«Troquei o futebol pelo vidro e não me arrependo» - TVI

«Troquei o futebol pelo vidro e não me arrependo»

Sérgio Rebordão

Sérgio Rebordão foi uma grande promessa do FC Porto mas não conseguiu chegar à Liga; aos 28 anos, pendurou as chuteiras para apostar na Vidreira do Fundão e já abriu uma empresa de alumínio

Relacionados

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Sérgio Rebordão despontou para o futebol da AD Estação, na Covilhã, a duas dezenas de quilómetros do seu Fundão. Aos 14 anos, o defesa-central saiu de casa para jogar no FC Porto, chegou à seleção nacional e parecia talhado para um futuro auspicioso.

No primeiro ano de júnior (1999/00), chegou a fazer jogos amigáveis por um plantel principal que tinha acabado de conquistar o histórico pentacampeonato, sob o comando técnico de Fernando Santos. Porém, decidiu sair a meio da época para os seniores do SC Dragões Sandinenses. Um passo em falso na carreira.

Em 2010, ainda com 28 anos e sem ter chegado à Liga, Sérgio Rebordão decidiu pendurar as chuteiras para trabalhar na empresa do pai, a Vidreira Ideal do Fundão, a mais antiga de Portugal na área do vidro. Atualmente, divide o seu tempo entre a Vidreira e a sua própria empresa, a SWRGB Glass Building, especializada em alumínio.

«As fábricas estão separadas por dois quilómetros aqui no Fundão, passo os meus dias entre as duas. Não foi fácil deixar o futebol mas sinto-me orgulhoso da opção que tomei em 2010. Troquei o futebol pelo vidro e não me arrependo, porque descobri um novo amor, algo que me cativa e apaixona», salienta, em conversa com o Maisfutebol.

O desencanto pela forma como foi tratado no Sp. Covilhã, em 2009, precipitou a decisão de Sérgio Rebordão. Voltaremos a esses capítulos da história mais à frente. Por agora, importa explicar os primeiros passos na nova vida do antigo jogador.

«Decidi abraçar o projeto do meu pai e foi uma decisão que surpreendeu praticamente toda a gente, inclusive a família. Tinha saído de casa com 14 anos para jogar futebol, tinha sido pai recentemente e a minha mulher estava a trabalhar na Covilhã como efetiva. Senti que era o momento», explica.

Sérgio Rebordão não tinha o mínimo conhecimento daquela área de negócio e tomou uma decisão radical: «Quis ir para a produção, não para um trabalho de escritório. Eu não sabia o que era aquele mundo, portanto quis conhecer o produto, conhecer o vidro, pegar no vidro. Estive três anos na área de produção e senti-me capaz. Ainda hoje, quando é preciso, vou para lá.»

A Vidreira Ideal do Fundão é um exemplo de sucesso mas passou por grandes dificuldades no período entre 2012 e 2016. «Muitas empresas parceiras de alumínio fecharam, ficámos a perder muito dinheiro e tivemos de nos esforçar muito para nos mantermos. Eu passei entretanto para a área comercial e fomos à procura de outros mercados. Com os meus contactos do futebol, crescemos no Norte. Depois, fomos à procura de mercados lá fora. Estive em Angola com um irmão mais velho, depois Moçambique, depois Brasil e Cabo verde», explica.

«Nós estamos no interior do país mas num triângulo muito importante: a duas horas do Porto, duas de Lisboa e a três de Madrid. A Vidreira sempre fez a transformação de vidro para entregar aos serralheiros de alumínio. A certa altura, eu disse ao meu pai para montarmos a nossa própria empresa de alumínio. O meu pai ficou reticente, então eu decidi arrancar sozinho», refere Sérgio Rebordão.

Foi assim que nasceu a SWRGB Glass Building: «Pus a máquina a funcionar e entretanto chamei o meu irmão mais novo. Montámos a serralharia de alumínio, depois PVC, agora vamos constituir uma empresa de metalomecânica. Em breve, vamos formar um grupo empresarial. A nossa intenção é também dar algum descanso ao meu pai, que trabalhou imenso ao longo dos anos.»

«Felizmente, para nós o negócio nunca parou, mesmo com a pandemia. Aumentámos num ano de dificuldade em cerca de 30 por cento o volume de faturação, com o handicap de não conseguimos exportar mais, porque não conseguíamos montar fora», diz o antigo defesa-central.

Aos 39 anos, Sérgio Rebordão está plenamente realizado como empresário. «O mundo dos negócios é uma adrenalina diária, temos que liderar 70 trabalhadores todos os dias, para que eles e as suas famílias tenham tudo o que lhe possamos dar. Alimentamos muitas famílias, mas também sabemos que a empresa sem os trabalhadores não é nada», ressalva.

