Jogou seis épocas na Liga, agora é agente de viagens em Pombal - TVI

Jogou seis épocas na Liga, agora é agente de viagens em Pombal

Ricardo Pateiro

Ricardo Pateiro trabalhava duas horas por dia, agora trabalha de «sol a sol» e lamenta o dinheiro perdido com um restaurante

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Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

«O jogador de futebol, como aconteceu comigo, trabalha duas horas por dia e recebe bem. Agora trabalho de sol a sol, literalmente, para sustentar a família com um salário consideravelmente mais baixo. O mundo cá fora, fora do futebol, é mesmo muito diferente.»

Ricardo Pateiro jogou seis épocas na Liga, por três clubes diferentes: Nacional da Madeira, União de Leiria e Rio Ave. Fala em carreira mediana, embora tenha ficado à porta (99) dos 100 jogos no principal escalão do futebol português.

Como demonstram vários exemplos recentes, um percurso pela Liga sem chegar aos grandes ou sem salários milionários em outros campeonatos não basta para amealhar um pé-de-meia que garanta conforto por longos anos.

No caso de Ricardo Pateiro, a carreira terminou abruptamente em 2012, devido a uma grande lesão. Preparava-se para celebrar o seu 32º aniversário, não era propriamente novo mas ainda tinha um caminho para percorrer. O seu último jogo como profissional foi um Paços de Ferreira-Rio Ave (2-2), a 5 de maio, pela mão de Carlos Brito.

Quatro anos depois, o Maisfutebol encontra o antigo jogador numa agência de viagens em Pombal. Uma mudança de rumo para garantir estabilidade financeira após negócio falhado: um restaurante em Torres Vedras.

«Desafio os jogadores a não pensarem apenas no pós-futebol quando estão a chegar ao final da carreira. Quem faz uma carreira mediana, ou seja, mesmo jogando na Liga mas sem chegar aos grandes, não tem sustentabilidade financeira para aguentar mais de cinco anos. Imagine que um jogador ganha 4 ou 5 mil euros, num clube médio da Liga. Parece muito, mas bastam dois ou três anos a não entrar dinheiro nenhum, só a gastar, para isso se ir perdendo.»

Ricardo Pateiro chegou a essa conclusão e lança um alerta para os jogadores que ainda estão em atividade. Que aproveitem o imenso tempo livre para alargarem horizontes. Antes que seja demasiado tarde.

«Há tempo livre mais que suficiente para os jogadores se irem formando, se irem preparado para outras profissões. Podemos ter muitas pessoas conhecidas, até de outras áreas, mas é difícil apostarem em nós porque não estamos qualificados para nada.»

Radicado em Pombal, terra da sua esposa, Ricardo Pateiro trabalha há cerca de meio ano como agente de viagens e pode finalmente suspirar de alívio. Encontrou um rumo, uma alternativa. Pelo caminho ficou o dinheiro perdido no tal restaurante.

«Abri um restaurante em Torres Vedras, com dois amigos, mas não conhecia bem a área nem a sociedade correu da melhor forma. Estive ano e meio em Torres Vedras. É algo que acontece com frequência no mundo de futebol, a ideia de avançar para um negócio, para uma área que não dominamos. Isso acontece muito com restaurantes. Eu estava lá diariamente mas não correu bem.»

Seguiu-se a fase mais negra na vida de Ricardo da Costa Pateiro, natural de Setúbal e formado no Vitória local.

«Quando o Doutor Noronha me disse que não podia jogar mais futebol foi duro. Foram 24 anos nesse mundo. Mas tinha a ideia do restaurante na cabeça. Foi pior quando isso falhou, aí caiu-me o chão. Regressei a Pombal, de onde é a minha mulher, ainda com menos dinheiro na conta e fiquei seis/sete meses em casa, sem saber o que fazer. Até voltei a jogar por causa disso, para me sentir útil e ganhar algum tostão. Valeu-me nessa altura ter uma forte base familiar.»

Ricardo Pateiro experimentou um regresso ao futebol, ao serviço da União de Leiria, e avançou para uma época no Sporting de Pombal, dos campeonatos distritais. Aquela já não era a sua vida mas possibilitou a estreia como treinador.

