Silas e Lage, histórias de dois treinadores que «fazem bem ao futebol» - TVI

Silas e Lage, histórias de dois treinadores que «fazem bem ao futebol»

Silas e Bruno Lage

Estreia para um, mais um grande desafio para outro, dois treinadores que são da mesma idade e, com percursos muito diferentes, têm afinal pontos comuns. Diz quem trabalhou com ambos

O dérbi de Alvalade que fecha a primeira volta da Liga chega com o Benfica na frente do campeonato e o Sporting a 16 pontos de distância, um enorme fosso numa fase que tem sido de ascendente das águias. Mas o dérbi tem o dom de alimentar ilusões e acrescentar sempre enredos novos. Também para os treinadores. Será uma estreia para Silas e mais um grande desafio para Bruno Lage, dois treinadores que, tendo percursos muito diferentes, são da mesma idade, 43 anos, e estão ambos na fase inicial de carreiras ao mais alto nível. Mas há afinal mais pontos em comum, conta quem conhece ambos.

Silas estreou-se como treinador há dois anos. Assumiu o Belenenses no final de janeiro de 2018, apenas seis meses depois de pôr o ponto final numa longa carreira, duas décadas e mais de 200 jogos na Liga, que passou por Espanha, Inglaterra, pelo Chipre e pela Índia e o levou até à Seleção Nacional, em 2003. Para Bruno Lage a aventura no banco como treinador principal à frente de uma equipa do primeiro escalão começou também em janeiro, um ano mais tarde. Acaba de cumprir um ano como treinador do Benfica, depois de meia época no Benfica B e de um longo percurso como técnico, de preparador físico a adjunto, da formação do V. Setúbal a Inglaterra e Gales ao lado de Carlos Carvalhal, com uma passagem pelos Emirados Árabes Unidos e vários anos nos escalões de formação do Benfica.

É aqui que entra André Carvalhas. Ou melhor, era lá que estava o médio ofensivo quando Bruno Lage chegou, em 2004, e começou a trabalhar com os juvenis do Benfica. Trabalharam juntos durante três temporadas, nos juvenis e nos juniores, e a relação ficou até hoje. Muitos anos mais tarde, André Carvalhas encontrou-se com Silas, ambos em campo. Essa história já virá.

Bruno Lage «é possivelmente a melhor pessoa que conheço no futebol»

Por agora, ela centra-se no Benfica, onde André Carvalhas conheceu o treinador, que hoje é indissociável do amigo. «Sou suspeito, tenho uma relação pessoal muito boa com ele. Trabalhámos juntos durante três anos, desde então mantivemos contacto. É possivelmente a melhor pessoa que conheço no futebol», diz o jogador do Cova da Piedade, hoje com 30 anos, ao Maisfutebol.

«Como treinador, tenho uma grande admiração e já tem mais que provas dadas. É um grande treinador e vai continuar a prová-lo. Tem muita responsabilidade no que está a acontecer no Benfica. A forma como pegou na equipa na época passada e conseguiu ser campeão foi a prova cabal do que conseguia fazer», observa: «Como condutor de homens também não restam dúvidas. A prova disso é a gestão que tem feito do plantel, em que toda a gente tem dado rendimento. O Benfica tem feito bons resultados, é líder do campeonato e tem sido a melhor equipa. E a nível pessoal é tão bom ou melhor do que como treinador.»

André Carvalhas recorda esse jovem treinador Bruno Lage. «Eu era muito novo… Mas já se percebia que ele ia vingar como treinador. Para lá das qualidades como treinador, era muito próximo dos jogadores, criava grande empatia connosco, mesmo já fora do contexto dos treinos e dos jogos», conta.

Próximo o suficiente para alinhar nas brincadeiras de miúdos, conta André. «Tenho muitas histórias desse tempo, se calhar para escrever um livro…», ri-se. «Uma vez fomos a um torneio na Irlanda do Norte, a Milk Cup. Já passava da meia-noite e eu estava no quarto com o Miguel Rosa. E do nada lembrámo-nos de ir dizer ao guarda-redes, que era o Rui Santos, para ir bater à porta do mister e dizer-lhe que íamos fazer um treino no hall da entrada. E lá fomos. O Lage abriu a porta e disse: ‘São malucos?’ E nós: ‘Venha, você vai chutar à baliza.’ E ele lá veio, alinhou na brincadeira. Isto dá uma ideia do espírito dele.»

Lage também teve um papel fundamental na definição do futuro de André Carvalhas como jogador. «Eu fui para o Benfica como médio-centro e ele a certa altura veio dizer-me que não era o lugar ideal, que para ele eu tinha de jogar a segundo avançado. E eu disse-lhe que nunca tinha jogado a avançado. Ele respondeu: ‘Comigo vais jogar.’ Olhou para as minhas características e decidiu que tinha de mudar de posição. E foi das melhores épocas que fiz, logo no primeiro ano de juvenil.»

André Carvalhas chegaria a ser integrado na equipa principal do Benfica em 2007/08 e convocado para alguns jogos, quando José Antonio Camacho era o treinador, mas nunca jogou. Muito recentemente, Lage deu o seu exemplo quando lhe perguntaram em entrevista na Benfica TV qual o melhor jogador que já treinou. O técnico disse que André Carvalhas não atingiu todo o potencial que tinha porque na altura a formação do Benfica ainda não tinha o crédito que tem hoje.

