«Vendi camisolas na feira, dei medalhas e fiquei com o Dragão de Ouro» - TVI

«Vendi camisolas na feira, dei medalhas e fiquei com o Dragão de Ouro»

Nuno Avelino foi campeão europeu de sub-18, terceiro no Mundial sub-20 mas não convenceu Mlynarczyk no FC Porto: «Se tivesse mais 10 centímetros tinha chegado ao Real Madrid ou ao Barcelona»; terminou a carreira em 2012 devido a lesão, teve de vender na Feira da Vandoma para subsistir e emigrou em 2014 para a Suíça, onde trabalha como contínuo numa escola primária

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«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Nuno Avelino, conhecido apenas como Avelino ao longo da carreira, era uma grande promessa das balizas portuguesas no início dos anos 90. O guarda-redes formado no FC Porto ajudou a seleção nacional a garantir um quarto lugar no Europeu de sub-16 em 1992, a sagrar-se campeão europeia de sub-18 em 1994 e alcançar a terceira posição no Mundial de sub-20 em 1995.

O FC Porto depositava enormes esperanças em Avelino, premiando-o com o Dragão de Ouro na época 1991/92 para o Melhor Jovem do Ano. Porém, o guarda-redes nunca representou a equipa principal. Faltava-lhe altura, segundo Jozef Mlynarczyk. «Tenho 1,80 metros. Se tivesse mais 10 centímetros tinha chegado ao Real Madrid ou ao Barcelona», diz o antigo jogador, agora com 44 anos.

Avelino teve ainda assim uma carreira rica, com presenças regulares na Liga, representando clubes como Felgueiras, Penafiel, Beira Mar, Leça, Marco, Freamunde, Boavista, Varzim e Tondela, o último destino no percurso como profissional. Uma grave lesão precipitou o fim inesperado, em 2012, e o que veio depois foi um choque.

«Cheguei a um ponto em que não tinha dinheiro e, todos os sábados, ia às duas da manhã para a Feira da Vandoma, para garantir lugar e para vender material desportivo que tinha e as camisolas que tinha trocado ao longo da carreira. Tudo para ter 100 ou 150 euros para subsistir», admite Nuno Avelino.

O futebol virou-lhe as costas e o antigo guarda-redes sofreu. Sofreu muito. Atravessou uma depressão, confessa, e quis desfazer-se de tudo o que estivesse relacionado com esse mundo cruel: «Fiquei tão revoltado que dei tudo o que tinha ganho, vendi camisolas na feira, dei as medalhas e só fiquei com o Dragão de Ouro.»

Em fevereiro de 2014, decidiu afastar-se da vida que conhecia e emigrou para a Suíça, para começar de novo. Um novo começo com trabalho, trabalho árduo, como o comum dos mortais. O Maisfutebol encontra-o a trabalhar como ‘concierge’, vulgo contínuo, numa escola de Vernier, Genebra. Uma mudança radical.
 

Nuno Avelino no Campeonato da Europa de sub-18 em 1994



Maisfutebol – Quando é que acabou a carreira como jogador profissional e decidiu seguir outro caminho?

Nuno Avelino – Infelizmente, eu não decidi nada. A decisão não esteve nas minhas mãos. Fui profissional até aos 37 anos. Quando fui para o Tondela, assinei por uma época mas havia um compromisso verbal para me renovarem por mais um ano, em caso de subida. O Vítor Paneira garantiu-me que isso acontecer, que isso era sagrado. Na última semana da época, em que subimos de divisão, fiz uma rotura de ligamentos e mandaram-me embora. Quando o Vítor Paneira chamou-me para comunicar a decisão, insultei-o de cima a baixo. Não sei se foi ele ou o presidente Gilberto Coimbra a decidir, mas a verdade é que viraram-me as costas. Hoje em dia, quando vejo um jogo em que está o Vítor Paneira a comentar, mudo logo de canal.

MF – Como reagiu a ficar sem clube e ainda com uma rotura de ligamentos por tratar?

