Artigos de papelaria: a outra vida de Cândido Costa - TVI

Artigos de papelaria: a outra vida de Cândido Costa

Cândido Costa

Antigo jogador divide o seu tempo entre as funções de comentador de futebol na TVI, em Lisboa, e de gestor de vendas na OHM Técnica, em Fiães, no concelho de Santa Maria da Feira

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt. 

Zona Industrial Monte Grande, Fiães, Santa Maria da Feira. Segunda-feira de manhã, à hora marcada, Cândido Costa já lá está. É mais um dia de trabalho como gestor de vendas, vulgo comercial, na OHM Técnica, empresa dedicada à comercialização por grosso de artigos de papelaria, material de escritório e material escolar, entre outros.

Quem o vê ali, no meio de um armazém repleto de caixas de canetas, lápis, blocos, folhas, cadernos e tudo o mais que se possa imaginar na área do economato, levanta naturalmente a questão: é o mesmo Cândido Costa que jogou no Benfica, no FC Porto, no Sporting de Braga e no Belenenses? Que ganhou uma Taça UEFA, um Campeonato Nacional e duas Taças de Portugal ao serviço dos Dragões? O atual comentador de futebol na TVI? É.

Aos 38 anos, Cândido Costa reinventou-se, despediu-se dos luxos associados a uma carreira de bom nível no futebol e foi trabalhar. Trabalhar muito, sempre. Nesta altura, interrompeu o percurso como treinador de equipas masculinas e femininas para se dedicar às principais funções. Às segundas, quintas e sexta-feiras, é um «canivete-suíço» na OHM Técnica, em Fiães. Às terças e quarta-feiras, está em Lisboa a fazer comentários sobre futebol na TVI, depois de ter iniciado essa caminhada no Porto Canal.

Ivânio Costa, irmão de Cândido e administrador da OHM Técnica, não poupa elogios ao seu funcionário. «Ele tem um bom espírito, grande capacidade de aprendizagem e nunca diz que não. É pena não estar aqui a semana toda, mas quando está, está mesmo. Não me importava de ter aqui dois ou três Cândidos. Atenção: se não viesse ele, vinha outro. A empresa precisava mesmo de um comercial. Não lhe fiz nenhum favor.»

Pela primeira vez, em entrevista ao Maisfutebol, Cândido Costa fala sobre esse lado menos conhecido da sua vida atual. Pelo caminho, recorda episódios de uma carreira futebolística que terminou em 2015 e que esteve associada a 13 clubes e às seleções jovens de Portugal.



Maisfutebol - Cândido, explique-nos como e quando surgiu esta possibilidade de trabalhar na OHM Técnica.

Cândido Costa - Estou aqui há cerca de um ano e meio, dois anos, e a possibilidade surgiu através do meu irmão, administrador da empresa, que me lançou o desafio de transportar o que os anos de jogador me deram, e mais tarde a função de comentador, para uma vertente comercial, de gestor de vendas. Ou seja, transportar a experiência comunicacional para a empresa. Foi um desafio grande, até pela parte técnica, porque é difícil dominar a parte do marcador, da ponta fina, o 0.5 e o 0.7, é muita coisa. Eu era um zero à esquerda, embora esta já seja uma área familiar, porque o meu pai Noé é uma referência neste meio, no economato, no material escolar, quer na Olmar, quer aqui na fundação da OHM. Na vertente operacional, sou como um canivete-suíço, faço de tudo um pouco na empresa. Às vezes chego aqui de camisa e blazer, outras de fato de treino todo roto, porque já sei que vai ser para acartar e para lavar o chinelo.

MF - O que mais gosta de fazer na empresa?

CC - Até gosto mais da parte mais física, mais agressiva, do que a parte mais lírica, de andar a visitar clientes. Quando faço essas visitas, sobretudo aqui no Norte, demoro sempre mais tempo porque a conversa vai sempre parar ao futebol e à televisão. Reconheço que isso me abre muitas portas. Ao início até percebia logo se o responsável era portista, benfiquista ou sportinguista, porque os portistas vinham logo, com mais entusiasmo, já que sempre assumi o meu portismo.

