maisfutebol Nélson Brito, presidente da Câmara de Aljustrel.

«Os bairros mineiros sempre tiveram a tradição dos hortejos, o quintal para a pequena produção familiar. Iremos contribuir com uma parte desse espaço para um projeto de hortas comunitárias», especifica o edil, desvendado uma primeira parte daquilo que está na forja para aquela zona


Uma equipa de juniores do Mineiro Aljustrelense dos anos 70: ao fundo, vê-se a parede com mensagens políticas

A segunda ideia passa por recuperar a parede do peão, onde, nos anos da ditadura, antes de aparecerem anúncios publicitários, havia mensagens políticas. «No fundo, seria fazer um mural para imortalizar aquele espaço enquanto campo de futebol, de muita glória desportiva, que servia para a confraternização, mas também era um espaço de reação politica», explica.

Um arquiteto da terra está a pensar na melhor forma de implementar o projeto. Tudo está ainda em aberto, e até as bancadas podem continuar de pé. «É uma questão de o próprio projetista ter essa criatividade. Aquilo que pedimos é que era importante manter ali um elemento, um traço visual marcante que indicasse que houve ali o Campo das Minas», reitera Nélson Brito.

«O elemento, ou imagem marcante, seria esse mural com as antigas travessas do caminho-de-ferro. É uma imagem de marca daquele campo, com frases, e com uma visão política da altura e de reação ao regime vigente», reforça. O pragmatismo na gestão dos dinheiros públicos não permite que o velho campo volte a ter uma utilização desportiva. «Numa vila de cinco mil habitantes e tendo um complexo com um pavilhão, um estádio, um campo de treinos, e uma piscina coberta, não faz sentido termos outra infraestrutura com a mesma finalidade», conclui.

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