NA - Bati no fundo, tive uma depressão enorme e não tive ajuda de ninguém, nem sequer do Sindicato de Jogadores. Sabe porque é que o Sindicato não me ajudou? Porque tinha quotas por pagar. E tinha quotas por pagar dos anos em que o Boavista ficou a dever-me oito meses de salário - e ainda me deve - e o Varzim ficou a dever-me seis ou sete meses de salário. Fui profissional durante vinte anos e quando chegou a altura, não me ajudaram. Tinha quotas por pagar? E as quotas que paguei nos outros anos todos, serviram-me para quê?

MF – Sentiu dificuldades financeiras nessa fase?

NA – Sim. Fiquei cerca de um ano a fazer recuperação, a pagar tudo do meu bolso. Cheguei a um ponto em que não tinha dinheiro e, todos os sábados, ia às duas da manhã para a Feira da Vandoma, para garantir lugar e para vender material desportivo que tinha e as camisolas que tinha trocado ao longo da carreira. Tudo para ter 100 ou 150 euros para subsistir. Cheguei a falar com pessoas do FC Porto, mas propuseram-me ir trabalhar um ano sem ganhar na Dragon Force. Então eu estava sem dinheiro e ia trabalhar de graça? Isso era impossível para mim.

MF – Foi uma mudança drástica na sua vida.

NA – Quando és jogador de futebol, crias um certo estilo de vida, queres ter as melhores roupas, ir aos melhores restaurantes, etc. Habituei-me a isso e foi um choque tremendo. Fiquei muito tempo sem ver futebol, porque o futebol deu-me tudo mas também me tirou tudo. Ajudei muita gente ao longo da carreira e todos viraram-me as costas. Fiquei tão revoltado que dei tudo o que tinha ganho, vendi camisolas na feira, dei as medalhas e só fiquei com o Dragão de Ouro que ganhei na época 1991/92 para Melhor Jovem do Ano no FC Porto. É a única coisa que tenho guardada, está em casa dos meus pais.

 

Nuno Avelino no FC Porto

MF – Quando é que tomou a decisão de emigrar para a Suíça?

NA – Saí do Tondela no verão 2012 e vim para a Suíça em fevereiro de 2014. Pelo meio ainda fiz uns cinco ou seis jogos pelo Sport de Rio Tinto, mas percebi que tinha de mudar de vida, sair daquele meio. Foi quando resolvi vir para a Suíça com a minha atual mulher. Vim sem nada, apenas com um espaço para dormir na casa de um amigo, e mal chegámos fomos inscrever-nos nas empresas de trabalho temporário. Vim a chorar no avião, mas saí de Portugal também para afastar-me do mundo do futebol, do meio em que estava.

MF – Foi fácil encontrar um emprego na Suíça?

NA - A verdade é que, algum tempo depois de chegar à Suíça e como as pessoas foram sabendo que eu estava cá, comecei a receber convites para voltar a jogar. Eu disse que só jogava se me arranjassem trabalho e assim foi. Fui jogar para o Famalicão daqui e arranjaram-me um emprego numa empresa a limpar vidros. Eu não sabia nada daquilo, mas felizmente ensinaram-me e ajudaram-me bastante a evoluir. Quando cheguei cá, não sabia nada. Felizmente, na primeira empresa apanhei um português que me ensinou tudo. Ensinou-me a limpar vidros, a limpar alcatifas, etc.

MF – É isso que ainda faz atualmente?

NA - Não, fiquei lá apenas alguns meses. Entretanto passei para esta empresa, a Real Nettoyages, de manutenção e limpeza, que é de um português de Mondim de Basto, Francisco Reis da Silva. Para além de trabalhar numa escola como ‘concierge’ - como se diz aí contínuo, ou auxiliar - sou o braço direito dele na empresa, ajudo a organizar o pessoal para os diversos serviços. Acordo às 5h30, na maior parte dos dias chego a casa lá para as 18h00 e às 21h30 já estou na cama.

Nuno Avelino na Real Nettoyages
Nuno Avelino na Real Nettoyages

MF – O que faz no dia a dia?

