«Benfica? Não recebia e ainda queriam multar-me!» - TVI

«Benfica? Não recebia e ainda queriam multar-me!»

Paulo Nunes (Foto: Reuters)

«Destino 90s»: a mágoa maior na carreira de um ídolo do Grémio de Porto Alegre foi ter falhado na Luz. Chegou como uma das maiores promessas, partiu sem glória. Os choques com Manuel José, Souness e a direção que fez um contrato que não podia cumprir

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DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

PAULO NUNES (Benfica, 1997/98)

Chegou como um dos reforços que mais expectativa criou em toda a década de 90, saiu poucos meses depois, debaixo do manto da desilusão. Paulo Nunes, a venda mais cara do campeonato brasileiro no verão de 1997, aterrou na Luz cheio de esperança. À sua espera estava um clube que o acarinhou desde cedo e no qual fez questão absoluta de jogar, mesmo tendo outras propostas. As coisas não correram bem.

Mas já lá vamos. Hoje Paulo Nunes está completamente desligado do futebol, vivendo em Goiânia, onde é sócio de uma empresa de construção civil e gere também um centro desportivo de aluguer de quadras e campos de futevólei. É a partir da sua cidade que fala com o Maisfutebol, interrompendo uma tarde passada com a neta, no dia dos avós. Pois, os anos passam e aquele miúdo loiro que chegou à Luz cheio de esperanças já é avô…

«Estive três meses em negociações», começa por contar. «O meu empresário era o Gilmar Veloz mas o dono do meu passe era um espanhol que comandava o Barcelona na época, que agora não lembro o nome…Estava a negociar com o Benfica e o Deportivo da Corunha, mas eu queria muito ir para Portugal. O Benfica é dez vezes maior do que o Deportivo», atira, sem hesitar.

O Grémio, onde jogava, ainda lhe cobriu a proposta encarnada, mas Paulo Nunes estava decidido. O desejo de vir para a Europa falou mais alto.

Embarcou para Portugal e a receção, nas suas palavras, foi «maravilhosa». «Senti-me em casa, senti-me muito bem tratado, num clube que já tinha uma estrutura fenomenal que não tinha nada a ver com o Grémio da época. Senti-me muito querido pelos adeptos. Estava a viver um sonho, naquele momento», confessa.

Tinha 26 anos e era conhecido em Portugal por ser o parceiro de Mário Jardel no ataque do Grémio. Jardel tinha vindo um ano antes, para o FC Porto, com sucesso imediato. O Benfica tentava recriar o golpe com o seu colega. Não resultou.

«O que me deixa mais triste no tempo que estive no futebol foi não ter ficado mais tempo no Benfica. Infelizmente o futebol traça coisas que às vezes não conseguimos levar da forma como queríamos», lamenta.

No Benfica fez oito jogos e marcou dois golos. Todos no jogo de estreia. «Fiz um golo de bicicleta e outro de calcanhar. Nunca tive estreia assim em qualquer outro clube. Tinha tudo para correr bem», insiste.

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Que motivos, então, para o insucesso? Passado quase 20 anos, Paulo Nunes ainda os tem na ponta da língua. E a distância permite-lhe falar sem rodeios.

«A principal explicação é simples: eu não recebia…», atira. E explica: «Comecei logo por não receber os 20 por cento a que tinha direito na transação e depois também não fui recebendo. Fizeram muitas cartas do banco, com promessas, mas dinheiro não vinha. Chegou a uma altura em que nem o meu salário completo recebia. Os direitos de imagem, por exemplo, não recebia.»

Paulo Nunes chegou ao Benfica no final da era Manuel Damásio. «Aconteceu, na altura, de, pela primeira vez na história, as contas do Benfica não serem aprovadas e o presidente saiu. Veio então o presidente novo», recorda. Era Vale e Azevedo.

Sobre ele, Paulo Nunes é direto: «Podem dizer o que quiserem, mas comigo foi muito honesto. Disse logo: ‘gostava que ficasses mas não posso pagar este salário. O presidente anterior fez uma besteira e não podemos honrar um compromisso destes’.»

«Tinha de abdicar de metade do meu salário e isso deixou-me logo chateado. Tinha um contrato de cinco anos e nem cinco meses depois já queriam mudar tudo. Não aceitei. E o Vale e Azevedo disse logo: ‘podes ficar, mas não vais receber’», continua.

O empresário tentou que Paulo Nunes denunciasse a situação na comunicação social mas este garante ter recusado sempre. Queria resolver a bem. Mas, pelo meio, já havia outro problema. Com Manuel José, o treinador.

Um onze do Benfica, com Paulo Nunes (segundo em baixo a contar da esquerda)

«Manuel José explodiu o balneário»

Paulo Nunes, como se disse, chegou, jogou e marcou. Parecia lançado, mas aos poucos a quebra de rendimento tornou-se evidente. A relação com Manuel José cedo ficara instável. Um episódio apenas e tudo foi posto em causa. O brasileiro não entende.

«Talvez tenha sido um erro meu, mas ninguém me explicou direitinho como eram as coisas no Benfica. Ora, parece que não podia estar fora de casa a partir das 22h30 e houve um dia em que fui jantar e fiquei até à 1h30…Cobraram-me uma multa de 25 mil dólares», conta.

E Paulo Nunes não sabia as regras?

«Eles entregavam um regulamento interno aos jogadores mas aquilo era enorme. Sou sincero: nem li, era muita coisa. Mas, quer dizer, eu já não estava a receber e ainda me aplicavam uma multa? Era o que mais faltava. Disse logo que não pagava. Alguém deveria ter-me dito que não poderia estar na rua a partir das 22h30…», defende.

