Covid-19 deixou ex-jogador em coma durante 42 dias - TVI

Covid-19 deixou ex-jogador em coma durante 42 dias

Hélder Gomes

Hélder Gomes despertou sem força nos músculos e com marcas para a vida. Perdeu o Natal, o Ano Novo, o 18.º aniversário do filho e até a morte do ídolo Maradona

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«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Este é um Depois do Adeus especial. Hélder Gomes fez a formação no FC Porto e no Salgueiros, não indo além de cinco anos como sénior no Ramaldense, famoso clube portuense que disputa os Campeonatos Distritais. Porém, a sua história de vida tem capítulos impressionantes, como aquele que surgiu de forma inesperada em novembro de 2020.

O antigo extremo, atualmente com 47 anos, testou positivo à covid-19 a 10 de novembro de 2020. Cinco dias depois, com febre persistente e tosse seca, foi internado no Hospital Pedro Hispano. Daí, foi transferido para o Hospital de Santo António e, perante a gravidade da situação, seguiu para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

«Eu precisava da ECMO e a única disponível estava no Santa Maria. Induziram-me o coma ainda aqui no Porto e segui para Lisboa. Estive 42 dias em coma, segundo me disseram os médicos, durante esse período tive uma trombose e despertei em janeiro, como se tivessem desligado e ligado um botão. Estive quase do outro lado, estive morto e voltei», explica Hélder Gomes, ao Maisfutebol.

O ex-jogador sentiu a vida a escapar entre os seus dedos, de um momento para o outro. Tudo mudou desde novembro e as marcas ficarão para sempre. Nesta altura, Hélder está no Centro de Reabilitação do Norte, em Vila Nova de Gaia, tentando recuperar o máximo de funções motoras.

Ainda há um longo caminho pela frente e Hélder Gomes sabe o que já não volta: enquanto esteve em coma, perdeu a celebração do Natal, do Ano Novo, o 18.º aniversário do filho (4 de dezembro) e até a morte do ídolo Diego Armando Maradona (25 de novembro).

«Tive muita pena de falhar o aniversário do meu filho e olhe, foi ele que me disse que tinha morrido o meu ídolo, o Maradona. Não fazia ideia, só soube depois. Enfim, é tudo muito confuso. O pós-coma é complexo, há coisas que não sei se aconteceram, se foi sonho. A cabeça não funciona direito. Ainda agora, tenho lapsos de memória», salienta.

Hélder Gomes escapou à morte e teve de encontrar forças para viver de novo. Superar os desafios físicos e mentais: «Quando despertei, dei comigo quase sem movimentos. Só mexia o antebraço e nem conseguia, por exemplo, coçar o nariz. Não conseguia mexer as pernas, não conseguia ficar sentado, manter o pescoço direito. Há mazelas que vão ficar para toda a vida, há outras que se vão resolvendo com a fisioterapia.»

«Tenho várias pessoas amigas que me disseram que o panorama era tão negro que achavam que eu não ia resistir. Se estou feliz? É o copo meio cheio, meio vazio. Estou feliz porque sobrevivi, mas claro que penso no que perdi e no porquê de isto me ter acontecido», confessa.

Antigo desportista, sem problemas de saúde conhecidos, Hélder não era encarado como um paciente de risco. «A minha mãe apanhou covid, o meu pai, uma irmã que mora com eles. Eu, que sou fisicamente o mais forte, fui quem ficou pior. A única questão que tinha era algum excesso de peso, de resto sempre fui perfeitamente saudável», desabafa.

Hélder Gomes luta agora pela sua qualidade de vida. Diariamente, submete-se a fisioterapia no Centro de Reabilitação do Norte, ali bem próximo da Praia de Valadares. Enquanto o sol brilha lá fora, o ex-jogador dá o máximo no interior para recuperar a mobilidade.

«Faço fisioterapia das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 16h30. Para quem praticou desporto como eu, são exercícios que eu fazia nos infantis. Canso-me muito facilmente, é duro, mas sei que tudo o que fizer neste momento será importante para o meu futuro», salienta.

Sair do Centro de Reabilitação do Norte a andar é o grande objetivo de Hélder. «Não há prazos nisto, mas eu faço 48 anos a 31 de maio e queria já ter saído daqui nessa altura, e a andar. Não gostava de sair sem estar a andar. Já me consigo colocar de pé, com ajuda, mas ainda não consigo dar passos. Preciso de recuperar massa muscular para ter força suficiente para dar passos, porque perdi mais de 20 quilos, perdi a massa muscular toda.»

«Os profissionais daqui são do melhor que pode haver. Ao início, só comia papas porque os músculos da traqueia não funcionavam e não me conseguia mexer na cama. Agora, já me coloco de pé, já como sozinho e bem, consigo vestir-me com uma pequena ajuda. Para além disso, a nível de cabeça estou bem, segundo os médicos», garante.