NA - Trabalhei noutras escolas e agora fixei-me nesta. A escola onde estou, escola de Vernier, tem cerca de 150 alunos. Há ‘concierges’ que vivem no espaço da escola, pagam uma renda à comuna, mas eu vivo fora. A escola tem um período de funcionamento normal das 8h00 às 16h00, depois das 16h00 há ATL até às 18h00 e depois as salas de ginástica são utilizadas até às 21h00 pela população. Eu tenho de ficar a ver se fica tudo limpo depois das 16h00 ou tenho de chegar cedo, às 6h30, para limpar as salas, as casas de banho, os espaços desportivos, ver se falta alguma coisa, se é necessário fazer encomendas de material, etc. A altura mais complicada é no final de junho, quando é preciso retirar tudo das salas e envernizá-las. É preciso fazer sempre isso antes de poder ir de férias.

MF – Como é que foi a adaptação a essa realidade?

NA - Foi um processo de adaptação muito difícil, a adaptação a um país diferente, à língua, às rotinas, mas consegui. O mais difícil é mesmo mudar o chip, porque o futebol é vida boa, fazes o que gostas, ganhas bem e tens fama. Se gosto do que faço agora? Não. Mas cumpro, cumpro horários, nunca faltei a um dia de trabalho, sou o primeiro a chegar e o primeiro a sair. Sou respeitado pelo trabalho que faço e já era assim no futebol, trabalhava muito. Eu consegui mudar o chip, mas muitos continuam a viver de expedientes e de favores, sem assumirem publicamente as dificuldades.

MF – Está totalmente afastado do futebol?

NA - Não. Para me distrair, apenas, estou a treinar uma equipa portuguesa, a Association des Portugais de Genève, e foi quando vim para aqui que voltei a sentir-me melhor com o futebol. Estes sim são verdadeiros campeões, porque trabalham, treinam, jogam, não ganham dinheiro e ainda pagam quotas. E a equipa é boa, atenção, já chegou à Taça da Suíça.

MF – Que balanço faz da sua carreira?

NA - Consegui ser internacional em todos os escalões, venci o Campeonato da Europa de sub-18, fui terceiro no Campeonato do Mundo de sub-20 e joguei vários anos na primeira divisão. Claro que sinto que podia ir mais longe. Aliás, sinto que se tivesse mais 10 centímetros, tinha chegado ao Real Madrid ou ao Barcelona.
 

Nuno Avelino no Campeonato do Mundo de sub-20 em 1995

MF – Foi por isso que não singrou no FC Porto?

NA - Sempre fui visto como o sucessor natural do Vítor Baía e cheguei a estar seis meses no plantel principal do FC Porto, com Bobby Robson e com o Mlynarczyk como treinador de guarda-redes. Eu tenho 1,80 metros e o Mlynarczyk dizia sempre que me faltava altura. Gostava de guarda-redes mais altos. Por isso é que mais tarde foi buscar o Hilário, que tinha sido meu suplente na formação, e o Taborda, após um jogo-treino com o Freamunde.

MF – Quando é que terminou a ligação ao FC Porto?

NA - Devo ter sido dos poucos jogadores a tomar a iniciativa de rescindir com o FC Porto. Ainda tinha mais dois anos de contrato quando decidi ir falar com o Reinaldo Teles para chegar a acordo, porque queria seguir a minha vida e infelizmente no clube não ia ter oportunidades.

MF – De qualquer forma, está satisfeito com o seu percurso?

NA - Fiz algumas épocas boas, sobretudo no Beira-Mar e chegou a estar tudo preparado para eu ir para o Sporting de Braga, porque o Quim ia sair para o Benfica. Só que o Quim só foi no ano seguinte para o Benfica e a hipótese perdeu-se. De qualquer forma, sinto-me orgulhoso daqui que fiz e sinto que dei muito, porque sempre fui muito competitivo, muito sério no trabalho, trabalhei bastante pata conseguir o que consegui.
 

Nuno Avelino no Penafiel



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