Controlo por QR code, máscara e isolamento: a vida de um português na China - TVI

Controlo por QR code, máscara e isolamento: a vida de um português na China

Residente há dois anos em Pequim, Tiago Simões terminou as férias e voltou à capital chinesa no início de fevereiro. O relato de um treinador de guarda-redes português que viveu por dentro a luta dos chineses contra a propagação da Covid-19

Relacionados

Tiago Simões, treinador de guarda-redes na academia iKicker Football Club, mora em Pequim há dois anos. Após um período de 13 dias de férias na Indonésia com a namorada, o português de 36 anos regressou à China a 4 de fevereiro. Voltou, por isso, num país em plena luta para travar a evolução da Covid-19.

As medidas de controlo começaram no voo de regresso à capital chinesa.

«Logo durante o voo tivemos um controlo apertado. Fomos obrigados a preencher uma série de documentos para provar que não tínhamos estado em cidades afetadas pelo coronavírus. Comprometemo-nos também a ficar em quarentena. Depois de aterrarmos, isolaram uma rapariga que tinham estado em Wuhan», começou por relatar, ao Maisfutebol.

Controlo, controlo, controlo. Foi assim desde que Tiago Simões e a companheira deixaram a aeronave até chegarem a casa. «Tiraram-nos a temperatura e fomos obrigados a usar máscaras. Aqui as máscaras e os desinfetantes esgotaram, mas nós comprámos na Indonésia. À porta do condomínio onde moramos, voltámos a ser controlados e preenchemos um documento com os nossos dados. Caso contrário, não nos deixavam entrar em casa», explicou.

A rotina, que tantas vezes nos enfada, alterou-se por completo repentinamente. «Iniciámos a quarentena logo após conseguirmos autorização para ir às compras. Fomos de manhã, dia 4 de fevereiro, e trouxemos alimentos para 15 dias. Ficámos isolados em casa durante os 14 seguintes. Cumprimos religiosamente», esclareceu.

 

A imagem do elevador do condomínio onde vive Tiago Simões. 

Tiago Simões perdeu a liberdade tal como a conhecia. Durante cerca de 50 dias, este português saiu apenas para ir às compras e nunca demorou mais de uma hora. Enfrentou, forçosamente, inúmeras restrições impostas pelo governo chinês.

«Há seguranças nas duas saídas do meu condomínio. O governo criou uma aplicação que regista todos os nossos dados. Tem tudo: o dia em que entrámos na China, o voo em que chegámos, os nomes, a morada, os números do passaporte. Temos um QR code para nos tirarem a temperatura em várias zonas de controlo – caso tenhamos 37,3 chamam as autoridades de saúde. É assim que saio de casa», contou.

«É obrigatório sair de máscara, caso contrário somos multados. Há um mês, os chineses criaram uma máquina para medir a temperatura. Como? Tem um sensor e após passares, revela-te a tua temperatura.  Além disso, leem o teu QR code em todos os locais que entras para verem onde andaste, quando chegaste e para evitar que as pessoas furem a quarentena. Devemos também evitar aglomerados de pessoas. Para ter ideia do nível de controlo aqui, a polícia veio duas vezes a nossa casa em sete dias para registar dados», acrescentou.

O exemplo de uma máquina que capaz de ler o QR code.


O técnico de guarda-redes sublinhou que é proibido tocar com as mãos seja onde for e que até as compras no supermercado é aconselhado a desinfetar.

«Utilizo um papel para não tocar nos botões do elevador, embora sejam desinfetados de hora em hora. Levo sempre gel para limpar as mãos. Limpo tudo o que compro com toalhitas desde o pacote de papel higiénico ao de bolachas. Os produtos frescos também são todos lavados. Desinfeto o calçado, coloco a roupa para lavar e tomo banho», disse.

Tiago Simões recordou um episódio em que teve de ir à Embaixada portuguesa em Pequim para ilustrar o nível de prevenção na China. «Quando entras no Didi [espécie de Uber] tens de estar de máscara e o carro desinfetado. Há um acrílico de separação entre os lugares de frente e de trás para não haver contacto. O carro tem também de estar ventilado e com o vidro um pouco aberto. Além de máscaras, todos os funcionários da embaixada são forçados a usar óculos de proteção ocular».

Ruas praticamente desertas, poucos espaços abertos. Pequim tornou-se uma cidade fantasma como tantas outras no mundo. Apenas no centro é possível detetar algum movimento. Sinais de um cauteloso regresso à vida.

«Esta semana tive de ir ao centro por causa do passaporte e aí veem-se mais pessoas. Os postos de controlo mantêm-se. Almocei numa pizzaria com a minha namorada e com o primo dela e tiraram-nos a temperatura antes de entrarmos», referiu a título de exemplo.

 

As máscaras são de uso obrigatório na China.

Embora o país esteja a lentamente a recuperar, Tiago Simões permanece em casa sem trabalhar. «O meu patrão tem sido fantástico. Continuo a receber na mesma, mas sei que há pessoas que não receberam ou que receberam apenas o salário mínimo», afirmou.

Nos últimos dias, é importante assinalar que a China só registou casos importados do novo coronavírus.

«A quarentena passou a ser obrigatória em locais estipulados pelo governo. Mal entram na cidade são encaminhados para hotéis, sem sequer terem acesso as suas casas», explica.

Esteve para sair da Indonésia para Itália (onde a namorada tem família), mas preferiu retornar à China. A última mensagem do relato de um português que viveu por dentro a luta contra a Covid-19.

«Posso deixar uma mensagem para Portugal? Não toquem na cara. Lavem as mãos e a cara várias vezes ao dia. Fiquem em casa, sigam as indicações das autoridades de saúde e respeitem o período de quarentena», concluiu.

*Fotos: Tiago Simões





 

Continue a ler esta notícia

Relacionados