Formou-se no FC Porto, foi colega de Nuno Gomes e ainda sonha em Loulé - TVI

Formou-se no FC Porto, foi colega de Nuno Gomes e ainda sonha em Loulé

Paulo Jorge (foto: Louletano)

Paulo Jorge, médio formado no FC Porto, no «Conto Direto»

"Conto direto" é a nova rubrica do Maisfutebol, que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Paulo Jorge, 28 anos, médio do Louletano:

«A equipa do Louletano é totalmente profissional, por isso treinamos de manhã e, em alguns dias da semana, fazemos trabalho complementar de ginásio durante a tarde. Eu sou natural de Braga e estou sozinho no Algarve, num apartamento. A minha esposa vem cá de vez em quando, visitar-me, pois tem o trabalho dela. Já desde muito novo que estou fora de casa, desenrasco-me bem.

A experiência no Louletano tem sido muito boa. Tem condições muito difíceis de encontrar no Campeonato de Portugal, o clube não falta com nada. A equipa tem muita gente que já estava cá o ano passado, o que é bom, e estamos na luta pelos nossos objetivos. Se calhar esperava jogar com mais regularidade. Nos últimos dois clubes em que estive jogava mais a titular, mas é um clube novo, os jogadores que transitaram já tinham o seu lugar, entre aspas. Estou na luta. Ainda fizemos poucos jogos, também por causa da pandemia, mas mesmo não sendo indiscutível estou a gostar muito de estar aqui.

Eu sou de Braga, como disse, e comecei no Merelinense, ainda nas equipas de recreação. Mas como federado comecei no Sporting de Braga. Fui lá treinar e fiquei, mas ainda nas escolinhas, a pagar.

Depois fui para o FC Porto, mas comecei pelo Padroense, que faz de equipa de sub-16 do FC Porto. Foi algo muito bom, pois os nossos colegas do Benfica e do Sporting andavam a jogar nos distritais, nesse primeiro ano de juvenis, e nós no Nacional. Até jogávamos contra o FC Porto. Essa semana era muito engraçada, com picardia na escola, onde andávamos quase todos.

Logo nesse ano deixei a casa dos meus pais e fui para a Casa do Dragão. Não foi muito difícil adaptar-me, era um ambiente familiar e acolhedor. E eu tinha a vantagem de ir a casa ao fim de semana. Não ficava um mês sem ver os pais, como colegas que eram de zonas mais distantes.

Passava muito tempo com o Lupeta (ndr. atualmente no Maccabi Petah Tikva, de Israel), que foi meu colega de quarto dois ou três anos. Dava-me bem também com o Tozé (Al-Nasr, dos Emirados Árabes Unidos), com o Tiago Ferreira (MTK, da Hungria) e com o João Novais (Sp. Braga). Disputávamos a mesma posição mas tínhamos uma relação muito boa. O Tozé era dos que mais se destacava em campo, já nessa altura, assim como o Fábio Martins (Al Shabab, da Arábia Saudita). Já se notava que era diferenciado.

Nos sub-17 fui campeão nacional com o Pedro Emanuel como treinador. Foi top, jogava sempre com ele. Era muito exigente, metia muita responsabilidade nos jogadores. Nesse ano as convocatórias da seleção tinham uns onze jogadores do Sporting e três ou quatro nossos. Quando saiu a convocatória para o Europeu o nosso diretor apareceu com a lista a dizer que era uma vergonha. Felizmente tivemos a felicidade de conquistar o título com uma vitória sobre o Sporting, em casa, na última jornada. A convocatória mexeu connosco. Só eu, o Tiago Ferreira e o André Teixeira é que fomos convocados.

Paulo Jorge nos sub-17 do FC Porto: é o jogador assinalado, o primeiro da direita na fila de baixo. Ao seu lado está João Novais e ao meio, na mesma fila, está Tozé. Fábio Martins é o segundo a partir da esquerda na mesma fila, a de baixo.

O treinador adjunto dessa equipa era o Paulinho Santos. Era muito tranquilo. Tentava incutir os valores do Porto, a mística do clube, mas não é aquilo que toda a gente pensa. As pessoas pensam que ele era só porrada, mas ele entrava nos treinos e tinha muita qualidade. Também aprendi muito com o Rui Gomes, que foi meu treinador nos dois anos de juniores, e que é agora adjunto do Pedro Emanuel. Fui campeão de juniores logo no primeiro ano. Nesse escalão joguei também com o Atsu e com o Gonçalo Paciência.

Desses colegas do FC Porto devo dizer que o João Novais me surpreendeu muito. Está no Braga merecidamente, melhorou muito. Fico muito feliz por ele. O Fábio já esperava que fizesse carreira, o Tozé também, assim como o Tiago Ferreira, o Lupeta, o Ricardo Alves. Esperava outra carreira do Pipo, o Filipe Barros (ndr. atualmente no Rebordosa), que era titular nas seleções jovens e tinha qualidades muito boas. O David Bruno também tinha muita qualidade.

Cheguei a treinar com a equipa principal do FC Porto, quando era ainda sub-17. O treinador era o Jesualdo. Era a equipa do Falcao, Bruno Alves, Belluschi, Meireles. Estive com eles dois dias, mas foi dos dias mais felizes que tive. Receber um telefonema aos 16 ou 17 anos, para ir treinar à equipa principal… comecei logo a ter borboletas na barriga. Foi um momento muito feliz. Entrar lá, olhar à volta, ver aqueles jogadores… sentes-te pequenino. Fui muito bem recebido. Sentei-me ao lado do Nuno Espírito Santo e no final do treino o Fucile deu-me uma camisola de jogo. Ainda hoje a guardo. Ele falou comigo no treino, via-se que queria acolher bem os jovens. Mas não houve ninguém que nos tenha recebido de forma menos boa. Ficou guardado esse momento para sempre.

