Foi arma de Mourinho no Benfica, perdeu o emprego e vai à luta - TVI

Foi arma de Mourinho no Benfica, perdeu o emprego e vai à luta

Nuno Abreu deixou de jogar há três anos, foi despedido de uma empresa de retalho recentemente e quer agarrar-se ao futebol: «O meu mundo não é estar num escritório ou num armazém»

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«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

O Depois do Adeus surgiu para contar a história de ex-jogadores que não continuaram ligados ao futebol. O foco é suportado pela dura realidade que esses homens enfrentam quando terminam as carreiras: são poucos os que conseguem ter rendimentos estáveis em novos percursos como treinadores, olheiros ou empresários.

Nuno Abreu, por exemplo, pendurou as chuteiras em 2017 e já trabalhava em outras áreas há nove anos. O antigo defesa-central de clubes como Estoril, Benfica ou Felgueiras começou por fazer descargas num armazém da C&A e, nos últimos cinco anos, trabalhava na parte logística de uma empresa de retalho, a Retail4people, gerindo as ocorrências em superfícies comerciais como Auchan, Minipreço ou Primark. Recentemente, foi despedido.

Um dos célebres Irmãos Metralha de José Mourinho no Benfica, chamados para aumentar a intensidade dos treinos da formação encarnada na época 2000/01 (os outros foram Geraldo e Diogo Luís), Nuno Abreu não chegou a fazer a estreia pela equipa da Luz e prosseguiu a carreira nos escalões secundários do futebol português. Para trás ficaram apenas três jogos na Liga, ainda com 18 anos, ao serviço do Estoril.

Aos 44 anos, o ex-jogador natural de Carcavelos quer voltar a agarrar-se ao futebol. Graças ao fundo de desemprego, terá uma rede de segurança para tentar de novo, alimentar o sonho, iniciando a próxima época como treinador-adjunto de uma equipa do Campeonato Nacional de Seniores, para além de treinar miúdos na escola de futebol do Clube Nacional de Ginástica. Se correr mal, Nuno Abreu terá de voltar à vida «normal», pensando nas três filhas. «O meu mundo não é estar num escritório ou num armazém», admite, com sinceridade.

Qual é o verdadeiro preço do sonho do futebol? A que sacrifícios obriga?

Esta é a história de Nuno Abreu.

Maisfutebol – Nuno, em que momento decidiu que tinha de começar a trabalhar fora do futebol?
Nuno Abreu – A minha última época como profissional foi no Atlético de Reguengos, em 2011. Depois, voltei para a zona de Lisboa, para o Oeiras, e comecei por trabalhar no trabalhar no Armazém da C&A, a convite do Pedro Cardoso. Fazia lá umas horas e estive lá dois ou três anos. Fazia descargas de material no Cascais Shopping de manhã, depois ia à tarde para os treinos.

Entretanto, mudou-se para outro emprego. Como é que isso aconteceu?
Um colega meu da Parede, o Miguel Major, falou comigo para ir para a empresa onde ele estava no Lagoas Park, a Retail4people. Estive lá cinco anos. Foi um processo complicado, não sabia o que fazer, joguei à bola a minha vida toda. Trabalhava na parte logística mas, com esta pandemia, fui despedido. Vou agora abraçar um projeto de treinador-adjunto, tentar a minha sorte.

O que fazia nessa empresa de retalho?
Estava nos escritórios a ver as ocorrências do dia a dia, o trabalho dos técnicos. O trabalho deles consistia em verificar todos os equipamentos de superfícies comerciais, desde a caixa até à outra ponta, os POS, os teclados, etc. Eu fazia os pedidos de material que os técnicos solicitavam. Estar fechado num escritório, só por si, fez-me muita confusão. Entretanto, a empresa foi comprada por outra e avançaram para despedimentos recentemente. Eu fui um deles.

Era a vida que imaginava quando terminou a carreira de jogador?
Acaba a carreira profissional e pensa-se: e agora? Vou tirar os cursos de treinador? Será que vale a pena avançar para o mundo de treinador? É cinquenta vezes pior que o mundo de jogador, eles comem-se uns aos outros, é uma confusão doida. Agora ando a tirar os cursos, com calma, vou voltar ao sítio onde estive muitos anos, ao Campeonato de Portugal. Se correr bem, ótimo. Se não, vou continuar a mandar o meu currículo para ver se aparece alguma coisa. Isto porque sei que posso ir para um clube, ficar ali só três ou quatro meses e depois volta tudo ao mesmo. Tenho também aqui umas escolinhas do Clube Nacional de Ginástica, onde dou treinos aos miúdos até aos 13 anos. Vai dar para conciliar as duas coisas, vamos lá ver como vai correr.