MF - Prefere andar de camisa e blazer ou com o fato de treino todo roto?

CC - Não sou um gestor de vendas, um comercial, de blazer, com um carro só para si, de telemóvel. Tirem isso da cabeça. Esta não é uma mega-empresa, é uma empresa que felizmente tem muito trabalho, que vende muito, mas que não permite ter alguém com um cargo estanque. Também tenho algumas benesses, porque me permite continuar a fazer televisão. Ninguém falta dois dias ao trabalho para fazer outra coisa, só o consigo porque a empresa é do meu irmão. Tenho de perceber isso e tento sempre compensar. Felizmente temos uma grande equipa, a começar pelo meu irmão, o Ivânio, passando pela Lígia, a Diana, a Vera, a Márcia, o Gustavo, a Marisa, o Rui, a Patrícia, a Juliana, o Diogo, a Sílvia, o Tiago, o Pedro contabilista e o Dr. Pedro Cruz, advogado. Todos são importantes na OHM.

MF - Começou logo como comercial ou teve de ganhar experiência?

CC - Foi-me atribuída ao início a função mais simples que é embalar. É a mais simples mas não a menos importante, porque é ali que se fecha a encomenda, é o cartão de visita da empresa, o que o cliente vai receber. Agarrei isso e, modéstia à parte, até me tornei o melhor a fazê-lo, ao início nem sabia fazer bem os nós, mas aprendi e dava-me gozo. Depois tive de ir para a parte mais técnica, conhecer os produtos, os programas, o computador.  É incrível a variedade, a panóplia gigante de produtos de papelaria, não tinha essa noção. Há 14.000 referências de artigos na empresa! Canetas, lápis, borrachas, capas, agrafadores, colas, corretores, compassos, tinteiros, tudo o que se possa imaginar. Um comercial da área de economato está em constante aprendizagem. Depois, são artigos que funcionam como o pão, todos os dias se vendem, todos os dias se gastam. Não são produtos com grande margem de lucro mas vendem-se muito. Se nós adultos estamos sempre a perder canetas, imaginem as crianças. Estamos sempre a receber encomendas de escolas, com poucos dias de diferença. Fornecemos o Ministério da Educação, todas as escolas do país, Câmaras Municipais, portanto temos grande responsabilidade.

MF - Como é que se deu a transição do futebol para esta realidade?

CC - A minha vida desde miúdo tem sido pródiga em altos e baixos, não falo apenas financeiramente. No final da minha carreira isso agravou-se. Fui para o fundo de emprego e esses primeiros seis meses em casa foram muito depressivos para mim. Depois, veio a coisa mais importante que fiz na minha vida, até hoje: fui tirar um curso no Instituto de Emprego e Formação Profissional. Foi o primeiro passo para acabar com o Cândido Costa jogador de futebol. Está lá na prateleira, é bonito, fico feliz pelo que fiz, mas estava associado a várias coisas que não contam para nada. Tive de ir buscar o Cândido da Mourisca, da juventude, para me poder reinventar. Fui tirar o curso de Organização de Eventos para o IEFP, que me permitiu concluir o 12.º ano, e lembro-me que o psicólogo que lá estava me disse que eu não ia aguentar dois meses. Cheguei ao fim dos dois anos com a melhor nota de sempre e ajudei muita gente a passar. Foi muito importante para eu voltar à Terra, porque os jogadores do futebol vivem numa bolha.

MF - Quando é que começou a trabalhar e a receber por isso?

CC - Quando acabei a carreira, comecei a manifestar mais o meu portismo nas redes sociais e a fazer análises. A certa altura, fui convidado para o programa Cadeira de Sonho do Porto Canal, que teve grande impacto dentro do clube. A seguir, convidaram-me para ir fazer uns comentários. Ao mesmo tempo, recebi uma proposta de treinar uma equipa de futebol feminino. Estava a tirar o curso, a treinar as meninas e a ir ao Porto Canal, mas só ganhava com o curso. Sempre levei o comentário muito a sério, sempre me preparei muito bem, encaro sempre cada programa como se fosse o último. Entretanto, comecei a receber alguma coisa por treinar a equipa de futebol feminino da Ovarense e também a receber do Porto Canal. Mas em nenhum dos dois tinha estabilidade e eram dois trabalhos em que passava todo o dia em casa, só trabalhava à noite. Sentia-me um Ferrari estacionado em casa. Foi quando surgiu o desafio do meu irmão para eu trabalhar na OMH e eu vim, mas com alguns receios. Uma coisa é trabalhar uma hora e meia por dia para ganhar milhares de euros, outra é trabalhar o mês todo para ganhar um salário ‘normal’.