«Comecei por treinar os iniciados do Sp. Pombal na época passada e agora treino os juvenis. Procuro passar o que fui aprendendo com os bons treinadores que tive, como Pedro Caixinha, Lito Vidigal, Nuno Espírito Santo, Manuel Machado, etc. Por outro lado, tenho de ter sensibilidade para perceber que muitos encaram o futebol como diversão, vêm para passar o tempo, às vezes não é fácil gerir isso.»

A sua experiência como jogador, como profissional com vários anos de Liga, serve como sinal de alerta para os jovens que alimentam o sonho de uma carreira aos mais alto nível.

«Falo-lhes muitas vezes sobre isso, sobre o futuro, dou-lhes vários exemplos…acima de tudo, é preciso dizer que a carreira de jogador é perfeitamente conciliável com a formação em outra área. Preparem-se enquanto é tempo. Menos sonhos, mais realidade.»

O sadino que montou base em Pombal gostaria de evoluir como treinador mas encara o futuro com enorme clarividência.

«Treinar equipas de formação não garante sustentabilidade. Estamos a falar de valores que rondam geralmente 200 ou 300 euros, são mais ajudas de custo do que um vencimento suficiente. Tirei o II Nível e gostava de seguir a carreira de treinador mas não estou disposto a trocar o certo pelo incerto, a minha base familiar está em Pombal, o trabalho é o que coloca comida na mesa e só posso dar passos seguros.»

Por isso, o passo seguro é crescer como agente de viagens e aproveitar a oportunidade que surgiu recentemente.

«Tive esta oportunidade, surgiu em conversa com um amigo que ia abrir uma agência, e felizmente estou a fazer algo que gosto. Tenho muitos conhecidos, a palavra vai passando e várias pessoas que conheço do futebol são agora minhas clientes.»

Ricardo Pateiro tem atualmente 36 anos e trabalha de «sol a sol», como diz. É mesmo assim.

«Entro às 9 horas e trabalho até às 19h00. Depois vou dar treino, das 19h30 até às 21h00, 21h15. Ainda trabalho ao sábado de manhã e temos os jogos ao domingo. É trabalho de segunda a segunda, no fundo. Nada a ver com os tempos de jogador.»

A adaptação a uma nova realidade obrigou a formação específica na área. Aos poucos, Ricardo Pateiro transforma-se num verdadeiro agente de viagens.

«Tive de aprender o básico sobre o Galileo, o sistema que todas as agências usam, e mesmo para saber o básico foi difícil. Os preços não variam muito, o que pode variar é a comissão do agente. Se cobrar 100 euros e não 300 pela sua parte do pacote consegue fazer um preço mais competitivo e ter mais clientes, naturalmente.»

Para trás ficou uma carreira iniciada na formação do Vitória de Setúbal. Seguiram-se Lusitano de Évora, Torreense, Pinhalnovense, Nacional, União de Leiria, Rio Ave, de novo União de Leiria e por fim Sporting de Pombal.

«O que guardo como melhores recordações foram os jogos na Luz, no Dragão, em Alvalade. Defrontar jogadores como Di Maria, Lucho, Quaresma, David Luiz. Poder dizer aos meus filhos que o pai já jogou ali. Gostei ainda de ser capitão da União de Leiria, num período difícil do clube. Para além disso, conheces muita gente, gente de todo o lado. Da III Divisão à Liga, da Liga ao Distrital, onde acabei por voltar a jogar.»

Ricardo Pateiro despede-se do Maisfutebol com um tema para reflexão. Será que os descontos dos jogadores profissional de futebol deviam ser recuperados, pelo menos parcialmente, quando a carreira termina?

«A questão da reforma devia ter avaliada e repensada. Descontamos muito ao longo da carreira mas só vemos esse dinheiro aos 65 anos, mesmo que jogador de futebol seja uma profissão de desgaste rápido, com curta duração e danos para o corpo. Em outros países há retorno de uma parte dos descontos, uma pequena pensão de subsistência, que deveria ser equacionada.»

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