Por quando tempo é que acredita poder investir apenas no futebol?
A minha mulher também trabalha mas tenho três filhas, tenho de dar o meu sustento aqui em casa. Tenho o fundo de desemprego, mais o que irei ganhar no clube do Campeonato Nacional de Seniores e a treinar miúdos no Clube Nacional de Ginástica, mas o fundo de desemprego dura um ano/um ano e meio, depois ardeu. Desde que acabei de jogar, tenho recebido convites mas não queria nem podia largar o emprego. Se não tivesse sido despedido, não aceitava ir para adjunto do clube do CNS, isso só vai ser possível porque tenho o fundo de desemprego. Ainda por cima, vou como adjunto, não vou ganhar rios de dinheiro, longe disso. Já cheguei a acordo com o clube mas ainda não foi oficializado, portanto não posso divulgar o nome.

É fácil ou difícil tirar os cursos de treinador?
Eu tenho o I Nível, tirado há muitos anos, mas quando passei a treinador do Carcavelos na época passada, tive de tirar créditos. Agora vou tentar o II Nível, que são mais de mil euros, depois é preciso andar em estágios e tal, não é fácil. A malta que jogou à bola, que esteve muitos anos como profissional, não devia ter de passar por toda esta espera. Basta ver os exemplos de Rúben Amorim, do Silas...o que os cursos ensinam, eles já sabem há muitos anos. Devia haver uma equivalência.

Quais são os seus objetivos como treinador?
Como treinador, tenho os meus sonhos, claro. Este é o meu mundo. O meu mundo não é estar num escritório ao pé de um computador ou num armazém, não vou estar aqui a mentir. Estou no futebol desde os oito anos. Quero subir degrau a degrau, sem pressa.

E se correr mal, se tiver de voltar a um emprego «normal»?
Para mim é como uma facada nas costas, não vou estar a fazer aquilo que eu gosto. Fico com uma grande tristeza, se calhar no futuro tentaria mais uma ou outra vez o futebol, mas os anos também vão passando. Sinceramente, o meu dia a dia não me deixava feliz, a única coisa era a adrenalina, adoro isso.

Olhando para trás, consegue recordar todos os clubes que representou, de uma assentada?
O primeiro ano de federado foi no Colégio de Portugal, depois Carcavelos, Estoril, Atlético, Machico, Portimonense, Benfica, fui emprestado a Oliveirense e Felgueiras, União Micaelense, Pinhalnovense, Olivais e Moscavide, Mafra, Louletano, Atlético Reguengos, Oeiras, Perô Pinheiro, Cova da Piedade e acabo no Carcavelos. Ainda representei o Benfica e o Belenenses no futebol de praia.

Fez a estreia na Liga com 18 anos, pelo Estoril, em 1994. O que recorda dessa época?
Tenho outros momentos bons na carreira como subidas de divisão ou ter jogado no Benfica, mas o momento mais alto como jogador foi a estreia com 18 anos pelo Estoril contra o Vitória de Guimarães, contra jogadores como Pedro Barbosa, Tanta, Paulo Bento. O Carlos Manuel apostou em mim e meteu-me a marcar no Alexandro, enquanto o Litos marcava o Dane. Fizemos um grande jogo e vencemos 2-1.

Esperava mais oportunidades no Estoril, na época seguinte?
Fiz três jogos na Liga pelo Estoril e depois, no ano seguinte, na Liga de Honra, tentei dar seguimento mas não consegui. Pedi para sair e fui para o Atlético da II Divisão B. Se calhar podia ter ficado mais tempo, esperar pela oportunidade. Mas pronto.

Atlético, Machico, Portimonense e Benfica B em 1999. Nesse ano, chegou a ser chamado por Jupp Heynckes.
Exato. Eu fui convocado para o suposto jogo do título do Sporting em Alvalade, estava no banco. O ambiente…nunca tinha visto uma coisa assim. Foi o jogo do golo do Sabry, ganhámos 1-0. Gostei muito do mister Heynckes, ele pouco falava, sempre muito sério, regras tipo militar, muita gente não gostava dele, mas eu gostava.

O Nuno ficou famoso, ainda assim, por ser um dos irmãos Metralha de José Mourinho no Benfica.
Sim. Quando o Mourinho vai para o Benfica, chama-me a mim, ao Geraldo e ao Diogo Luís. O Diogo entretanto ficou lá, fez muitos jogos pela equipa principal. O que o Mourinho gostou foi que nós treinávamos como jogávamos, treinávamos sempre com pitões de alumínio por exemplo, nesse sentido o Geraldo era como eu. Ainda me lembro de um dia em que o Poborski se virou para mim a queixar-se do tamanho dos pitões. Naquela altura, eram todos com meinhas para baixo, não havia caneleiras, não se podia dar um toquezinho...mas nunca quis saber disso. Se tivesse de fazer uma entrada mais dura, fazia. Podiam ficar lixados, como aconteceu muitas vezes, mas era assim.