MF - O que sentiu quando passou a receber um salário ‘normal’?

CC - Acontecesse o que acontecesse, sabia que o nível de vida proporcionado pelo futebol tinha ido à vida. Não há nada que se compare ao nível do futebol. Para isso estava mentalizado, mas não para o que encontrei no IEFP. Vi pessoas da minha turma, de forma dissimulada, a tentar levar coisas para casa e isso deu-me um retrato das dificuldades pelas quais as pessoas passam. Este Cândido que valoriza o trabalho veio muito dali, um Cândido que valoriza muito o que tem e que agarra o que tem. Em seis anos de Porto Canal, faleceu o meu avô, faleceu a minha avó, fiquei doente, os meus filhos ficaram doentes e eu não faltei a um único programa. O trabalho para mim é fundamental e dificilmente me vêem a queixar. Se me pedem para comentar um jogo, ou se me pedem para vir trabalhar a um sábado na OHM, eu venho. Trabalhar é uma benção, porque quem não trabalha é extremamente infeliz. Aqueles seis meses sem rumo no final da minha carreira foram devastadores para mim, foram altamente depressivos para mim. Passei de um cenário em que era bajulado para outro em que eu não contava para nada. Foi assustador e não quero mais passar por isso.

MF - Nesta altura, com o que ganha na TVI, ainda precisaria de trabalhar na OHM?

CC - Se quisesse, neste momento, não precisaria, mas não me esqueço que há seis meses precisava. Eu não quero ser essa pessoa, quero ser um grande profissional. Ao contrário do que fui como jogador, em que tomei algumas más decisões, mal aconselhado, quero pensar pela minha cabeça. O trabalho mais certo que tenho hoje em dia é este, é neste que sou profissional. Claro que ganho mais na televisão, mas não é apenas a parte financeira que me guia. Acho piada que muitos clientes vêem os meus comentários na TVI e brincam com isso: ‘Ó Sr. Cândido, ainda o vi ontem à noite na TV, você lá parece um papagaio, sempre a falar, mas onde é que estão os meus lápis?’ Estas funções estão muito ligadas entre si. Sinto que se deixasse de fazer este trabalho de comercial, seria pior comentador. Se só acordasse ao meio-dia, tomasse um cafezinho, armado em comentador, a ler os jornais e a só trabalhar à noite, provavelmente chegava lá e só dizia porcaria.  Tenho de ser apenas o Cândido e tenho de trabalhar. De hoje para amanhã posso deixar de trabalhar para a televisão, por alguma razão, e tenho a minha independência assegurada, tenho o meu trabalho aqui.



MF - Os adeptos do FC Porto perceberam a mudança do Porto Canal para a TVI?

CC - Alguns não perceberam mas a maioria percebeu. Volvidos seis ou sete meses de que estou na TVI, a maioria está satisfeita e revê-se na minha postura. O desafio é brutal, fazer o Mais Transferências foi o maior desafio da minha vida, é muito exigente e altamente profissionalizado. No Porto Canal estava na minha zona de conforto, ir para ali obrigou-me a falar sobre mais temas, a procurar a isenção em mim, a ter mais amplitude nos meus comentários. Fico muito grato pela oportunidade que me foi dada pelo Porto Canal e também agora pela TVI. Tem sido muito gratificante. Quando é possível, quando se justifica, deixo fluir o meu portismo, encho o peito, acho que isso é notório, mas quando tenho de dar com a tábua, também dou. Tenho de ser genuíno e o meu principal compromisso é com os espectadores.