Hélder Gomes conta os dias para rever os dois filhos (ao seu lado na fotografia deste artigo), comer uma boa Posta à Mirandesa, beber uma cerveja preta. Porém, terá de fazer algumas mudanças nas suas rotinas: «Tenho de manter um peso saudável. Não era diabético e agora fiquei. Não tinha problemas de rins, agora vou ficar para um problema para toda a vida. Quanto ao resto, é lutar para ficar o melhor possível».

Para além disso, como contou ao Maisfutebol nesta terça-feira, está com problemas persistentes na vesícula e terá provavelmente de ser operado.

Porque nem tudo são más notícias, neste capítulo da sua história há ainda espaço para duas coincidências, uma bem maior que a outra. «A primeira foi extraordinária. Ainda no Santo António, reconheci uma enfermeira, Susana Costa, que estudou comigo no secundário, no Rodrigues de Freitas, não a via há 30 anos. Depois, quando estava aqui no Centro, veio para cá o António Teles, meu colega de trabalho na Finlog, Ficámos no mesmo quarto, porque era importante, psicologicamente. Felizmente, já está em casa», remata o antigo jogador.

Gerações de ouro do FC Porto e do Salgueiros

Como referimos anteriormente, Hélder Gomes não é o típico convidado do Depois do Adeus, já que não chegou a ter uma carreira como futebolista profissional. Porém, o episódio recente justificou a exceção e o percurso do antigo extremo nas camadas jovens também merece o seu espaço.

«Comecei tarde no futebol. Joguei nos infantis, depois estive dois anos no seminário, porque devem ter achado que eu daria para padre. Acabei por ser expulso. Quando saí, fui treinar aos juvenis do FC Porto e fiquei, em 1986/87. Era uma super-equipa, com Tulipa, Bino, Rui Jorge, Álvaro Gregório, Freitas. Ainda apanhei o Jorge Costa, Poças, por aí fora», recorda.

Hélder não esquece um Mundialito de futebol juvenil na Venezuela (fotografia acima), o momento mais saboroso na curta passagem pelo FC Porto: «Nesse ano, o FC Porto ganhou tudo o que havia para ganhar e foi ao Mundialito na Venezuela. Fomos recebidos como reis, passámos o tempo todo no Centro Português de Caracas, dávamos autógrafos na rua, tivemos 40 mil pessoas no estádio e os jogos a dar em direto na televisão. As meias-finais foram com o Flamengo e a final com o Boca Juniors.»

«Fiquei apenas um ano no FC Porto e fui emprestado ao Salgueiros (fotografia em baixo), onde fiz um ano de juvenil e dois como júnior. Apanhei outra grande geração, com Sá Pinto, Renato, Leão, Nélson, Albertino, etc. Era extremo direito, muito rápido, mas nunca deixei de estudar. Fiz o 12.º ano e entrei para o FCDEF (Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física)», explica.

Na transição para os seniores, Hélder Gomes fica perto do Lousada (II Divisão B) mas acaba por assinar pelo Ramaldense, clube do Porto que disputava o campeonato distrital. «No Distrital ganhava-se muito dinheiro, ganhava 70 contos com 18 anos. Comecei a trabalhar, ganhava 80 contos no trabalho e 70 contos no futebol, mais prémios de jogo. Fiz cinco épocas no Ramaldense, era o capitão de equipa. Entretanto, em 1998, tive a oportunidade de ir para a banca e decidi investir na minha carreira profissional.»

Hélder terminou a carreira precocemente mas nunca deixou de fazer parte do mundo do futebol. Os laços ficaram para sempre. É uma das presenças habituais nos convívios anuais de antigos jogadores do FC Porto, ao lado de várias caras conhecidas.

«Eu sou ferrinho lá. Normalmente fazemos um jogo, um jantar, depois vamos beber um copo. Normalmente, quem acaba a noite sou eu e o Freitas, uma grande amizade que dura até hoje. Terminamos sempre nas Galerias a beber um gin. O presidente desse grupo é o Zulmiro e, como eu ajudava sempre na organização desses eventos, acabámos por fazer o mesmo no Salgueiros», explica.

Hélder Gomes entrou no grupo BPN em 1998, como analista de crédito, e por lá ficou até ser uma vítima da crise: «O BPN Crédito foi vendido a um grupo inglês e metade das pessoas foram despedidas. Eu fui uma delas. Agora, trabalho na Finlog, do Grupo Salvador Caetano. Estou no departamento comercial, com propostas de renting, aluguer de longa duração com serviços incluídos.»

«Tenho tido todo o apoio da empresa nesta fase difícil da minha vida e uma das coisas que quero fazer é regressar ao trabalho, voltar a ter essa rotina, era algo que gostava de fazer. Também gostava de voltar ao Estádio do Dragão. Estive lá a ver o FC Porto-Olympiakos, num camarote, no único jogo em que foi permitido público. Foi a 27 de outubro. Umas semanas depois, tudo mudou para mim», conclui, com esperança no futuro.

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