Somei 34 internacionalizações, dos sub-16 aos sub-19. Essa geração tinha muitos craques: João Mário, Bruma, Ivan Cavaleiro, Cancelo, Hélder Costa, André Gomes, João Carlos Teixeira, Tiago Ilori, Edgar Ié…

O FC Porto mudou um pouco a forma de olhar para a formação, mais por motivos financeiros do que propriamente por vontade. Mas acho que isso é geral, foi assim com praticamente todos os clubes. Agora olham mais para a formação, procuram outra mina de ouro como o João Félix.

Eu deixei o FC Porto na passagem para sénior. Ia regressar a equipa B, mas eu não estava feliz e o clube também optou por não fazer contrato profissional comigo. Houve uma reunião e disseram que não contavam comigo.

Depois assinei pelo Blackburn. Tive de ir à experiência, mas ao fim de uma semana quiseram ficar comigo. Foi uma experiência top. Da minha geração acho que, nessa altura, era o que estava melhor. Andava tudo nas equipas B e eu na II Liga inglesa. A dada altura era o jogador com mais cotação. Ajudou muito a presença de outros portugueses, como o Nuno Gomes. Foi uma pessoa sempre prestável, a dar bons conselhos, a mostrar como lidar com as situações. Tinha sido capitão da Seleção, isso não é brincadeira. Era de humildade tremenda, foi um prazer enorme.

Publicação do Instagram de Paulo Jorge, com uma imagem ao lado de Nuno Gomes, no Blackburn Rovers

Acabei por não jogar assim tanto. O treinador saiu ao fim de uns quinze jogos, e para todos os portugueses acabou a aventura. O Nuno até estava a marcar muitos golos. Tínhamos outros jogadores a assumir influência, eu fiz logo os primeiros jogos, e estávamos a entrar aos poucos, como jovens que éramos. Estávamos em segundo ou terceiro lugar, atrás do Leicester do Harry Kane e do Jamie Vardy.

Em 2012/13 fui emprestado ao Beroe, da Bulgária, mas não foi nada do meu agrado. Estava à espera de ir para lá e ter minutos, e não aconteceu. É algo que tento apagar do meu histórico, por assim dizer. Foi um capítulo menos positivo.

Depois fui para o Erndtebrück, da Alemanha. Foi o meu maior erro. Foi um erro muito grande. Às vezes pensamos que ir para fora é o passo certo, e era a Alemanha, mas, se calhar, mais valia mostrar-me no nosso país. Era a quarta divisão, mas um nível idêntico aos melhores clubes do Campeonato de Portugal, e os jogadores ganhavam lá o que, aqui, alguns da Liga não ganham. Mas foi um mau passo, nem avaliei bem a equipa para onde ia, e teve repercussões na minha carreira. Não jogava em Inglaterra, mas preocupei-me demasiado com a parte financeira. Devia ter saído do Blackburn mais cedo, mas eu queria a totalidade do meu contrato, eles queriam que abdicasse de parte. Achei que, naquele momento, deveria aproveitar mais a parte financeira, que depois tinha tempo. Infelizmente não pensei bem. Estou onde estou devido a essas situações, a más decisões em fases cruciais, entre os 20 e os 24 anos.

Em 2017 fui para o Gaz Metan, da Roménia, mas estive lá só até janeiro. É um campeonato muito bom. Toda a gente fala dos ordenados - e também é preciso ver isso bem -, mas a nível de competitividade é bom, e também conseguimos ter qualidade de vida. Fui julgado um bocado por um jogo que correu menos bem, e depois acabei por sair.

Nessa altura pensei que estava há muito tempo fora, e que nada tinha corrido como eu esperava, e que era altura de voltar, de procurar a felicidade novamente. Assinei então pelo Trofense. No primeiro ano cheguei com o campeonato já a meio e estávamos em zona de despromoção. A pressão de subir não é a mesma de descer. Foram seis meses um bocado stressantes, mas conseguimos que o clube não descesse. No ano a seguir o objetivo era subir, e fizemos um campeonato muito bom, mas não conseguimos. Os adeptos puxam muito pelo clube, pela cidade, querem ver o Trofense nos campeonatos profissionais. Gostei muito de o representar.

Depois, na época passada, estive no mágico Espinho. Também um clube movido pelos adeptos, que impõe respeito até fora de casa. As bancadas eram todas nossas, não havia hipótese. Adeptos exigentes, mas que apoiam a equipa ao máximo, que vão para todo o lado. Ali, do pouco se consegue fazer muito. As condições são más, mas o clube é especial, tem um grito muito característico que passa para o campo. Sentes mesmo aquela emoção, parece que ganhas força.

Paulo Jorge no histórico Sporting de Espinho (foto: SCE)

Não vou mentir. Às vezes, quando vejo jogos com antigos colegas, chego a pensar que até era superior, mas que agora é ele que está ao mais alto nível. É normal existir frustração, claro que custa. É diferente com jogadores que nunca foram internacionais, ou não passaram pela formação de um grande, e para os quais estar no Campeonato de Portugal até já pode ser bom.

Depois de ter uma formação num clube top, com presenças na seleção e tudo, contava estar na Liga, no mínimo. Infelizmente as coisas não se concretizaram. Estou no Louletano, mas não desisto, aos 28 anos. Se fosse para desistir ficava em casa, em Braga, ao pé da família. Quando decidi vir para aqui, mesmo no Campeonato de Portugal, foi para mostrar-me. Acredito que alguma coisa boa pode aparecer. Não sei o quê, nem onde, mas acredito que vai aparecer.»

 

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