MF - É altura de fazer um balanço da carreira. Tudo começou na Sanjoanense, em 1994.

CC - É o clube da minha terra, de onde tenho as memórias mais puras, onde recordo os treinadores, o Zequinha e o Jambane, e os muitos colegas que ficaram para a vida. Mais tarde treinei a Sanjoanense com o Ricardo Sousa. É sempre um clube especial e estarei sempre disponível para ele.

MF - Entretanto passa para os escalões de formação do Benfica, de 1997 a 1999.

CC - Mal cheguei lá tive a lesão mais grave que tive no futebol. Isso é motivo de elogios porque fui muito bem tratado e acompanhado, fui operado pelo Dr. Martins, que penso que ainda opera os jogadores do Benfica. Foi uma fase muito importante na minha vida e na minha história. Foi lá que conheci a minha ex-mulher, a mãe dos meus filhos, foi lá que comecei a despontar, a mostrar o meu futebol, foi lá que cheguei a internacional nas camadas jovens da seleção. Fiz um percurso no Benfica muito importante para o que seria a minha carreira profissional. Toda a gente no Benfica sabia que eu era portista, falava à Porto, tinha sotaque à Porto, sempre mantive isso, mas deixei lá a minha marca. Foi pelo que fiz no Benfica que o FC Porto me foi buscar. Mas a partir do momento que o clube do meu coração me chamou, já não conseguia pensar noutra coisa.

MF - Antes do FC Porto, ainda esteve meia época no Salgueiros.

CC - Ainda no velho Vidal Pinheiro, com o Dito como primeiro treinador. Foi o meu primeiro contacto com o futebol sénior e é uma realidade muito diferente. Encontrei um balneário da moda antiga, o Jorge Silva, o Basílio, o Paulinho, central, o capitão João Pedro, uma equipa de carcaças de primeira divisão. Fui para o clube onde me prepararam para o que eu ia encontrar seis meses mais tarde no FC Porto. Dito e Vítor Manuel foram muito importantes, porque eu cheguei ali com ranho no nariz, cheio de peneiras, de vaidades, e eles de uma forma hábil acalmaram-me o ego sem apagar o meu brilho.

MF - E dos três anos no FC Porto, o que mais recorda?

CC - Recordo tudo! Estava muito sedento daquilo tudo, era um portista que estava a ser premiado com a oportunidade de se juntar aos seus ídolos. Estive três anos assim no FC Porto, sempre maravilhado com tudo o que estava a acontecer. Havia coisas no FC Porto que eram mágicas e uma delas era o respeito pelos mais velhos, de teres de passar por uma série de coisas para chegares a um patamar onde já pudesses ser alguém, sentar-te à mesa com eles, chamar o Bicho de Bicho, partilhar o quarto com o Aloísio…Havia ali uma nuvem de respeito que a partir daí se foi diluíndo. Foram os melhores anos para mim de um futebol que já não existe.



MF - Teve igualmente a possibilidade de concretizar alguns sonhos.

CC - Exato, um deles foi comprar um 330D. Vinha do Benfica com um Peugeot 106 GTI. Quando cheguei ao parque de estacionamento do FC Porto e vi aquelas máquinas todas... percebi que tinha de trocar de carro, de comprar um mais condizente com aquele status, o carro dos meus sonhos, o BMW 330D, que tinha acabado de sair. O erro não foi ter comprado o carro, que iria comprar na mesma, foi a forma como o tratei. Hoje em dia trato melhor os carros.

MF - Como era a vida de um jovem jogador no balneário do FC Porto?

CC - Quando entrei no FC Porto, havia um vazio de alguns anos em que o clube não lançava jovens. Depois de mim surgiu o Postiga, o Ricardo Costa, o Ricardo Carvalho mas quem abriu esse tesouro fui eu e o que encontrei foi um balneário muito adulto, já em fase de maturação muito avançada. Eu já era titular do FC Porto e não tinha os mesmos direitos que eles. Não podia chegar à campeão e pegar em alguma coisa sem autorização. Ouvia ‘traz-me as bolas’, ‘traz-me as chuteiras’. Parávamos nas estações de serviço e eles davam-me o dinheiro para ir buscar as coisas, vinha cheio de sacas. Eu era um ‘chega-me isto’ e assim fui durante muito tempo. Foi um tempo de espera para ser alguém e isso foi muito importante, porque me baixou as asas. Percebi que as coisas têm tempo para acontecer. Era importante que os jovens sentissem o mesmo nesta altura.