Do Fundão para o FC Porto e o triste final na Covilhã

A Associação Desportiva da Estação foi o ponto de partida na carreira agridoce de Sérgio Rebordão. Aos 14 anos, o defesa-central dava nas vistas e era desejado pelos maiores clubes de Portugal.

«Fizemos um grande jogo contra o FC Porto e no final todos quiseram falar com o meu pai. Ele prometeu que eu iria para o FC Porto, mesmo sendo mais complicado para a família, porque o meu pai passava muito mais tempo em Lisboa. Estamos a falar da altura em que demorava seis ou sete horas a ir da Covilhã ao Porto de autocarro. Não foi fácil», começa por recordar.

O falecido Costa Soares, histórico treinador da formação do FC Porto e do futebol português, ficou na memória de Sérgio Rebordão: «Nunca mais esquecerei os conselhos do Costa Soares. No meu segundo ano de FC Porto, eu já era capitão, fui à seleção, fui internacional 13 vezes (sub-15 e sub-16), fui campeão de juvenis pelo FC Porto, estava muito bem. Mas a felicidade no futebol não esteve do meu lado.»

O desvio no percurso ascendente do defesa-central surge na temporada 1999/2000, aos 18 anos. «No meu primeiro ano de júnior, não jogava com o João Pinto na equipa A de juniores, jogava na equipa B, mas fui chamado para alguns amigáveis da formação principal. Cheguei a fazer três jogos pelo FC Porto com o Fernando Santos, ao lado de Jardel, Drulovic, etc.», recorda.

«Nessa altura, fui mal aconselhado. Convenci-me que seria bom sair para jogar numa equipa sénior, ainda no primeiro ano de júnior. Foi pena porque o FC Porto contava comigo, estava a formar a equipa B e eu podia ter continuado. Saí para o Dragões Sandinenses do Ulisses Morais, que estava na III Divisão e fez um brilharete na Taça. Fui titular frente ao Estrela da Amadora do Jorge Jesus, que me deu os parabéns no fim, e depois ainda joguei contra o Sporting», diz.

José Mendes, atual presidente do Sp. Covilhã, foi o tal conselheiro em 1999: «Ele nessa altura vivia no Porto, ia ver muitos jogos meus. Entretanto fez o seu caminho e, curiosamente, também foi com ele que acabei por sair do Sp. Covilhã em 2009. Fico triste, guardo essa tristeza, mas não guardo rancor. Apesar de tudo, o Sp. Covilhã é o clube da minha região.»

Sérgio Rebordão representou assim, com sénior, Dragões Sandinenses (III Divisão), AD Machico (II Divisão B), FC Cesarense (III Divisão), Olhanense (II Divisão B), AD Estação (III Divisão) e Académica B (II Divisão B).

«Na altura da Académica (2003/04), o falecido Vítor Oliveira, que recordo com carinho, chamou-me por várias vezes à equipa principal. A certa altura, ia haver jogo com o Benfica para a Taça e estavam dois centrais lesionados. Ele disse que eu ia jogar. Na véspera do jogo, num pequeno exercício, o meu joelho inchou e não deu para jogar. Foram momentos como esse que não me permitiram dar o passe seguinte», desabafa.

Seguiram-se Benfica de Castelo Branco (II Divisão B), Sp. Covilhã (II Liga), SC Lusitânia (II Divisão B) e de novo Sporting da Covilhã, então na II Divisão B, em 2007.

«Quando o Sp. Covilhã estava na II Liga, eu estava a fazer uma grande época e havia conversações com o Nacional da Madeira. Infelizmente, a 9 de dezembro rebentei o tendão de Aquiles e vi desmoronar os meus sonhos. Quando voltei depois ao Sp. Covilhã, a equipa estava na II Divisão, ajudei na subida e ano seguinte fui dispensado, quando nada o fazia prever», salienta.

Hélio Sousa assumiu o comando técnico do Sp. Covilhã e decidiu abdicar do capitão de equipa: «O treinador tomou a sua decisão e a forma como a direção do clube me tratou não foi a mais correta. Estive praticamente um ano a treinar à parte, fizeram de tudo para que eu saísse. Enfim. Levou-me a pensar seriamente no meu futuro.»

«Tinha 28 anos, achava que ainda tinha muito para dar ao futebol, mas decidi nessa altura seguir outro caminho. Ainda assinei pelo Penamacorense, mas a meio da época decidir terminar a carreira de vez para abraçar o projeto familiar. Toda a gente me dizia para continuar ligado ao futebol, nem que fosse como treinador, ainda cheguei a treinar a AD Estação, mas não dava para conciliar com a minha atividade profissional. Hoje em dia, faço apenas muitos jogos pelos Veteranos do FC Porto, é algo que me dá muito prazer. Não fui um jogador notável, mas fazer parte desse grupo do FC Porto é algo que em deixa orgulhoso», remata Sérgio Rebordão.

Continue a ler esta notícia

Relacionados

EM DESTAQUE