«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt
Edel, lembra-se?
Se era criança na viragem do milénio, seguramente que não se lembra. Se nessa altura já era mais velho, provavelmente também não. A não ser, claro, que seja sportinguista e um sportinguista militante. Edel é uma daquelas memórias para especialistas.
Mas vamos à história.
Edelfrides Lima, português de origem angolana, passou pelo Sporting como um meteorito. Durante duas épocas fez 14 jogos, apontou um golo (ao E. Amadora, em Alvalade, em jogo do campeonato) e saiu para o Salgueiros, para depois cair para o Nacional.
Foi uma passagem curta pelo Sporting, portanto, e pela primeira divisão, de um jogador que ficou na memória pela excentricidade da forma como chegou a Alvalade: depois de um salto do modesto Pescadores da Caparica, da III Divisão, para um candidato a ganhar o título e a Taça UEFA.
«O Sporting contratou-me em 88/89, ainda na época do presidente Jorge Gonçalves. Fiz uma época boa na Costa da Caparica e fui até o melhor marcador da equipa. O Pescadores estava na III Divisão e teve uma eliminatória da Taça de Portugal, com o Marítimo, que me correu muito bem, na qual estiveram dois olheiros do Sporting», começa por contar Edel.
«Na altura o campo ainda era pelado e no primeiro jogo, em casa, fiz uma boa exibição. Depois fomos à Madeira, empatámos 1-1 e eu marquei o golo do Pescadores. A partir daí um intermediário chamado Zé Carlos, que era antigo jogador do Sporting, levou-me para Alvalade.»
A transição para Alvalade, recorda Edel, veio carregada de dor.
«Foi uma mudança brutal, absolutamente brutal em todos os sentidos. Foi um período complicado da minha vida. Porquê? Por causa da carga de trabalho. No Pescadores não era profissional, tinha 22 anos, jogava na III Divisão e estudava, pelo que quando cheguei ao Sporting senti imenso a mudança. A diferença do futebol amador para o futebol profissional era enorme e naturalmente tive de fazer um trabalho de reforço muscular.»
Edel vinha afinal de uma equipa que treinava à noite e jogava num pelado, passando para uma outra completamente profissional, na qual a exigência física, técnica e tática era máxima.
Foi uma mudança, portanto, que hoje em dia seria inimaginável. Para Jorge Gonçalves, porém, que o contratou, e para Sousa Cintra, que o integrou no plantel no ano seguinte, não era.
«Tive a felicidade de ter a ajuda do preparador-físico Terzinsky e do médio Fernando Ferreira, comecei a ser vitaminado, fiz trabalho de ginásio e as coisas aos poucos foram melhorando. Nesse primeiro ano consegui integrar a equipa e fazer ainda alguns jogos. Com o Manuel José a treinador já jogava aqui e ali, depois dele ser despedido e entrar o Raul Águas jogo ainda mais», refere.
«No meu segundo ano no Sporting entrou o Marinho Peres e eu tive uma recaída de uma lesão muscular. Joguei menos do que estava à espera. Também foi o ano em que apareceu o Cadete e foi o ano da explosão do Fernando Gomes, que tinha chegado na época anterior, mas só nessa temporada fez realmente um ano fantástico. Portanto o Marinho Peres optou pelo Cadete e pelo Fernando Gomes e bem, porque eles estavam muito fortes. Eu era convocado, de vez em quando entrava em campo, mas joguei muito pouco.»
Por isso no final do segundo ano sai do Sporting e acaba com aquele belo conto de fadas: pelo menos para os adeptos. Para o próprio Edel o conto de fadas continuava, porque seguiu para o Salgueiro: uma equipa de Primeira Divisão que nesse ano ia disputar a Taça UEFA.
«Eh pá, era um ótimo projeto para me lançar. Mas logo no terceiro jogo tive uma rotura no cruzado anterior, fui operado e fiquei um ano sem jogar. Começou o meu calvário.»
E acabou o conto de fadas.
Ficou apenas um ano em Vidal Pinheiro e caiu para o Nacional, da II Divisão. Depois jogou uma época na Suíça, passou pelo Caldas, onde teve uma segunda rotura e acabou a carreira nos Distritais: primeiro no Pescadores, depois no Cova da Piedade e por fim no Charneca FC.
Penduradas as chuteiras, Edel começou então uma nova carreira: que é no fundo o que nos traz aqui, a este Depois do Adeus. Abandonou o futebol, guardou as memórias do Sporting e lançou-se na venda de habitações. Tornou-se comercial de uma agência imobiliária.
«Estou neste mundo há 19 anos, sensivelmente. Deixei de jogar futebol com 34 anos, numa altura em que a ERA chegou a Portugal, e nessa altura surgiu-me a possibilidade de trabalhar nesta empresa. Foi o Carlos Duarte, também ex-jogador de futebol, que tinha jogado comigo, que me chamou para vir trabalhar como consultor imobiliário», recorda.
«Fiquei um ano como comercial em Almada e depois abri a minha própria loja, um franchising, em Setúbal. Isto em 2002. A partir daí foi sempre a vender a casas.»
Pelo meio, na altura da crise do imobiliário, ainda vendeu a loja dele em Setúbal e mudou-se para Angola, para ser diretor comercial de uma empresa. Mas o projeto não correu bem e voltou a Portugal. Para ser novamente agente imobiliário: afinal de contas é isso que ele faz melhor.
«Fiquei consultor imobiliário da ERA. Foi uma opção natural para mim, porque conhecia o mercado, estava identificado com esta função e foi uma opção óbvia. Há quatro anos que estou aqui novamente. Foi sempre a minha profissão, nunca tive outra desde que deixei de ser jogador de futebol. É uma coisa que gosto de fazer e que me realiza, sobretudo porque me dá liberdade para explorar a minha outra paixão, que é o futebol.»
Nos tempos livres, Edel continua a jogar futebol, na equipa de veteranos do Sporting.
«Para além de jogar também sou o responsável pela equipa e faço a gestão de toda a atividade. Foi uma coisa que aconteceu por acaso. Quando deixei de jogar, integrei a equipa de veteranos do Pescadores. Depois surgiu a possibilidade de jogar por uma seleção angolana num torneio em que estiveram o Sporting, o Benfica, vários clubes», conta.
«Eu fui o melhor marcador e os responsáveis da equipa de veteranos do Sporting convidaram-me a ir para lá, porque sabiam que tinha passado pelo clube. Fiquei lá até hoje. Estão lá outros colegas da altura, o Cadete, o Melo, o Leal, o João Luís, o João Pinto, enfim.»
Entre a venda de casas, a vice-presidência do Pescadores da Caparica e os jogos de veteranos do Sporting, Edel não se queixa da vida: tens os dias agitados e é assim que gosta.
Afinal de contas já habituou a viver como um meteorito.
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