MF - Pode recordar um desses episódios em que teve de obeceder aos mais velhos?

CC - Lembro-me por exemplo do Vítor Baía me mandar ir lavar o Porsche dele. Eu ainda estava equipado, ele passou por mim, companheiro de equipa dele, e disse: ´ó miúdo, vai-me dar ali um jeitinho ao carro. Tens ali as bombas de gasolina, vai-me meter o Porsche a lavar'. E lá fui eu meter o carro na lavagem automática. Ele ficou a tomar banho, eu voltei, entreguei-lhe as chaves e ele ‘espetáculo, impecável amigo’. Fi-lo com todo o gosto. Só andar de Porsche naquele quilómetro, andar no carro do ‘Balizas’… Contei essa história prái a 500 pessoas nesse dia.

MF – O Cândido contou recentemente a história dos bancos em U no autocarro do FC Porto, onde ficavam apenas os mais experientes do plantel. Como era isso?

CC - O U era incrível! Era o Jorge Costa, o Secretário, o Paulinho Santos, o Domingos, o Folha e o Deco. Às vezes iam o Capucho e o Vítor Baía, mas eles não eram os proprietários do U, eles tinham lugar à frente no autocarro. Nas pontas do U ficavam o Jorge Costa e o Paulinho Santos, com as pernas esticadas em cima dos bancos. Eu, para me poder sentar lá, tive de ficar com as pernas do Jorge Costa, do Bicho, em cima de mim. Mais tarde, quando chegou o Postiga, ele também pediu para ir para o U e passou a levar com as pernas do Paulinho Santos. Lá íamos todos contentes, meio jogadores, meio adeptos, com uma grande moral. Íamos ali com os gajos da mística, com os grandes, era melhor que jogar como titular. Isso ainda me arrepia até hoje.



MF – Entretanto, a meio da época em que o FC Porto vence a Taça UEFA (2002/03), o Cândido saiu para o Vitória de Setúbal.

CC - Foi incrível! No mesmo ano fui campeão nacional, ganhei a Taça UEFA e desci de divisão! Grande clube, gente extraordinária, bela cidade, mas no FC Porto recebia religiosamente ao dia 5 e fui para um clube em que fiquei seis meses sem receber. Saí de uma equipa onde era ganhar, ganhar ou ganhar, para um equipa de ‘vamos jogar ali fechadinhos, quem passar o meio-campo leva com uma flecha’. Foi um choque de realidades. Saí do FC Porto porque quis, burro, porque estava a jogar pouco. Tinha acabado a época com o Mourinho como titular, fiz a pré-época como titular, mas depois o Maniche engatou bem no meio-campo com o Costinha e o Deco. Ele jogou o primeiro jogo e engatou, penso que faz dois golos ao Belenenses e agarrou o lugar. Comecei a entrar para os lugares do Maniche e do Capucho, depois nem isso, e o Jorge Mendes a dizer-me para sair para jogar, estavam a aparecer o Quaresma e o Ronaldo na Seleção e eu a perder o meu espaço. Acabei por ir meia época para Setúbal e correu tudo mal.

MF – No final dessa época vai para o Derby County. Como foi esse período em Inglaterra?

CC - Aí foi tudo diferente, em Inglaterra sinto que renasci, mas estava numa Division One. Joguei 38 jogos e criaram uma música para mim. Lembro-me que cheguei lá e parti os três dentes da frente, engoli-os todos. Fizemos um jogo de apresentação com o Maiorca do Jaime Pacheco e do Eto’o. Aos 5 minutos de jogo, o capitão do Maiorca domina de peito, eu meto a cabeça e o gajo faz a bicicleta, parte-me os três dentes da frente e eu engulo-os. Tive de ir de ambulância, porque corria o risco de os dentes terem ido para os pulmões. Lá se foi o menino bonito. Fiz uma época espetacular só que cheguei ao final e senti que ninguém me tinha visto, porque esse foi o ano em que o FC Porto ganhou a Liga dos Campeões. O Mourinho sai, vem o Del Neri e senti que quando o meu nome lhe foi colocado, não lhe deu muita importância. Acabei por sair e assinei por três anos pelo Sporting de Braga.

