O que a bola faz à cabeça: agora o impacto na memória - TVI

O que a bola faz à cabeça: agora o impacto na memória

Cabeça

Investigação científica conclui que cabeceamentos habituais no futebol resultam em alterações na função cerebral e na memória a curto prazo, mais um estudo para reforçar uma discussão ainda longe de certezas

O que a bola faz à cabeça é uma discussão sem fim. Neste caso falamos sobre o sentido literal da expressão: que consequências pode ter para o cérebro a prática recorrente de cabecear uma bola. Um estudo científico no Reino Unido defende ter agora encontrado uma relação direta: a memória a curto prazo é afetada.

A investigação da universidade de Stirling, na Escócia, divulgada na publicação online EbioMedicine, quis observar o impacto do cabeceamento de rotina, aquele que se pode fazer várias vezes por treino ou por jogo. Para isso pediu a um grupo de jogadores que cabeceassem 20 vezes a bola disparada de uma máquina preparada para reproduzir o ritmo e a força de um pontapé de canto.

A função cerebral e memória dos jogadores foram testadas antes e depois dos exercícios e ainda acompanhadas ao fim de 24 horas, 48 horas e duas semanas. Na análise aos dados, os investigadores concluiram que se registaram «alterações na função cerebral» e também em alguns dos mecanismos de memória, reduzidos entre 41 e 67 por cento nos testes realizados imediatamente a seguir ao cabeceamento.

O estudo diz ainda que os efeitos «pareceram transitórios», tendendo a esbater-se ao fim de 24 horas. Mas defendem que esta é a primeira vez que se encontra uma ligação direta entre o cabeceamento rotineiro da bola e alterações cerebrais, e recomendam estudos adicionais para analisar eventuais efeitos a longo prazo.

«À luz da preocupação crescente com os efeitos do desporto de contacto na saúde cerebral, queríamos ver como os nossos cérebros reagem instantaneamente a cabecear uma bola», diz a neurocientista Magdalena Ietswaart, uma das autoras do estudo, ao «Guardian»: «Detetámos de facto inibição aumentada do cérebro após o cabeceamento e os testes de memória mostraram reduções significativas. Embora as alterações fossem temporárias, acreditamos que são significativas para a saúde do cérebro, particularmente se acontecerem repetidamente, como acontecem no futebol.»

O neuropatologista William Stewart, também envolvido no estudo, deixa mesmo um conselho prático, perante as conclusões da investigação. «Face ao que os dados até agora sugerem, que é apenas algo de curto prazo e que dura 24 horas, penso que se fosse pai de um filho que tivesse um exame na quarta-feira dir-lhe-ia talvez para faltar ao treino de futebol na terça-feira. Diria que, se demora 24 horas a recuperar, nesse período de 24 horas, se tens algo importante para fazer não devias jogar futebol.»

O debate sobre o impacto da bola na cabeça não é de agora e ainda no ano passado levou a Federação dos Estados Unidos a introduzir uma recomendação formal aos clubes para que evitem nos treinos que crianças com menos de 11 anos cabeceiem a bola.

A medida surgiu depois de um grupo de pais de jogadores norte-americanos ter apresentado uma ação coletiva num tribunal da Califórnia contra a Federação, que acusava de negligenciar o acompanhamento e investigação das lesões cerebrais associadas a cabecear a bola. Também começou por avançar com uma ação contra a FIFA, mas o tribunal não deu seguimento a esse caso.  O processo não exigia indemnizações, mas a mudança nas regras, o que levou às tais alterações introduzidas pela US Soccer.

Nos Estados Unidos o debate é alargado, porque existe o caso bem mais notório da NFL e das lesões cerebrais associadas ao futebol americano. Um estudo recente falava em 40 por cento de antigos jogadores afetados por problemas cerebrais.

Em alguns desportos, como o râguebi, foram introduzidas medidas para tentar reduzir o risco de traumatismos, e no futebol a Federação inglesa (FA) e a UEFA também introduziram regulamentações que pretendem lidar com as concussões em campo.

A FA anunciou em maio deste ano que iria conduzir um estudo sobre lesões cerebrais em jogadores, depois de também em Inglaterra a família do antigo internacional Jeff Astle ter lançado uma campanha a alertar para a questão.

Astle morreu em 2002, quando tinha 59 anos e sofria de demência. Investigações posteriores ao seu cérebro, conta o «Guardian», concluiram que sofria de encefalopatia traumática crónica e um médico concluiu que a doença derivava do impacto na cabeça da bola de futebol, que no seu tempo era de couro e muito mais pesada que hoje. Essa tese foi confirmada em tribunal.

A FIFA defende que não há conclusões claras sobre o assunto. Jiri Dvorak, responsável médico do origanismo, argumentava isso mesmo em novembro do ano passado, em reação às limitações impostas aos cabeceamentos nos Estados Unidos.

«Tanto quanto sabemos, não há atualmente verdadeiras provas do efeito negativo de cabecear a bola. Os resultados de estudos em jogadores profissionais no ativo ou retirados são inconclusivos», afirmou.

O responsável da FIFA citou na altura outra investigação para reforçar a sua tese. «Estudos epidemiológicos internacionais apresentados recentemente, que avaliaram 395,395 horas de jogo e treino em crianças de 7 a 12 anos, revelaram 26 lesões na cabeça, oito das quais foram traumatismos», diz. 

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