Mais do que a multa, o que deixou Paulo Nunes perplexo foi a forma como Manuel José geriu o caso. «As coisas não estavam mal, tinham começado bem mas houve uma derrota que mudou tudo», conta. Foi em Vila do Conde, à quarta jornada, no dia seguinte ao caso que o avançado viveu.

«Um treinador tem de ser inteligente. Se há um problema pequeno no grupo mas o grupo está bem, vou querer complicar? Ele complicou. Um dia antes do jogo com o Rio Ave, meteu-me à frente de todo o mundo e conta o meu caso. Explodiu o balneário um dia antes de um jogo. Nunca vi isso na minha vida…Ficou toda a gente a olhar uns para os outros e ele disse-me que se eu quisesse nem ia para o jogo. Mas eu disse que ia, claro. Ao intervalo já perdíamos 3-0», recorda.

Paulo Nunes garante que não ficou chateado com Manuel José, porque foi até o treinador que o contratou, mas não hesita nas palavras: «Estragou tudo. Acabou com um grupo que estava a ficar unido.»

«Um treinador tem de saber que mexe com 30 cabeças diferentes. Além de treinador tem de ser psicólogo. Tem de saber que há 11 que jogam e estão felizes, seis que estão mais ou menos e outros tantos que estão a querer matá-lo. Um treinador tem de saber lidar com isso, mas ele chutou o balde! Não acho normal que um treinador com a experiência dele faça isso», considera.

Os jogos de Paulo Nunes no Benfica:

Liga: Benfica-Campomaiorense, 4-0, 1ª jornada (Titular, 2 golos)

Liga: V. Setúbal-Benfica, 1-0, 2ª jornada (Titular)

Liga: Benfica-Académica, 1-1, 3ª jornada (Suplente Utilizado)

Taça UEFA: Bastia-Benfica, 1-0 (Titular)

Liga: Rio Ave-Benfica, 3-1, 4ª jornada (Titular)

Taça UEFA: Benfica-Bastia, 0-0 (Titular)

Liga: Benfica-V. Guimarães, 1-0, 9ª jornada (Suplente Utilizado)

Taça de Portugal: Benfica-Rio Ave, 3-0 (Suplente utilizado)

Paulo Nunes em ação frete ao Bastia para a Taça UEFA

«O mala do inglês não teve paciência comigo…»

Depois de Manuel José, Paulo Nunes conheceu Graeme Souness. Por pouco tempo. É no técnico escocês que, apesar de tudo, caem as maiores críticas do brasileiro.

Quando Souness chegou à Luz, Paulo Nunes estava lesionado.

«Tive depois uma contusão no joelho no jogo com o Bastia. Um mês estaria pronto. Fui conversar com o treinador que já era o inglês [ndr. Na verdade é escocês], o Souness, e ele disse-me logo para sair. Nem me quis ver jogar. Não me deu nenhuma oportunidade», reclama.

O jogo com o Bastia aconteceu no final de setembro. O Benfica tinha perdido a primeira mão por 1-0, empatou a segunda sem golos e foi eliminado da Taça UEFA.

«Quando fui disputar a UEFA falei: ‘é nesse torneio que vou rebentar. É aqui que vou pôr o Benfica lá na frente’. Mas tive uma lesão nesse jogo. Ainda fiquei 20 minutos a tentar jogar. O médico disse-me que se ficasse mais cinco ou dez minutos poderia ter danificado os ligamentos. Os adeptos acharam que eu quis sair, mas a verdade é que dois dias depois já estava na sala de cirurgia», conta.

Voltaria em novembro, já com Souness que só o lançou em dois jogos, sempre como suplente utilizado.

«Ainda estava lesionado e ele já dizia que não queria ficar comigo. E lá tive de encontrar outro clube. Tive propostas do Deportivo e do Palmeiras. Fui negociado com a Parmalat, fiquei um mês a treinar no Parma, mas já tinha dado a palavra ao Palmeiras. O inglês não teve paciência comigo, não teve sensibilidade. Foi só com o inglês que fiquei chateado», garante.

Nem com Manuel José? «Não. Com ele só fiquei estarrecido, porque ele não pode ver uma fogueira a arder e meter gasolina. Tem é de tirar toda a lenha…Devia ter-me chamado à parte e ninguém precisava saber de nada. Mas não, foi lá no meio. Parece que queria explodir o balneário. Na palestra, em vez de falar de futebol, falou de mim. Foi um absurdo», instiste.

«Agora o inglês não. Esse não deixou sequer mostrar o que eu poderia fazer. Estava a tentar entender o futebol porque era tudo muito diferente. Até brincava muitas vezes nos treinos: ‘nossa, que correria é essa? Aqui ninguém pára para pensar?’ Estava em adaptação, tinha seis meses de clube e esse treinador não teve paciência com um atleta que vinha do Brasil. Estava na melhor fase da minha vida e esse mala desse treinador não teve paciência comigo», lamenta.

Ficou, assim, a mágoa de ter falhado na Luz. A única, garante, que teve no futebol. E o dinheiro da Luz, chegou a receber?

«Levei o caso à FIFA. Depois de uns 10 anos, talvez, fui acertando pedacinho a pedacinho. Mas ficou muito para trás. Estava a dar tantos problemas que abdiquei de grande parte. Achei que já não valia a pena. Era muita confusão», encerra.

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