MF – Que balanço faz dessa passagem pelo Sporting de Braga?

CC - Fiquei dois anos em Braga e foram espetaculares. Adorei trabalhar com o Jesualdo Ferreira mas não joguei tanto como gostaria de ter jogado. O professor vivia na dúvida de me assumir como defesa direito, médio direito ou extremo direito. Foi algo que o presidente do FC Porto disse recentemente, quando me fizeram uma homenagem: essa polivalência não me ajudou nada. Quando és válido em muitas posições, deixas de ser muito bom numa delas. Eu era bom em tudo mas não jogava em lado nenhum.

MF – Seguiram-se quatro anos no Belenenses, de 2006 a 2010.

CC - A par do FC Porto, foi o clube onde mais deixei a minha marca, o meu cunho. Fiz duas épocas muito boas com o Jorge Jesus, depois duas épocas mais difíceis. Gosto muito do Belenenses, apareceu numa fase muito importante da minha vida, em que eu não sabia se era o Cândido que sentou o Capucho ou se era o Cândido, um jogador banal. Correu-me bem e podia ter ido à seleção, quando se lesionou o Bosingwa, era eu ou o João Pereira, mas acabou por ir o João Pereira, que estava bem no Sporting de Braga. Na última época, o clube desceu, eu tinha mais dois anos de contrato mas abdiquei de tudo, não fazia sentido um clube da II Liga pagar um salário assim. Com as renovações, fiquei com o salário mais alto que tive na minha carreira como jogador.



MF – Decidiu ir para o Rapid de Bucareste, da Roménia. Porquê?

CC – Eu ganhava muito bem no Belenenses e na Roménia consegui manter um ordenado semelhante. O Rapid era um grande clube, com enorme rivalidade em relação ao Dínamo e ao Steaua. Entrei numa dinâmica de clube grande, mas depois não recebi, mudei três vezes de casa, mudavam-me fechaduras, enfim, muita coisas estranhas. Tive saudades de casa e, no final da época, o presidente do Arouca foi muito persistente, não me largava, eu não queria ir para uma II Liga mas acabei por aceitar.

MF - Quando regressou a Portugal, ainda jogou no Arouca, no Tondela, no São João de Ver e na Ovarense.

CC - Arouca, logo no jogo de apresentação, fiquei com a rótula virada ao contrário, passou para a parte de trás do joelho. Isto aos 31 anos. Ainda pedi para ser tratado no FC Porto, mas do Arouca disseram-me que não e mandaram-me para uma recuperação numa clínica no Porto. Nunca mais fiquei igual. O velho Cândido acabou ali. Depois, Tondela, São João de Ver e Ovarense, só foi possível porque dentro de mim vive alguém que não se conforma, mas acabava os treinos a chorar, sem condições para continuar. Acabei em 2015, na Ovarense.

MF – Que balanço faz da sua carreira?

CC - Foi uma carreira bonita, que se calhar para muitos é uma carreira de sonho, mas eu tinha a obrigação de respeitar mais as portas que se abriram. A explicação está em mim. Sempre que segui os conselhos do meu pai, o futebol deu-me tudo aquilo que ele me prometeu: ‘trabalha mais que os outros’, ‘não fumes’, ‘não bebas álcool’, ‘não vás em cowboyadas’, ‘treina, que talento tens tu’. E assim foi, Sanjoanense, Benfica, FC Porto, depois faltou dar continuidade. Atenção, eu não era o pior, não andei ali na má vida, mas cometi erros que acabei por pagar ao longo da carreira. O máximo que consegui até ao final foi por resiliência, pelo espírito guerreiro que nunca deixei de ter.

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