Já contou várias vezes a história do jogo com o Marselha, mas conte-nos de novo.
Ora bem, o Benfica fez um jogo particular com o Marselha e eu e o Geraldo fomos convocados. Numa situação, o capitão do Marselha estava a dar fruta, o Mourinho vira-se para nós no banco e diz: ‘ele nem sabe o que o espera na segunda parte, quando os carecas entrarem’. Ficámos logo entusiasmados! Entrámos e no fim, tenho uma entrada para vermelho direto, para prisão, uma entrada a pés juntos…no dia a seguir, o Mourinho chama-me, eu a pensar que nunca mais ia treinar à equipa A, mas ele diz que reviu o lance e que eu tinha feito bem por ter cortado um lance de contra-ataque. Só me disse para ter mais calma.

Não chegou a disputar jogos oficiais pelo Benfica. Porquê?
Se o Mourinho não tivesse saído, se não tivessem surgido aquelas eleições, ele já tinha dito que íamos fazer pelo menos a pré-época seguinte. Joguei apenas particulares, não cheguei a jogar no campeonato mas fiz o meu melhor.

Durante essa estadia no Benfica, quais os jogadores que mais o impressionaram?
Havia três jogadores especiais ali: o Dani era um fora de série, um jogador de outro nível, podia ter tido uma carreira de outra dimensão. Depois, outro muito bom era o Poborski, nunca vi um jogador tão rápido e explosivo como ele. Por fim, outro jogador na frente, nunca vi alguém a marcar livres como ele: o Van Hooijdonk. Eram os três que mais se destacavam, sobretudo o Dani.

Saiu em dezembro de 2000 por empréstimo para o Felgueiras, que estava na II Liga. Como é que correu?
O Mourinho saiu do Benfica, entrou o Toni e a nova direção. Entretanto, chamaram-me e perguntaram-me se queria ir para o Felgueiras, para a II Liga. Disse que sim e logo no primeiro jogo defrontei o FC Porto para a Taça de Portugal. Foi confusão do caraças! O Pinto da Costa já me queria pôr um processo porque eu pisei a mão ao Pena, furei-lhe a mão, ele teve de ir para o hospital e esteve não sei quantos jogos sem jogar. Já estavam a dizer que tinha sido de propósito, mas não, foi daquelas situações em que somos mais brutos, vai tudo à frente, eu estava a jogar de pitões de alumínio e furei-lhe a mão, foi um filme do caraças. Nesse jogo também foi o Drulovic para o hospital, o Pinto da Costa ficou doido com aquilo. Nunca me considerei um jogador maldoso, tentava sempre jogar na bola, mas às vezes não conseguia.

Como sénior, o Nuno Abreu nunca esteve mais de duas épocas no mesmo clube. Porquê?
Eu acabava as épocas e tinha sempre vários clubes atrás de mim. Gostava sempre de mudar, a minha motivação era outra, fui para a Madeira, fui para os Açores, depois joguei no Alentejo, no Reguengos, aquilo parava nos jogos ao domingo, era uma festa. Adorei jogar no Alentejo.

Ao longo da sua carreira, que jogadores recorda com maior potencial para chegar a outro nível, sem o terem conseguido?
Lembro-me do caso do João Peixe, era internacional nas camadas jovens, fazia golos, jogava no Benfica, era sempre o melhor marcador, depois chegou a sénior, andou sempre em vários clubes mas não fez a carreira que podia ter feito. Era o melhor ponta-de-lança que tínhamos em Portugal. Depois, o Miguel Vargas, ainda tem o recorde do jogador do Sporting com mais golos na formação. Por fim, o Rui Baião, também, no meu tempo do Benfica B. Eu tinha de lhe perguntar com que pé é que ele jogava, porque ele jogava com os dois pés, era um craque do caraças, era um jogador de seleção.

E quanto a si, tinhas condições para mais?
No meu caso, fiz o que tinha a fazer, dei sempre tudo nos clubes onde estive, não tinha grande qualidade, valia pelo meu trabalho, mas fiz coisas que muitos não conseguiram e fico orgulhoso pelo meu trajeto como jogador. Nunca fui dotado tecnicamente e tive de compensar sempre com outras coisas. Queria muito acabar a carreira no Carcavelos e consegui, mas não recebia dinheiro, foi por amor ao clube.

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