O futebol português continua a decidir-se na base do grito - TVI

O futebol português continua a decidir-se na base do grito

FC Porto fez treino de adaptação no Dragão (fotos FCP)

Será tão difícil assim exigir um pouco mais de intransigência na defesa das boas decisões?

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Não é propriamente uma novidade, mas as últimas semanas deixaram-nos na boca aquele travo de insatisfação, como quem pensa que era tão fácil fazer as coisas melhor. Confusões, exigências, lóbis, o regresso do futebol foi enfim uma bagunça.

E não precisava de o ser.

Acima de tudo fica a sensação que tudo em Portugal se resolve na base do grito. Quantos mais decibéis o audímetro acusar, mais perto se fica do sucesso.

Se não veja-se: a Direção-Geral de Saúde apresentou um parecer técnico que indicava um total isolamento de jogadores, árbitros, técnicos e funcionários de apoio à equipa. Aconselhava-se apenas a saída do domicílio para os compromissos obrigatórios: treinos e jogos.

O parecer ia ao ponto de aconselhar até os familiares que habitam com os jogadores a ficarem eles próprios fechados em casa. O clube devia garantir a satisfação das necessidades dos atletas e de suas famílias, para evitar que estes tivessem que se expor a riscos desnecessárias.

Esta era a ideia, e era uma boa ideia. Mas bastou o Marítimo gritar, naquele jeito estridente de Carlos Pereira, para tudo mudar: obriga-se as pessoas a ficar em casa, mas não se vê nenhum problema em colocar os jogadores em aeroportos, mangas, autocarros públicos e salas de espera.

Mas há mais, claro.

O parecer técnico indicava que a competição devia realizar-se no menor número possível de estádios. O que faz sentido, claro. Épocas invulgares exigem medidas invulgares e seria muito mais fácil controlar o vírus quanto menor fossem os espaços para o fazer.

Era uma espécie de confinamento do próprio futebol.

Inicialmente falou-se de seis estádios, mas alguém gritou que também queria e passou a sete, mais alguém gritou e passou a oito, mais alguém gritou e já vamos em dezasseis recintos. Nesta altura mais de 80 por cento dos clubes da Liga vão jogar em sua casa, e o número ainda pode subir.

Mas ainda há mais, sim.

O parecer técnico apontava para dois testes laboratoriais antes de cada jogo, mas afinal percebeu-se a uma semana do início da competição que os jogos são muito próximos. Por isso far-se-á apenas um teste, a não ser que haja mais de cinco dias de intervalo entre jogos.

No fundo fica sempre a sensação que por muito boas que sejam as ideias iniciais, o futebol português consegue encontrar uma tendência barulhenta para estragar as coisas. Tudo se resolve na base do grito, e não há coragem nem força para resistir à força dos berros.

Também por isso é impossível não ficar com um sentimento de deceção: é muito difícil acreditar num futebol mais limpo, com menos guerras e menos conversas sobre árbitros, quando se sente que vale a pena chorar: quando se sente enfim este ambiente de permeabilidade.

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