O jogador foi surpreendido pelo elogio do antigo técnico. «Foi bom ouvir isso, embora seja uma sensação agridoce», diz. «Nunca saberei se poderia ou não poderia ter-me afirmado, se fosse agora. Mas são palavras de uma pessoa que me diz muito.» De qualquer forma, garante, não ficaram ressentimentos: «Tenho noção de que poderia ser de outra forma, mas estou contente com a carreira que tenho. Não tenho mágoas.»

Silas «via coisas em campo que eu não conseguia ver»

André Carvalhas deixou o Benfica em 2008, primeiro emprestado a Rio Ave e Olhanense, depois ao Fátima e em 2011 desvinculou-se do clube. Jogou no Trofense, Naval, Moreirense, Tondela e Portimonense e em 2016/17 chegou ao Cova da Piedade. Foi lá que encontrou Silas, no último ano da carreira do agora treinador do Sporting. Aos 40 anos.

Antes de mais, André Carvalhas recorda a qualidade. «Era um Silas já muito veterano só na idade. A nível de rendimento era incrível, com 40 anos conseguia fazer tudo tal e qual como nós, a nível técnico, tático, físico. Ele a nível técnico era muito forte, mas podia notar-se alguma diferença em termos físicos. Mas não», recorda: «Adorei jogar com ele, já antes de estarmos na mesma equipa era um jogador que me enchia as medidas. Trabalhar com ele foi fantástico.»

«Ele era dos mais exigentes. Treinava sempre no limite e exigia muito de nós, como nós podíamos exigir dele. Os 40 anos eram só no Cartão de Cidadão», continua o jogador que voltou entretanto ao Cova da Piedade, depois de uma passagem pela Moldávia.

Silas já tinha começado a formação de treinador por essa altura. E já via o jogo como treinador, recorda André Carvalhas. «Em conversa falávamos sobre a equipa, a nível técnico-tático, e eu percebia que ele já via o jogo de uma forma que eu não conseguia ver. Já via que ia ser treinador, e que seria bom. Chegar ao Sporting nesta altura é prova disso.»

«Já o via a pensar como treinador. Via coisas no campo que eu não conseguia ver», reforça André Carvalhas, ainda que não se recorde de esse ser um objetivo claramente assumido por Silas naquela época: «Ele não falava sobre ser treinador. Estava tão focado nas tarefas de jogador que não se queria desfocar.»

Na altura, Silas já levava essa capacidade de ter um olhar global sobre o jogo para dentro de campo. «Também se percebia em campo. Dava indicações muito boas, era um líder em campo e isso ajudava-nos.»

«É uma pessoa por quem tenho grande estima, fico muito feliz por ter sucesso como jogador, como o Bruno Lage», resume André Carvalhas, que também mantém contacto com Silas. «Falámos já depois de ele ir para o Sporting, sobre outras coisas. Desejei-lhe sorte, claro.»

André Carvalhas encontra pontos comuns entre Bruno Lage e Silas. «São dois grandes treinadores. Os dois muito jovens, mas já com provas dadas no futebol profissional. São dois líderes por natureza. Isso não se ganha, acho que se nasce ou não com essa capacidade. Nunca apanhei o Silas como treinador, o que é sempre diferente. Mas acredito que têm em comum a relação pessoal com os jogadores, a juntar-se às qualidades de cada um.»

Silas e Lage, o terceiro duelo e a liderança comum em campo

Agora vem aí um grande jogo para ambos. Será o terceiro frente a frente entre os dois treinadores e até ao início desta temporada o registo de Silas frente ao Benfica era notável, com dois empates e uma vitória, sempre no banco do Belenenses. Na época passada foi aliás o único a roubar pontos ao Benfica de Lage, no empate a duas bolas na Luz para a 25ª jornada. Mas esta temporada o Benfica levou a melhor, vencendo na Luz o Belenenses ainda de Silas por 2-0, na 2ª jornada da Liga. O técnico deixaria o clube pouco depois e no final de setembro assinava pelo Sporting, ouvindo um elogio vindo do outro lado da Segunda Circular, com Bruno Lage a dizer que o percurso do novo treinador dos «leões» falava por si.

Agora voltam a estar frente a frente, ambos no comando técnico de um «grande». André Carvalhas acredita que o Sporting-Benfica desta sexta-feira terá a marca dos dois treinadores: «No dérbi as duas equipas vão querer ganhar e ambos vão querer fazer transparecer essa capacidade de liderança lá para dentro.»

André Carvalhas espera um bom jogo, também por responsabilidade dos dois treinadores: «Dérbis são sempre dérbis, jogos especiais. Acho que não há grandes favoritos. O Benfica parte em vantagem e se calhar encara o jogo um pouco mais tranquilos. Mas são sempre jogos em que não á favoritos e normalmente bons espetáculos. E acho que será um bom espetáculo, pelos intervenientes e pelas equipas técnicas.»

Tanto Silas como Lage vão contribuir para um jogo positivo, acredita. «Eu quero é que seja um bom espetáculo de futebol, que se desfrute e que as pessoas saiam contentes do estádio. E eles são duas pessoas que veem o futebol como magia e não como luta. O futebol é emoção, é magia. Eu vejo muito assim. Vejo o futebol como algo bom, para encarar com responsabilidade, mas não como uma guerra. E tanto o Bruno Lage como o Silas têm essa abordagem», diz: «Fazem bem ao futebol. Fico feliz que estejam os dois em clubes «grandes». E felizmente para o nosso futebol que estão.»

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